O Livro das Perguntas

Uma ferramenta que pode ser usada em conjunto com o diário mágico no processo de autoconhecimento

Soror S.872
Imprimatur
8 min readMar 19, 2022

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Walli Artworks — Planets Balloons

Por que o céu é azul? Como os peixes respiram debaixo d’água? Como as estrelas ficam penduradas no céu? Do que são feitas as sombras?

Essas são apenas algumas das infinitas perguntas que permeiam a infância, uma época marcada por intensa curiosidade e maravilhamento com o mundo que nos rodeia. Tudo é descoberta! Tudo é novo! Tudo aguça a percepção! Quando crianças, não somos indiferentes ao mistério da vida, temos o olhar desperto e, mais importante, não temos medo das respostas. Simplesmente queremos conhecer tudo que for possível, nem que para isso precisemos enlouquecer nossos familiares com perguntas difíceis. O motivo desse volume de questionamentos é que as crianças estão se descobrindo enquanto indivíduos e também membros de uma sociedade e de um universo que vai além delas mesmas. Cada pergunta estimula uma jornada imaginativa capaz de levá-las a mundos incríveis! Elas não perguntam para julgar, mas sim para tentar compreender.

Então crescemos, nosso olhar se reveste de pré-conceitos, se acostuma com a paisagem e deixa de reparar nos pequenos (e até mesmo nos grandes) detalhes! Por uma necessidade de competir, por insegurança, vergonha ou qualquer outra razão, procuramos ocultar o que desconhecemos e passamos a valorizar respostas prontas, ao alcance de um clique. O importante é gabaritar a prova, gabaritar a vida, ligar o piloto automático que nos leve mais rapidamente ao ideal de pessoa bem sucedida vendido por aí. E nesse ritmo, as perguntas que nos levarão justamente até nós mesmos vão ficando para trás, enterradas por camadas e mais camadas de poeira e dos dejetos do dia-a-dia. Na maioria das vezes, o peso da rotina desconecta o pensar do sentir, o sentir do agir.

Este texto é uma reflexão sobre o poder das perguntas e como elas podem auxiliar nosso crescimento durante toda a vida, e não apenas na infância. Desejo que, no final, cada pessoa que ler essas palavras possa sacudir a poeira e mergulhar para dentro de si mesma com perguntas!

O Desafio

Quando aceitei o desafio de escrever sobre O Livro das Perguntas não podia imaginar como seria difícil! Passei dias tentando encontrar formas interessantes de começar a explicar essa ferramenta que se tornou tão importante em minha probação, mas nada parecia adequado ou envolvente o suficiente. Eu, que sempre amei escrever, passava por um período de intenso bloqueio criativo que já começava a me angustiar.

Até que, numa noite qualquer, resolvi tirar uma carta do Tarô de Thoth sem nenhuma pretensão. Simplesmente me concentrei em puxar a lâmina cuja mensagem fosse mais adequada para o momento. Foi então que o Atu XIV me salvou! A Arte, posicionada com seu manto de arco-íris na frente de um disco solar onde se lê a inscrição: “Visita interiora terrae rectificando invenies occultum lapidem”. A solução universal — “Visita o interior da terra e, retificando, encontrarás a pedra oculta”.

Atu XIV — A Arte

Subitamente, tive consciência que O Livro das Perguntas, juntamente com o Diário Mágico, é uma ferramenta com a qual tenho realizado as primeiras “escavações” em busca da pedra oculta no interior do meu próprio ser, e com este artigo pretendo mostrar um pouquinho dessa aventura, o que já encontrei pelo caminho e como utilizar essa colherzinha mágica para buscar seus próprios tesouros!

Observando o terreno

Ao longo do meu período como Probacionista, a escrita do diário mágico passou a adquirir personalidade e acontecer de forma bastante natural, como uma conversa comigo mesma. A voz na minha cabeça aos poucos foi povoando as páginas dos meus registros e, com isso, inúmeras perguntas que existiam apenas mentalmente ganharam forma em suas linhas.

Acontece que eu apenas fazia os questionamentos, registrava e fim. Por esquecimento e também displicência, acabava não retornando ao diário para refletir sobre aquelas questões e ao menos tentar encontrar respostas. Algumas perguntas feitas por meu instrutor também caíam naquele limbo que, desconfio, bem podia ser uma forma inconsciente de não precisar lidar com o incômodo que algumas provocações causavam.

Então, durante uma conversa em que fui sabatinada com muitas perguntas de uma só vez e constatei como vinha falhando em encontrar as respostas, me foi sugerida a criação de um “livro das perguntas” — que basicamente é um compilado das perguntas que vão surgindo ao longo do caminho. A ideia me agradou e assim foi feito! Criei um arquivo de texto no próprio celular e comecei a vasculhar meus diários em busca de perguntas sem resposta, que aos poucos fui adicionando ao livro.

Em relação ao formato, não existem regras. Uma caderneta, seu próprio e-mail, aplicativos ou documentos de texto, qualquer local onde seja possível anotar as perguntas/respostas no momento em que elas surgem é suficiente. Apenas recomendo que seja de fácil acesso a qualquer momento do seu dia pois, acredite, uma epifania pode acontecer quando você menos espera e anotar o mais rápido possível é essencial para preservar seu conteúdo o mais detalhadamente possível.

Definindo sítios promissores

E que tipo de perguntas vale a pena colocar no livro? Essa é uma pergunta difícil. Num primeiro momento, me parece que as mais proveitosas são aquelas cujas respostas são mais desafiadoras, mas nem sempre. Às vezes uma pergunta aparentemente banal que imaginamos possuir uma resposta óbvia pode despontar um fio reflexivo que, quando puxado, vai se desfiando em revelações muito interessantes sobre nós mesmos.

Ao longo da experiência, perguntas vão surgir das formas mais variadas! A leitura de um livro, conversas, filmes, reflexões, situações, comportamentos (nossos e de outras pessoas), enfim… São muitas as oportunidades de nos questionarmos. O importante é não ter preguiça de anotá-las no livro e, principalmente, ser sincero consigo mesmo nas respostas. Mesmo que você decida compartilhar o livro com alguém, lembre-se que as respostas são para você. Toda falta de sinceridade será um auto-engano, e o objetivo da prática é justamente o oposto de se auto-enganar — isso já fazemos bastante no piloto automático -, o objetivo é se autoconhecer!

Com o tempo, é possível perceber que algumas questões são mais “espinhosas” e deliberadamente ignoradas. São aquelas que mais nos desafiam, aquelas cujas respostas demandam reflexões que muitas vezes ainda não estamos preparados para encarar. Algo que funciona bem para mim nesse caso é tentar não me cobrar excessivamente. Então, pelo menos uma vez ao dia abro o livro, leio todas as perguntas e procuro sentir se chegou o momento de responder alguma, mas faço isso de coração aberto e com tranquilidade. Às vezes passo dias, semanas sem responder nada, às vezes respondo mais de uma num curto intervalo, mas quase nunca mais de uma por dia. A digestão não é rápida e demanda energia!

Por outro lado, existem perguntas cujas respostas vêm com uma facilidade tremenda! Elas despertam fluxos de consciência que, na minha experiência, servem muito bem para organizar ideias a respeito de algo ou algum aspecto de minha natureza que eu já conhecia superficialmente, mas nunca havia lapidado analisando seus mecanismos, motivações e consequências.

Geralmente, quanto mais aberta a pergunta, maior o campo a ser explorado, pois esse tipo de questão demanda análises mais profundas e respostas longas, dissertativas. Por exemplo:

O que é e por que sinto necessidade de uma “organização interna”?

Esta é uma pergunta que está em meu livro, demorou para ser respondida e sua resposta é um texto onde abordo até mesmo questões astrológicas! Isso não significa, no entanto, que perguntas fechadas — do tipo que respondemos “sim” ou “não” — não devam ser incluídas no livro! Quem nunca disse “sim” quando na verdade queria dizer “não”? Perguntas fechadas também têm valor na medida em que exigem posicionamentos diretos e objetivos. São um ótimo exercício de assertividade! Como exemplo, cito a seguinte pergunta feita por meu instrutor:

“Não é uma puta vantagem passar essa vida com plena ciência e controle de tudo que você é?”

Minha resposta foi, simplesmente, SIM. Assim mesmo, em caixa alta!

Falando nisso, existe uma outra categoria de perguntas valiosas: as perguntas-chave. São aquelas feitas “sob medida” por alguém externo a partir de traços, reflexões e elementos de nós mesmos. Essas perguntas, quando feitas com sensibilidade e visando o enriquecimento do outro, promovem as mais desconhecidas e poderosas reflexões, não raro após nos deixarem por alguns momentos (ou dias) sem palavras. No meu caso e no contexto em que utilizo o Livro das Perguntas, geralmente essas perguntas são aquelas trazidas pelo instrutor a partir dos registros em meus diários.

Organizando a bagunça

Aos poucos, meu Livro das Perguntas ganhou seções onde as perguntas são separadas por temas para facilitar a organização. A primeira seção é onde ficam as perguntas que eu mesma me fiz, a segunda é reservada para as perguntas que meu Instrutor na A.’.A.’.propõe, depois existe uma seção onde ficam dúvidas que surgiram após a leitura do Livro da Lei separadas por capítulos e, por fim, uma série de questões sugeridas em Liber Zelotes, do Frater Alion, para Probacionistas.

Essas seções não são fixas, assim como as perguntas, que frequentemente ganham “atualizações” conforme meu raciocínio a respeito delas se modifica. O Livro das Perguntas é vivo! Algo que gosto de fazer é incluir a data de cada resposta e suas respectivas atualizações, pois isso me permite ter ideia de quanto tempo levou a “maturação” de determinada reflexão. E este é outro ponto precioso na prática do Livro das Perguntas: as respostas não são fins em si mesmas. Por muitas vezes, após responder alguma questão, fiquei pensando no assunto por longos períodos, dias matutando sobre aquilo para, em determinado momento, decidir que aquela resposta precisava de um complemento.

Também costumo numerar as perguntas, mas isso não tem nenhum motivo especial além de praticidade.

Encontrando os tesouros

Imagino que daqui alguns anos quando reler o livro, provavelmente ficarei surpresa com algumas respostas! A cada dia sou uma pessoa diferente e com isso minha visão a respeito do mundo, das outras pessoas e de mim mesma se modifica. Sem o Livro das Perguntas eu teria uma vaga ideia de como pensava a Fernanda do passado, principalmente porque minha memória não é das melhores! Agora, a cada anotação, crio um registro arqueológico para que a Fernanda do futuro possa se observar com clareza e ter um panorama completo de seu desenvolvimento — tudo isso em conjunto com a escrita do Diário Mágico. Para mim, hoje, a escrita do Diário e do Livro das Perguntas são complementares e igualmente importantes.

Mais do que uma ferramenta de autoconhecimento, o Livro das Perguntas é um convite para visitarmos nossa criança interior e resgatarmos a capacidade de perguntar. Um convite à brincadeira de juntar as pecinhas do imenso quebra-cabeça que compõe nossa individualidade. Fazer as perguntas certas tem o poder de transformar a nós mesmos e o mundo que nos rodeia, elas nos expandem, nos colocam em movimento e nos instigam a ver além do que estamos acostumados!

O meu Livro das Perguntas ainda tem mais dúvidas do que certezas, e provavelmente será assim para sempre, pois a cada questão respondida surgem outras tantas indagações. Que bom! Perguntar é uma arte, a arte de encontrar a pedra oculta. Toda criança saudável ama fazer arte!

“Começo a conhecer-me. Não existo.

Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,

Ou metade desse intervalo, porque também há vida…

Sou isso, enfim…

Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.

Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.

É um universo barato.”

[Começo a conhecer-me. Não existo. Poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa]

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Soror S.872
Imprimatur

“Beleza e força, riso pulante e langor delicioso, força e fogo, são de nós.”