Thelemitas sentem medo?

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4 min readDec 29, 2023
Peter Paul Rubens (1577–1640). As Consequências da Guerra (1637–38), óleo sobre tela, 206 x 342 cm, Palazzo Pitti, Florença, Itália. Wikimedia Commons.

O medo é uma sensação extremamente peculiar. Na percepção comum, entendemos que a emoção normalmente se desenvolve como resposta a uma ameaça — a neurociência, na qual esta escritora não adentrará muito, explica a correlação dos sinais emitidos pela amígdala, a recepção pelo hipotálamo e o papel dos neurotransmissores nesse processo. No entanto, a intenção ao abordar este assunto é precisamente elevar uma maior consciência dentro do trabalho mágico, especialmente num contexto onde tendemos a subestimar o papel da ciência em nossas práticas ou a superestimá-la às custas de aspectos intuitivos e espirituais.

Primeiramente, me permitam falar sobre (e recomendar) este livro fantástico, chamado “Spellbound”, escrito por Daniel Z. Liberman. Neste, ele destaca como a união da espiritualidade com a ciência serve como uma verdadeira chave para explorar o inconsciente. Traz a extrema necessidade de reunir ambas, onde nem uma nem outra se sobrepõem, mas se encontram num propósito único. Essa proposição nos remete à ordem ocultista Astrum Argentum, onde o objetivo é desenvolver “gênios” que, entre outras características, alcançam domínio sobre a mente inconsciente. Outrossim, o lema da ordem é “o método da ciência, o objetivo da religião”; daí, é importante ter em mente que o método científico pode ser um grande aliado na compreensão de nossas emoções, sensações físicas e percepções (como o medo) que frequentemente se tornam obstáculos em nossa jornada. Nesse sentido, adquirir conhecimento é crucial para que possamos pegar as pedras em nosso caminho e transformá-las em tijolos para a Grande Obra.

Avançando, neste breve artigo exploraremos aspectos filosóficos e esotéricos do medo e como observá-lo, considerando e respeitando as sensações fisiológicas, em grande parte incontroláveis para a maioria de nós, a fim de gradualmente aproveitar essa energia para a realização do Trabalho.

Primeiramente, vamos mergulhar um pouquinho na mitologia. Sabemos que os mitos sempre desempenharam um papel crucial em explicar não apenas a cultura de um povo específico, mas como também podem ser utilizados para falar sobre o inconsciente. Como Joseph Campbell disse uma vez em seu livro “O Poder dos Mitos” (1991), os mitos são sonhos públicos.

Na tradição mitológica grega, é contado que Afrodite, a deusa do amor, sexo e beleza, se apaixonou profundamente por Ares, o deus da guerra e violência. Seu romance era proibido, mas eles tiveram filhos, entre os quais estavam “Phobos” e “Deimos” (significando, respectivamente, “medo” e “terror”), que frequentemente acompanhavam Ares em batalhas. É intrigante considerar como o mito preserva a correlação entre beleza e força e como o medo emerge desse espaço em específico ao invés de outro.

“Phobos” (Φόβος) é também a palavra grega da qual se deriva o termo “fobia” — o medo irracional facilmente testemunhado em cenários de guerra; infelizmente, uma situação que temos visto muito nos dias de hoje. Note que o valor gemátrico da palavra “Φόβος” é 842 — agora, não se preocupe, não vamos apenas queimar neurônios; é pelo amor às correspondências — que, aliás, é o mesmo valor gemátrico da palavra “χάσμα” (“chásma”), significando uma lacuna, uma abertura ou até mesmo… abismo. Os Thelemitas adoram essa palavra, não é mesmo?

Daí surge o questionamento, a provocação e o título: Thelemitas sentem medo?

Com tantos juramentos de abismo, inúmeras travessias e exploradores destemidos, a resposta imediata parece ser “não”. À primeira vista, parece muito simples deixar de lado nosso princípio biológico extremamente complexo e inerente; preferimos afirmar, para evitar machucar nosso ego, que não temos medo, que não precisamos chorar, que “todas as tristezas são apenas como sombras…” e é fácil e direto pronunciar algumas palavras e nos chamarmos de “bebês do abismo”, mesmo que não tenhamos trabalhado nossas estruturas e estejamos inconscientes do nome Daquele que nos guiaria na jornada até a Cidade das Pirâmides.

Não há problema em desconhecer e muito menos em sentir medo. Nisso, há essa sabedoria secreta quando analisamos a redução gemátrica do valor “842”, que se reduz em 14. É uma prática comum fazer correspondências com os arcanos maiores do tarô e, neste caso, se apresenta de forma sucinta que a maneira de superar o medo — a divisão — é através da Arte (Atu XIV do tarô de Thoth). A travessia do caminho de Samekh, ligando Yesod a Tiphereth na Árvore da Vida — a união, no sentido da flecha, com nosso Sagrado Anjo Guardião.

Apenas o Amor pode unir divisões, como sabemos; no entanto, superar o medo depende de um incessante trabalho alquímico.

Permitamo-nos sentir e trabalhar nossos medos como devemos: nos acolhendo e recebendo o abraço da Serpente ao redor dos nossos corações. Isso envolve não menosprezar sentimentos e sensações, mas utilizá-los como sinais a cada passo que damos.

Que Thelemitas sintam medo; mas que direcionemos nossa Vontade para conquistá-lo sob Amor.

Amor é a Lei,

Amor sob a Vontade.

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