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O que meu cachorro me ensinou sobre Iniciação?

Soror S.872
Imprimatur
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15 min readFeb 13, 2024

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O ano era 2022.

Havia acabado de me mudar com minha família (o que já incluía dois gatos) para um apartamento antigo e, sem mais nem menos, decidi que seria uma boa ideia ter um cachorro. Mas não era qualquer cachorro, tinha que ser um pitbull!

E por que um pitbull? Porque eu já havia tido contato com a raça. Porque acho o "design" da raça perfeito. Porque, a despeito de todo o preconceito, é uma raça leal e amorosa.

Eu sabia que pitbulls têm uma necessidade enorme de exercícios e disciplina pois possuem muita energia — que precisa ser extravasada para o bem de sua saúde física e mental — e acreditei que organizando a rotina conseguiríamos atender à demanda.

Então, fui em busca de um filhote e encontrei uma linda rednose que conquistou nossos corações e foi a escolhida. Batizamos ela com o nome da deusa da Terra, aquela que nasceu do Caos e, no entanto, organizou e harmonizou o Cosmos: Gaia!

Gaia, alguns dias depois de chegar.

Pois bem, nessa aventura de criar uma pitbull de apartamento acabei aprendendo algumas coisas que acabaram sendo um paralelo para minha iniciação, e neste texto vou compartilhar um pouco desse aprendizado.

As coisas que trato aqui se aplicam ao período em que eu era Probacionista e são percepções individuais adquiridas ao longo do processo em conjunto com as trocas realizadas e orientações recebidas de meu Instrutor.

É comum vermos na mídia, geralmente de forma rasa e sensacionalista, notícias de pitbulls atacando o próprio dono ou alguém desconhecido "do nada".

A verdade é que nenhum cachorro ataca sem mais nem menos. Eles sempre dão sinais de que, mais cedo ou mais tarde, um ataque pode acontecer e, além desses sinais — que são comportamentais e podem ser observados ao longo da convivência com o cão — existe toda uma linguagem corporal que ocorre momentos antes do ataque, indicando sua iminência.

Pitbulls possuem temperamento naturalmente dominante, são obstinados e muito fortes. Esse combo pode se tornar uma bomba relógio caso eles não recebam treinamento adequado. Em suma, pitbulls não são para iniciantes. Definitivamente, não é uma raça recomendada para pessoas que nunca tiveram experiência anterior com cães.

Os acidentes acontecem por inúmeras razões, e elas sempre vão esbarrar em manejo inadequado — alimentação insuficiente, viver acorrentado, isolamento social, violência — e falta de liderança e/ou disciplina. Isto quer dizer que, mesmo que o pitbull tenha uma vida "de rei", se ele estiver num contexto onde possa manifestar dominância, poderá atacar.

Cães precisam de um líder e, caso você ou alguma outra pessoa da família não cumpra esse papel, o próprio cão assumirá o posto e isso é um baita problema!

Dito isto, conclui-se que o adestramento é um dos fatores essenciais para que o cachorro se torne equilibrado e saiba qual é sua posição na coletividade em que vive, respeitando a hierarquia.

No paralelo com a iniciação, é possível dizer que enquanto não possuo conhecimento científico a respeito da natureza e dos poderes do meu próprio ser, o "cão" assume a liderança. Sou como o tutor inexperiente, que não conhece as características da raça (no caso, eu mesma) e dessa forma não sabe nem por onde começar a obter controle daquele conjunto de atributos.

O "cão" é aquela parte de nós mesmos que age por puro instinto e rosna quando a satisfação de algum impulso é ameaçada, interrompida ou questionada. Isso não significa que satisfazer impulsos seja essencialmente ruim. Satisfazê-los pode, inclusive, ser necessário ao pleno desenvolvimento, a questão que faz toda a diferença é quem está no comando do tal impulso, cuidando para que ele não se torne algo destrutivo.

Usando como exemplo uma situação pessoal e sem me aprofundar demais, certa vez fui orientada por uma psicóloga a praticar esportes radicais para extravasar uma "raiva interior" que me consome de forma inconsciente. A origem dessa raiva remete a experiências pregressas e, quando esse sentimento, geralmente reprimido, se manifesta sem controle, resulta em brigas, discussões e até mesmo em uma alergia que acomete minhas mãos em situações muito específicas. Reconhecer esses processos ajuda a lidar com eles e ressignificá-los.

No caso dos cachorros, a organização da matilha não é realizada por meio de status, mas sim de cooperação. Geralmente os de temperamento mais forte acabam assumindo uma posição de destaque, porém as dinâmicas de dominância são adaptáveis e um cão que é dominante em determinada situação pode se tornar submisso em outra.

O mesmo pode acontecer entre o ego e nosso Sagrado Anjo Guardião!

A relação ideal entre ambos não implica que o ego seja suprimido, afinal de contas é ele quem regula nossa relação com o meio em que vivemos e interpreta a realidade, as emoções e percepções que nos chegam. Ele é a "ponte" entre a energia libidinal e a porção moral que existe em todos nós, o núcleo da personalidade.

Tal como um cão tratado com violência — que não respeita o tutor, faz tudo errado quando não tem ninguém olhando e pode se tornar agressivo — um ego reprimido será o estopim de diversos problemas.

Ocorre que quando o ego está mal disciplinado ele tenta tomar o controle, se frustra por não aceitar que precisa se submeter, e quando isso acontece é bagunça na certa! Já o ego bem "adestrado" estabelece uma relação de cooperação com o Sagrado Anjo Guardião, que nos fim das contas sempre foi/é o membro dominante da nossa "matilha interior".

Gaia e eu em uma de nossas tardes preguiçosas

Considero que no caminho iniciático a fase de "adestramento" do ego começa de fato no grau de Neófito, cuja Grande Obra é obter o controle da própria natureza e poderes. No entanto, o grau de Probacionista proporciona oportunidades de se exercitar algo que será de grande valia no grau seguinte: a rotina, e sobre isso também aprendi muito com minha cachorra.

Seguir uma rotina é a principal forma de estabelecer uma conexão forte entre o cão e seu tutor. Além disso, ao entender que cada coisa tem seu momento, os cachorros desenvolvem equilíbrio emocional e a probabilidade de desenvolverem algum transtorno devido ao estresse e ansiedade é muito menor. Ter uma rotina é parte importante do treinamento de qualquer cão, e envolve constância e persistência por parte do tutor.

Quando a Gaia chegou em nossas vidas, uma nova rotina se estabeleceu. Ela precisava aprender onde fazer suas necessidades, como se portar nos passeios, quais eram seus brinquedos, o que não era permitido roer, como se comportar com visitas e uma série de outras coisas cujo aprendizado só foi possível por meio de repetições.

Como Probacionista, para além da dedicação a práticas que nos pareçam agradáveis e que por si mesmas exigem constância, é de extrema importância que se mantenha um diário onde serão anotadas não apenas as práticas e seus resultados, mas também fatos do dia a dia, como reagimos a eles, insights, reflexões... Tudo que possa oferecer pistas a respeito de qual é nossa natureza e poderes. Um diário escrito com constância e persistência, rotineiramente, nos ajuda a identificar e prever padrões de comportamento, reconhecer pontos fortes e fracos e muitas outras coisas úteis.

Confesso que ainda tenho dificuldade para seguir rotinas necessárias ao meu desenvolvimento — sou tão teimosa quanto um pitbull — mas com certeza a convivência com a Gaia me fez evoluir nesse sentido. A vida moderna costuma ser tão repleta de responsabilidades e afazeres que, caso não exista um período de tempo reservado exclusivamente para atividades do grau, acredito que seja muito complicado avançar.

Na primeira das Oito Palestras Sobre Yoga, é dito:

"Deveria haver – precisa haver – uma rotina definida de atos calculados para lembrar o estudante da Grande Obra".

Já na quarta palestra, que trata sobre Asana e Pranayama, encontramos o seguinte:

"Se queremos paz em Dartmoor, não abrimos as portas da prisão. O que fazemos é estabelecer rotina. O que é rotina? Rotina é ritmo".

É certo que a palavra rotina pode gerar algum incômodo, remetendo a algo entediante e monótono que fazemos de forma automática. Nesse caso, é possível substituir o termo por disciplina, que é a determinação para traçar e colocar em prática metas que nos ajudam a alcançar nossos objetivos sem se perder no meio do caminho.

Ao criar um ritmo de práticas e estudos com uma rotina bem definida e disciplina suficiente para segui-la, é possível organizar o dia de forma que ele comporte as atividades iniciáticas até que se tornem um hábito. Isso faz com que o processo seja não apenas um conjunto de atividades que cumprimos por obrigação em momentos específicos, mas sim uma parte indispensável de quem somos.

Certa vez, quando ainda era um filhote, Gaia conseguiu acessar o pacote de ração sem que percebêssemos e se empanturrou de tanto comer! Quando voltou da comilança, estava com o abdômen inchado e mal conseguia caminhar. Ela deitou em sua cama e gemia tentando em vão encontrar uma posição confortável.

Fiquei assustada pois numa situação como essa existe o risco do animal sofrer uma torção gástrica que pode ser fatal. Felizmente, a única consequência da travessura foi uma área repleta de cocô no dia seguinte!

A síntese do episódio é que nossa cachorrinha afoita comeu mais do que era necessário de uma só vez e não conseguiu lidar com o excesso de comida em seu organismo. Aquilo que a princípio servia como combustível para que ela pudesse brincar, correr e se desenvolver tornou-se um peso que prejudicou sua mobilidade.

Oras, e não é que faço exatamente o mesmo?

Sempre fui uma pessoa dos livros. Desde muito pequena ler é a coisa favorita da minha vida e considero que esse traço de minha natureza foi fundamental para que eu seguisse os caminhos que me levaram em direção à iniciação.

Pequena eu e o amor por gibis (e canetas) mesmo antes de aprender a ler

No entanto, o gosto pela leitura me coloca diante de um banquete de informações, técnicas, métodos e teorias dos quais quero me empanturrar a fim de saciar minha fome de razão. Abastecer a mente é prazeroso. Me sinto repleta de conhecimento, abastecida de conceitos e argumentos, porém sem a leveza necessária para confiar em minha própria intuição ou simplesmente me deixar levar por alguma brincadeira associativa livre. O excesso de teoria, no meu caso, tornou a prática mais difícil e pesada por conta da necessidade constante de uma base sólida na qual me apoiar, com receio de me tornar uma "jovem mística" praticante de uma espiritualidade vazia. Isso de certa forma me afastou da experimentação sem expectativas, do aspecto lúdico da coisa toda.

Acredito que a figura que melhor exemplifica essa qualidade de leveza proveniente da ausência de racionalização excessiva seja o ATU 0 do tarô, O Louco — aquele que está dando o primeiro passo de sua jornada iniciática sem pensar muito no que vai encontrar à frente justamente porque ele está vazio de pré-conceitos. Sua sacola é pequena demais para carregar uma pilha pesada de livros. O que protege e guia O Louco nessa fase não está fundamentado na razão, mas sim na parte instintiva de seu ser, auspiciosamente representada como um cão em alguns baralhos.

O Louco — Tarot Rider-Waite

A ausência de certezas nos coloca num campo de abertura e espaço muito propício ao desenvolvimento saudável.

Conforme o tempo passava, Gaia crescia, crescia e, quando menos esperávamos, já pesava cerca de 32kg de pura energia e músculos! Seu comportamento também se modificou um pouco, refletindo o amadurecimento de sua personalidade. Uma cachorrinha muito amorosa que precisava de cada vez mais estímulos e exercícios para se manter saudável e equilibrada.

Quando ela tinha 1 ano e 4 meses, dei à luz uma bebezinha e assim nos tornamos uma família de quatro pessoas, dois gatos e uma pitbull. Dentro de um apartamento.

Eu e meu marido não temos rede de apoio em São Paulo e com a chegada da bebê nossa rotina mudou drasticamente. Além disso, havia outras questões familiares que exigiam atenção. O espaço da casa ficou pequeno para as necessidades da Gaia e da bebê recém chegada, assim como a disponibilidade de tempo para passeios e brincadeiras.

Um mal estar se instalou em nossas vidas, pois ao mesmo tempo que queríamos manter Gaia conosco, sabíamos que aquela não era a situação ideal. Então o pensamento de procurar uma família que pudesse oferecer tudo que ela merecia começou a surgir com cada vez mais frequência.

Quando finalmente tomamos a decisão, nos comprometemos em encontrar um lar seguro e tutores responsáveis, o que felizmente aconteceu e, no fim das contas, Gaia se tornou vizinha de seu irmão de sangue, Odin, tão amistoso quanto ela! Continuamos acompanhando suas aventuras e sempre que bate a saudade entramos em contato com sua nova tutora para receber notícias. Agora, Gaia não apenas tem espaço para correr, mas também tem um irmão com quem consegue brincar e compartilhar momentos felizes!

Gaia já com a nova família

Não vou entrar em detalhes sobre todo o processo de mudança para não alongar demais este relato, mas fato é que Gaia foi uma exceção com final feliz, pois muitos pitbulls são doados/abandonados sem responsabilidade alguma.

Enquanto escrevia este texto, senti medo de ser julgada pela doação da Gaia. No entanto, se tenho certeza que tudo foi feito com respeito, amor e segurança, por que temer? O julgamento alheio tem tanto poder sobre mim, a ponto de impedir minhas ações? Isso me levou a refletir sobre quantas vezes me senti insegura e temerosa da opinião de outras pessoas. Quantas vezes deixei de fazer o que precisava/queria por conta desse medo? Quantas vezes traí minha própria vontade para agradar outras pessoas? Enquanto praticante da filosofia de Thelema, faz sentido me colocar nesta posição? Sobre isso, Liber Librae traz uma excelente lição:

"(...) não tema nem homem e nem espírito. Medo é o fracasso, e o precursor do fracasso: e coragem é o princípio da virtude."

Bem como Liber Legis, no capítulo III, versículo 17:

"De todo não temais; não temais nem homens nem Destinos, nem deuses, nem coisa alguma. Dinheiro não temais, nem risada da tolice do povo, nem qualquer outro poder no céu ou sobre a terra ou debaixo da terra. Nu é vosso refúgio como Hadit vossa luz; e Eu sou a potência, força, vigor, de vossas armas."

Levando em consideração a infinita diversidade de crenças e opiniões existentes, acredito que tomar decisões sempre será um ato de coragem em algum nível. Sustentar os próprios atos com sinceridade e paz no coração também. É praticamente impossível conhecer e controlar nossa própria natureza e poderes quando nos deixamos conduzir quase completamente por aquilo que o mundo espera de nós. Autoconhecimento e autocontrole exigem uma boa dose de autenticidade.

Ainda que não exista um trabalho iniciático acontecendo, ao longo da vida é possível identificar diversas pistas que indicam a substância do nosso ser. Como Probacionista, uma das primeiras coisas que reconheci como sendo parte de minha Natureza foi o já mencionado gosto pela leitura, atividade que realizo de forma espontânea e prazerosa desde a mais tenra idade. Também pude identificar uma tendência natural à teimosia presente desde a infância. Ambos não ocorrem, por exemplo, em minha irmã, com a qual tenho pouca diferença de idade e compartilho a mesma criação.

Me parece que, dentre tudo que compõe a personalidade, podemos encontrar nossa Natureza naquelas coisas que ocorrem com maior naturalidade desde que "nos entendemos por gente". Comportamentos tão comuns que quase não damos conta, independente de julgamentos do quão bons ou ruins sejam eles.

Conforme progredimos e uma vez conhecida nossa natureza e poderes, é necessário que haja espaço suficiente e ferramentas adequadas para que a natureza possa ser extravasada e os poderes possam ser utilizados, caso essa seja a vontade do aspirante. Quando menciono espaço, me refiro aqui às condições materiais e psicológicas que possibilitam ou impedem, facilitam ou dificultam a manifestação desses aspectos, de acordo com o destino herdado por cada um.

No caso da Gaia, sua Natureza brincalhona, expansiva e ativa estava sendo reprimida pela falta de espaço e atividades adequadas, gerando uma série de consequências tais como melancolia, excesso de carência e comportamentos destrutivos.

Ao ser fiel à minha decisão com amor e consciência, tive coragem de fazer o melhor pela vida da Gaia. Dessa forma, podendo dar vazão à sua natureza, ela pôde cada vez mais desenvolver poderes próprios de seu porte e raça, fortalecer seus músculos potentes com passeios constantes, brincar de pega-pega e cabo de guerra, dar e receber amor de forma irrestrita. Gaia teve a chance de florescer em sua plenitude!

Ela fica ainda mais linda iluminada pelo Sol

Na experiência humana, inúmeros são os apartamentos que nos sufocam. Inúmeras são as rotinas que não comportam as necessidades mais caras à nossa individualidade. Acredito que o mundo moderno contribui ativamente na repressão da Natureza e falta de estímulo ao desenvolvimento dos Poderes individuais na medida em que longas jornadas de trabalho, pressão constante por produtividade, necessidade de dinheiro, estímulo ostensivo ao consumo e o crescente vício em eletrônicos/redes sociais consomem não apenas tempo, mas também energia e capacidade de manter uma linha de raciocínio maior do que o tempo de duração de um vídeo curto.

Além disso, o sistema educacional antiquado limita a criatividade e, ao invés de reforçar os pontos fortes e aptidões naturais de cada criança, busca enquadrar todas num programa formal maçante que visa tão somente a formação de mão de obra rápida e barata.

"(...) é melhor agir excitando e satisfazendo qualquer Curiosidade natural do que forçar Aplicação a Tarefas padronizadas, por mais óbvia que pareça a Necessidade disto."

[Liber Aleph - 40. De Voluntate Juvenum]

Ao refletir sobre este ponto, me vi prestes a afirmar que o próprio indivíduo levanta as paredes que o limitam. De fato creio que em algum nível isso acontece. Porém é inegável que, enquanto animais sociais (assim como os cães), o modelo de sociedade em que vivemos nos atravessa a todo momento, tendo papel fundamental no forma como atuamos — inclusive naquilo que nos boicota/adoece. Não à toa, a depressão é um dos principais males que acometem a população mundial atualmente.

O processo iniciático me mostra, dia após dia, que por meio de seus métodos e com dedicação é possível, gradualmente, empreender uma viagem que nos levará finalmente ao conhecimento de quem somos e qual é nosso papel no mundo. No entanto, acho apropriado pontuar que ter as necessidades básicas atendidas — alimentação adequada, educação, saúde, moradia, etc — facilita bastante.

“(...) e que a cada um sobre após seu Trabalho, Lazer e Energia, de forma que, sua Vontade de Auto-Preservação estando satisfeita por sua Execução de sua Função no Estado, ele possa devotar o Restante de seus Poderes à Satisfação das outras Partes de sua Vontade."

[Liber Aleph - 39. De Fundamentis Civitatis]

É muito mais fácil identificar a natureza e os poderes de um cão do que de humanos repletos de contradições e complexidades. Porém, dentro da complexidade de quem sou, conviver com a simplicidade da Gaia e vivenciar a dinâmica de seus últimos meses conosco me mostrou como ainda sou refém, muitas vezes, de decisões precipitadas — como quando decidi criar um pitbull em um apartamento sem ter estrutura para tal. Me mostrou a importância de reconhecer o que me motiva e que, geralmente, quando sou impulsiva, é porque estou respondendo a um condicionamento, fugindo ou tentando suprir alguma carência de meu próprio ser.

Também aprendi sobre a importância de soltar. De reconhecer que a despeito de todo o trabalho de auto observação empenhado na iniciação, o controle pretendido diz respeito apenas a mim mesma e jamais sobre a natureza de outros seres. Aqui também cabe uma lição sobre o amor, que não raro ao invés de libertar se torna mais um grilhão. Manter Gaia num ambiente inadequado apenas para satisfazer meu apego seria um ato de egoísmo. Restringir aqueles que amamos sempre é um ato de egoísmo, é uma violência — e confesso que ainda tenho muito a aprender e exercitar a esse respeito.

Acredito que este foi um dos textos mais difíceis que já escrevi. Demorei meses para concluí-lo e ainda assim me vejo às voltas com um sentimento de incompletude. Talvez porque seja impossível descrever em palavras tudo que a passagem da Gaia representou não apenas em minha vida, mas também na vida de toda a minha família. Talvez porque muito do que ela ensinou ainda não foi totalmente apreendido conscientemente.

Registro feito na última tarde que passamos juntas

Assim como O Louco, o início da minha caminhada foi — literalmente — acompanhada por um cão, pois Gaia esteve ao meu lado durante a maior parte do meu período de Probacionista. Sua presença foi um presente e tudo que ela ofereceu permanecerá comigo até o fim do trajeto!

"Toda-Fértil e Toda-Destruidora Gaia, Mãe de Tudo, que traz generosos frutos e flores, Toda variedade, Donzela que ancora no mundo eterno sozinha, Imortal, Abençoada, coroada com toda a graça, Profundo florescer da Terra, doces planícies e campos, gramas aromáticas nas chuvas que nutrem. Em torno de ti voam as belas estrelas, eternas e divinas; Venha, Abençoada Deusa, e ouça as preces de Teus Filhos, faça os frutos e grãos crescerem em teu constante cuidado, e que com as estações férteis tuas criadas se aproximem e abençoem teus suplicantes."

[Hino Órfico a Gaia]

Para conhecer e acompanhar o dia a dia da Gaia, visite a página dela no Instagram: Querida Pitbull

Referências:

  • Livro e método Adestramento por Instinto, de Fernando Lima. Instagram: Matilha do Bem
  • YouTube: vídeos sobre Teoria da Personalidade no canal Saulo Durso.

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Soror S.872
Imprimatur

“Beleza e força, riso pulante e langor delicioso, força e fogo, são de nós.”