Letícia
Imediatismos
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2 min readApr 21, 2020

Presa no silêncio da casa vazia, refém do não poder sair. Liguei a tv e deixei baixinha, apenas sussurros em meus ouvidos para me lembrar de que havia sim mais gente lá fora. Não queria entender o que eles falavam. Por um momento só queria não entender nada… ser criança pequena que ouve e dá seus próprios sentidos às coisas. Queria rir de piada boba ou de piada nenhuma, rir de mim mesma. Suspirei. O riso não veio.

É sábado a noite e em qualquer outro sábado a noite provavelmente eu estaria em casa também, vendo algum filme, lendo algo, qualquer coisa caseira assim. Mas este é o segundo sábado seguido em que não existe a opção de sair. Lá fora tudo é breu, os bares estão fechados, como os restaurantes e as baladas e tudo o mais. Lá fora tudo é silêncio, tudo são sussurros ininteligíveis… como também aqui dentro.

Aumentei o volume da tv e peguei uma história no meio. Um senhor, maratonista, agora preso em casa também. Como eu. Não peguei seu nome, peguei apenas o sentimento. Ele corria dentro de casa, 250 voltas da sacada até o corredor. Sua própria maratona em isolamento. Ele corria sério, levando a sério seu exercício em suas roupas de corrida. Ele sorria quando contava que parar não era uma opção. Eu sorria junto com ele.

Desliguei a Tv e liguei o aparelho de som antigo, movido pelos cds que ainda tinha aos montes. Sempre fui analógica. Sentei no sofá escutando a primeira música, fechei os olhos e esperei. Os pés foram primeiro, em batidinhas ritmadas à melodia que logo subiu para as minhas mãos, para a cabeça, para o sorriso. O riso veio e foi como um botão que se apertasse. Levantei e dancei pela sala as mesmas músicas que, adolescente ainda, outrora dançava em meu quarto. Dancei até suar toda a preocupação, toda a angústia e o medo. Dancei até lágrimas descerem, lágrimas de reconhecimento por estar viva. Dancei a noite inteira. Parar não era uma opção.

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