KABOKO será o enredo da Ilu Ayê para o carnaval virtual em agosto!

Fernando Saol
iluaye
Published in
4 min readMar 1, 2021

Kaboko — É reluzente o axé de Angola

Luena era princesa
Sangue real bantu
Herdeira das terras do sul de Malemba
Das tribos de Cabinda, era a mais próspera
Guardiã da energia de Mutalambô

Capturada sem brilho no olhar
Logo Luena, cujo nome significa “a mais reluzente”
Das terras do Congo, Cabinda e Angola

Cruzou o mar amparada na fé
Acreditando no axé
De seus ancestrais, de seus nkisis
Nunca perdeu o elo

Segurou nas mãos de Kaiala
Para atravessar o mar
E clamou misericórdia ao seu povo
Na força de Lembá

Chegou a Santo Amaro
A terra da Purificação
A pérola do Recôncavo
O inferno para povo negro
Vendida como escrava
História na pele apagada
Fé cultuada em segredo

De todas os santos que tem na Bahia
Era para o povo da mata
Que Luena, a reluzante, clamava!

Das lavouras de algodão e açúcar, o contraste
Entre a dor e a doçura
Para alimentar seus deuses
Dos coqueirais das suas praias, o coco
Oferenda preferida de Mutalambô, seu pai

Para agradar sua mãe, Kaiangu
A dona das almas dos pretos
Luena cultua os que se foram
Muitos pelo caminho
Muitos quando chegaram
Mas Kaiangu nunca desamparou
O vento sopra coragem

Na volta da colheita
A festa das luzes da Lua
O povo bantu planeja
Dar fim à tanta tortura

E das matas do Santo Amaro
Uma saga começou
Luena lidera a revolta
E para a mata sua gente guiou

Não é diferente de Angola
Tudo é familiar
Luena lidera seu povo
Katendê sempre há de ajudar

Entre tantos segredos e folhas
Tantas penas e cocares
São os donos deste terra
Os guerreiros tupinambares

A capoeira é jogada
Como forma de proteção
Os deuses dançam na roda
Pé no céu e mão no chão

Nasce assim o maculelê
Da mistura dessa gente
Na arte da guerra, o encanto
A energia tribal tupinambantu

São irmãos de luto e de luta
E na tribo tupi, Luena encontrou
Uma casa de igualdade
Falavam todos, enfim
A língua da liberdade

Seus deuses são caçadores
Moram na água, no ar
Vivem nas folhas
Vivem no fogo
Os deuses daqui
Os deuses de lá

O batuque incorporado
Pelas almas da floresta
Mutalambô está presente
Mutalambô nunca se foi

Ao encontrarem seu espelho
A vida ficou diferente
Índios, negros, caboclos

Kisala é pena!
Makanha é erva!
Pajé é Tatá!
Bambu é dianga!

A mistura bantu-tupi
Fortalece as culturas
A mandinga foi quebrada
O culto às energias da terra
É celebrada!

E com o passar dos tempos
A mistura não se separou
Tem Kitembo, tem Nzazi
Tem Pena Verde
Tem Rompe-Nuvem

Tem Bombojilla
Tem Sete Serras

As almas santas benditas
Da tenebrosa escravidão
Vovó Canbinda
Pai Joaquim de Angola
Quem deixou sua pegada
Tem a memória celebrada

E na mesma Santo Amaro
Das dores dos meus iguais
Hoje a Festa do Rosário
Lembra quem não volta mais

E de todas as histórias
Aquela que nunca foi rainha
Foi princesa de sua gente
Morreu cacurucaia
Porém livre

Morreu mãe, morreu Mametu Luena
E se quiserem encontrar seu axé
Pisem no candomblé
E puxem um ponto para Jurema

BREVE HISTÓRICO:

O tráfico negreiro foi responsável por dizimar clãs africanos e linhagens de grandes angolanos. No auge do comércio de escravizados, cerca de 700 mil negros e negras angolanos chegaram ao Brasil por ano, de maneira criminosa, como mercadoria. A Bahia e o Rio de Janeiro foram as regiões que mais receberam escravizados angolanos, cerca de 6 milhões de pessoas, em quatros séculos, entre 1501 e 1866. Traficados para trabalharem em engenhos de açúcar, o povo bantu nunca deixou de cultuar suas divindidades. Muitas revoltas e fugas aconteceram no Brasil, mas especificamente no Reconcâvo Bahiano, a cultura bantu encontrou nas comunidades tupinambares um lar.

Os bantus tem como filosofia maior o respeito aos ancestrais e quem veio antes, é o “MOYOO BANTU”, o ato de cultuar o ancestral da terra que residem. E existe um termo bantu para isso, é o “KABOKO”. que significa literalmente DONO DA TERRA. Ao enfim conhecer os ancestrais tupinambares, os bantus somam suas divinidades de Angola com as índigenas originais do solo brasileiro. É a união de Lemba e Tupã. A caboclada nasce dessa união e se organiza como festa, fé, louvação. O candomblé de caboclo surge dessa história.

Um culto que une as tradições dos povos que convivem juntos, para sobreviver, contra a opressão do branco invasor e sem humanidade. A Jurema sagrada é o Baobá, o Baobá é a Jurema sagrada!

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