Créditos: Paraná Online

Caxias v Atlético-PR - #impressões

Hudson Martins
#impressões
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5 min readJan 31, 2018

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  1. Quando publico este texto, muito já se escreve e muito ainda será escrito sobre o Atlético de Fernando Diniz. Acho prudente um certo cuidado, uma vez que as informações de que dispomos ainda são muito escassas se comparadas com a inteireza do modelo de jogo, com as especificidades dos microciclos semanais (especialmente a periodização, talvez baseada nas matrizes de jogos do Professor Alcides Scaglia), com as naturais inquietações de cada atleta, com o diário amadurecimento dos ideais da própria comissão técnica e etc. O que fazemos, neste momento, é tirar retratos, simples fotografias de um filme cujo roteiro é essencialmente fluido.
  2. Quando o time que tem a posse é pressionado, há duas alternativas básicas: desistir ou resistir. A ligação direta, quando usada estritamente para se defender da ameaça, é uma desistência. É uma rendição, uma admissão de que a equipe portadora da bola não é capaz, naquele momento, de superar a linha de marcação adversária. Por outro lado, quem constroi por baixo, apesar da pressão, resiste. Curiosamente, são essas equipes, as que resistem até o último instante - pois sabem que atacar bem é defender bem - que são vistas com algum desdém, como se atacar bem fosse uma pretensão, uma invencionice. Na verdade, elas se dispõem a viver por uma ideia, o que significa, simultaneamente, morrer por uma ideia. É um processo mais profundo do que parece.
  3. Quando lembramos que o treino é jogo e o jogo é treino, não apenas lançamos um novo pensar do treino (que não pode ser dissociado do jogo), como também lançamos outro pensar ao próprio jogo. Porque, no jogo, também se treina. E, no jogo, a equipe que escolheu resistir irá, cedo ou tarde, descobrir que sabe mais do que pensava saber. ‘O que vou saber, sem saber, eu já sabia’, nos advertiu Guimarães Rosa. O passe de Santos para Paulo André, entre dois adversários (provavelmente treinada em milhões de rondos), já nos minutos finais do jogo, sob toda a carga física e emocional ali presente, mostra que o Atlético já sabe muito.
  4. O que não significa que saiba tudo, e nem deveria sê-lo. O Atlético, de Fernando Diniz e Eduardo Barros, acredita no jogo e, como já ocorreu anteriormente, é desejável que o jogo acredite em troca. Algumas das apostas estão claras. A linha de três zagueiros, inicialmente, permite maior amplitude no início da construção (no primeiro tempo, vimos Thiago Heleno ocupando, vez por outra, o espaço que normalmente seria do lateral). O Caxias jogou com apenas um centroavante, de modo que, não raro, o Atlético enfrentava situações de 3 v 1 no início da construção, o que talvez signifique alguma inferioridade no último terço do campo, especialmente contra uma equipe que se defende em um bloco curto, como o Caxias. Corredor aberto para os alas, volantes que não o são, dois meias interiores (pés trocados), um centroavante móvel. Apoios, tantos quanto possível. Circulação da bola, fazendo o adversário correr, até que o lado oposto fique livre, como ocorreu na finalização de Guilherme, aos 6 minutos do segundo tempo. As partes nos vão ficando claras.
  5. Me pareceram especialmente interessantes os movimentos pelos lados do campo. Carleto e Jonathan, além de jogarem em amplitude máxima, jogaram profundos, próximos ao terço final do campo. A priori, uma ótima alternativa para, às costas dos meias externos, atrair os laterais, abrindo espaços entre eles e os zagueiros. Mas, em contrapartida, o Caxias apresentou (deliberadamente?) um deslocamento dos pontas em direção à primeira linha defensiva, formando eventualmente uma linha de seis, cortando na raiz a amplitude imaginada pelo Atlético. Especialmente no segundo tempo, me pareceu um movimento muito claro. Por dentro, pensei que Guilherme e Nikão pudessem criar superioridades no setor de Régis, mas Rafael Gava e Diego Miranda, os meias interiores, cortaram sucessivamente as linhas de passe de Matheus Rossetto e Raphael Veiga.
  6. Não perca de vista que o Atlético não jogou com três zagueiros para se defender melhor, mas sim para atacar melhor. Da mesma forma, não ter os ditos volantes de ofício não significa defender pior. É bem verdade que poderíamos citar momentos em que os meias do Caxias receberam a bola no espaço entrelinhas (aos 16 e 30 minutos do primeiro tempo, por exemplo), mas nada que nos afaste da ideia de que defender, por assim dizer, é fazer campo pequeno. Atacar é fazer campo grande. Tudo isso se faz com o cérebro.
  7. É claro que há situações que ainda nos são duvidosas, tais como a recomposição de Guilherme e Nikão no momento defensivo, como bem observado pelo colega Caio Gondo no Twitter. Eu acrescento, por ora, uma maior possibilidade de contribuição de Ribamar no momento ofensivo, criando mais linhas de passe pelo corredor central, no último terço do campo. Ainda sobre Ribamar, repare que os gols perdidos por ele, já nos minutos finais de jogo, denotam não apenas o flerte com a fadiga física, como também com o esgotamento mental. Ontem mesmo eu assistia a um vídeo do colega Leandro Zago sobre a importância da recuperação cognitiva dentro do microciclo semanal, e me lembrei exatamente desta fala quando Ribamar, exausto, mal consegue finalizar após uma rápida transição iniciada por Bergson. O corpo fala.
  8. Paulo André é um jogador acima da média fora do campo e, no jogo, apenas transfere a sua inteligência. Repare em um movimento feito por ele aos 23 minutos do primeiro tempo. Sabendo que o portador da bola não tem opções acessíveis, ele mesmo se apresenta, como um volante, e permite a limpa circulação da bola no campo ofensivo. Jogadores não tem uma posição. Jogadores estão em uma posição, em um dado momento, fazendo uma dada função. Mas, no instante seguinte, tudo muda. Talvez seja a tradução desta ideia, no jogo, que diferencie os bons dos ótimos.
  9. Pouco sabia sobre o trabalho de Luiz Carlos Winck no Caxias. Após o jogo de ontem, quero saber mais. A sensação é de um time muito bem treinado, que ousou propor o jogo contra uma equipe que sabidamente o faria, correu os devidos riscos e foi merecidamente reconhecida, assim que o jogo terminou. Cleiton, Rafael Gava, Diego Miranda e Nicolas me chamaram a atenção - para ficar apenas nos quatro. Há bom futebol longe dos grandes centros, basta procurar.
  10. Do Atlético, me parece prudente conciliar a expectativa pelo devir com alguma cautela. Não nos esqueçamos que este trabalho não quer reinventar a roda. O desejo, na sua essência, é por um futebol simples. O problema é que o simples é muito difícil, como nos lembrou Johan Cruyff. Enquanto isso, vamos desfrutar.

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Hudson Martins
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Filosofia e Futebol. Ciências do Esporte, Unicamp.