O conhecimento de ciclos de vida que Dark nos entrega

Claudio Palmieri
ilovehumans
Published in
5 min readSep 22, 2020

Se você ainda não viu a série Dark, não continue a leitura, pois contém spoiler. Vá para a Netflix, veja a série e depois retorne aqui.

— — — — — — — — — — — — — — — — —

Quero falar de Dark. Não pela estória, conceitos, ciência, produção, fotografia, trilha sonora ou da dificuldade que certamente foi planejar a execução de toda a série nas suas 3 temporadas. Quero levantar aqui um lado filosófico que a série nos ofereceu: a aproximação com o ciclo da vida.

Diversos ciclos de vida na série Dark

Dark trouxe ao nosso cérebro algo que não teremos a chance de vivenciar sendo nós meros expectadores da vida que nos cerca. Acompanhar, dentro da nossa interpretação madura da vida, o nascer e o morrer natural de uma pessoa, sem ser por uma doença ou acidente fatal, seria algo fantástico para o nosso aprendizado em diversos aspectos. Pelo campo biológico veríamos a transformação de todo o corpo, de uma pequena criança até seu momento idoso; no campo da psicologia poder acompanhar o seu desenrolar psicológico e como a mudança do seu eu ocorre com as diversas influências existentes no ciclo da vida; na filosofia poder refletir holisticamente o ser humano no seu movimento na linha de tempo da vida; na neurociência poderíamos ver como o algoritmo cerebral constrói a pessoa até sua morte chegar. Apenas um Highlander conseguiria esta experiência, ou outras forças sobrenaturais. Mas Dark nos oferece um pouco esta oportunidade. A série nos joga uma enxurrada de trajetórias de vida através dos personagens que ela apresenta. E, em alguns dias a assistindo obtemos um conhecimento de ouro sobre o ser humano, vendo como tudo que o orbita, junto com as suas decisões, como resposta ao que lhe acontece, têm impacto na construção e formação do seu ser.

Ciclos de vida ligados entre si

No período de aproximadamente duas semanas e eu e minha esposa investimos um tempo para ver Dark. Quase no final da terceira temporada fui informado que minha tia, 10 anos mais velha do que eu, faleceu. Fiquei pensando em uma foto que a vi criança como daminha no casamento da minha mãe. Ali ela deveria ter uns 8 ou 9 anos. Pensei na convivência real que tive com ela na sua fase adulta, e também em acompanhar à distância seu problema de saúde numa idade mais avançada. Ao refletir sobre a notícia, fiquei pensando que por eu não ter acompanhado a sua infância não foi possível que eu a conhecesse na totalidade, desde um bebê até o momento de partir. Sem querer comparar o acompanhar de verdade da vida inteira de uma pessoa com apenas acompanhar a vida fragmentada e concisa de pessoas numa série, mas Dark vai por um caminho que nos proporciona acompanhar, através da viagem no tempo, diversos ciclos de vida de forma rápida. Começando na fase criança, indo para a adulta e terminando na idosa para diversos personagens. Observar tudo isso nos dá a possibilidade de reflexão sobre a vida.

No começo da série a imensa maioria dos personagens era jovem adulto e adulto. Na primeira viagem no tempo podemos ver como vários adultos eram na adolescência há 33 anos atrás (saindo de 2019 para 1986). Como eram no colégio, como se relacionavam com a família, os problemas que tinham, o jeito de se comportarem, o estilo de vida, seus valores, suas crenças e interpretações do mundo que os cercava. Ao voltar mais 33 anos podemos ver os adultos de 1986 em 1953, e novamente saber como se relacionavam com as coisas da época e seus diferentes valores. Esta dinâmica rápida, se comparada com a vida real, de diversas vidas inteiras sendo apresentadas foi a chance que Dark nos deu para aprendemos sobre a vida das pessoas, navegando em etapas por todo o seu ciclo de vida.

As Claudias

Vamos, por exemplo, pegar a personagem Claudia. Ela foi importante para ligar os diversos tempos e os outros personagens. Em 2019 ela não está presente, mas passamos a conhecer sua filha Regina, o neto Bartosz e o genro Aleksander. Voltando a 1986 passamos a conhecer a Claudia na sua atividade de executiva numa usina nuclear, vivendo com sua filha Regina, a mesma de 2019. Mas agora como uma pré-adolescente. Depois somos transportados para 1953 e vemos novamente a Claudia, agora sendo ela a pré-adolescente. Com uma personalidade forte e independente, ganhando o seu dinheiro já novinha através de aulas dadas a uma outra criança — que também vemos sua trajetória na série — para pagar sua faculdade no futuro. Em 1986 observamos que Claudia tem uma relação de cobrança com a filha Regina, onde numa cena dentro do seu carro ela cobra que a filha cuide melhor do cabelo. E indo novamente para 1953 vemos a relação fria e distante da Claudia com os seus pais. Temos a chance de acompanhar diversos acontecimentos que ajudaram a construir a Claudia, de criança a idosa viajante do tempo.

Claudia em seu passado, presente e futuro

Claudia é apenas um exemplo dentro de uma grande quantidade de personagens com seus ciclos de vida que temos acesso em Dark. Acompanhar muito ciclos de vida num tempo tão pequeno (3 temporadas) possibilita ao nosso cérebro captar padrões presentes no ciclo de vida de todos nós. Mesmo que cada um tenha uma vida diferente da outra pessoa, o cérebro de todos possuem o mesmo algoritmo. E é ele que nos contrói conforme as várias e diversas experiências de vida que cada um obtém em sua trajetória. E isso está lá em Dark.

Aproveite

Minha sugestão é que você extraia de Dark este conhecimento de ciclos de vidas. Use o cérebro para abstrair e projetar imagens dinâmicas de diversos ciclos de vidas de pessoas que você conhece, voltando com ela no tempo e avançando anos a frente. Isso vai enriquecer sua leitura sobre as pessoas.

Por nos ter entregue este tipo de conhecimento, só podemos agradecer. Valeu Dark!

Por Claudio Palmieri
Apaixonado pelo ser humano e sua interação com o mundo.
Experiência, criatividade, arte, inovação, neurociência, antropologia, sociologia, filosofia, literatura, ciência e cinema.

Atualmente trabalhando como UX Researcher na Dasa

Site: www.claudiopalmieri.com
Linkedin:
br.linkedin.com/in/claudiopalmieri
Facebook:
www.facebook.com/claudiopalmieri
Instagram:
www.instagram.com/clauspalmer
Email:
palmieri@claudiopalmieri.com
Antropologia Urbana SP:
antropologiaurbanasaopaulo.tumblr.com

Revisado por Natascha Lopes

--

--

Claudio Palmieri
ilovehumans

UX Design | UX Research | UX Strategy | Inovação | Neurociência | Antropologia | Inteligência Artificial | Pensamento Crítico | Filosofia | Arte