Walkabout @ TEDxCoimbra 2012

Pedro Vicente
Improver
Published in
9 min readAug 27, 2020

Como expliquei aqui, no dia 20 de Outubro fui (com tanto orgulho, como nervosismo) orador da TEDxCoimbra.

Como muita gente me perguntou sobre o que falei, e tive alguma dificuldade em explicar e resumir, decidi partilhar aqui o texto integral base do que disse. Este texto foi o que escrevi alguns meses antes, quando preparava a apresentação, por isso está na primeira pessoa.

Foi também o texto que partilhei com a organização da TEDxCoimbra, a qual com muita coragem me deixou subir ao palco mesmo assim…

No fundo deste post deixo também os slides, que encaixam praticamente com o fluxo deste texto, excepção feita, à minha referência temporal à Filosofia vs Realidade que tentarei acrescentar aqui futuramente.

“Boa tarde, chamo-me Pedro Vicente.

Quando já tinha quase tudo pronto para esta talk, pensava como a podia introduzir.

Há algumas semanas, por coincidência jantei com algumas pessoas que não conhecia de um movimento de campos de férias para crianças (chamado Gambozinos), e sabendo elas que eu pertencia a outro movimento de campos de férias e que tinha exercido algumas posições hierárquicas lá perguntaram-me por curiosidade que posição é que eu ocupava agora… fiquei pensativo, afinal durante bastantes anos tinha sido sempre alguma coisa o que era agora?

A minha resposta, meio a rir pela constatação foi: “Sou o chato!”.

Sou aquele tipo que envia propostas, que envia perguntas, que faz com que a direcção não se acomode, e esperemos que, como isso traga ideias novas, ou o fortalecimento das antigas.

Ouso dizer que é exactamente o que vou ser hoje. Chato.

Venho mais que tudo por problemas e dúvidas e poucas ou nenhumas conclusões, quero por-vos a pensar, e não dar-vos soluções (porque também não as tenho)… eventualmente durante essa exposição vou falar-vos da experiência mais louca que já vivi…

Para começar, deixem-me voltar atrás no tempo para contextualizar…

Andamos para trás para o século 19, mais exactamente para 1859 nos Estados Unidos da América onde um senhor chamado Frederick Douglass — antigo escravo, que se tornou líder do movimento abolicionista (da escravatura) e ganhou notoriedade pela sua extraordinária oratória. Era o exemplo vivo contra os argumentos que os escravos não tinham capacidade intelectual para serem cidadãos americanos independentes.

Esse senhor deu uma palestra que tornou o seu conceito de self-made man famoso. Esse conceito, foi crescendo e engrossando as suas raízes no “American Dream” popularizado pela definição de James Truslow Adams (1931) de que um homem pode contra todas as probabilidades quebrar a sua posição e subir a chamada “escada social” [1] .

Esta mistura cresceu, associando-se a outras acabou por se espalhar pelo mundo numa espécie de “I can do attitude”. Temos uma admiração por estas pessoas, do “I can do” que geralmente estão associadas ao sucesso… porque são teimosas o suficiente para acreditarem que a ideia que têm vai ter sucesso e tentam até ter!

É algo muito visto no empreendedorismo, onde há muitas palestras sobre isto, mas também na política (Não se esqueçam que Benjamin Franklin era político p.e.), e até na educação onde se pretende que esteja em vigor uma espécie de meritocracia.

Queremos afinal que quem tem a capacidade de fazer, de empurrar o mundo nem que seja à cabeçada tenha o espaço para o fazer, e o mérito por o fazer.

Mas.. e acho que já imaginavam que vinha ai um mas…infelizmente, acho que estamos a falhar… em 3 pontos.

Sucesso

Comecemos pela educação!

Estamos a educar para o sucesso… quando o primeiro caminho para o sucesso é o falhanço.

Passo a explicar: hoje em dia felizmente já ouvimos muitas histórias de empreendedores, e já todos sabemos que para uma ideia ter sucesso provavelmente vai ouvir muitos nãos ou até falhar em 10 ideias antes. No entanto, um bom aluno, geralmente começa a sê-lo desde criança, com o empenho dos pais a incentiva-lo e continuará até se tornar autónomo provavelmente ir para a universidade e quem sabe conseguir um emprego quando acabar o curso (na minha área até é possível que seja durante). Este aluno nunca experimentou o falhanço. E ainda bem, é sinal que é um bom aluno.

No entanto não é quase conhecimento geral que para ter sucesso na “vida real” ele falhará antes?

Como lidará ele com esta frustração?

Está habituado a viver na segurança do êxito. Atenção que disse segurança do êxito propositadamente. A segurança do que temos é muito importante para nós enquanto ser humano. Embora o conceito da pirâmide de Maslow já tenha sido refutado, acho que ainda é válido apontar para o segundo degrau da pirâmide e ver lá SEGURANÇA.

Será que temos que mudar a educação para reflectir o paradigma que valorizamos?

Self-enpowerment & Segurança

O segundo ponto, é já uma reflexão mais pessoal… Identifico-me muito com “I can do”. Uma espécie de self-enpowerment, uma teimosia dos tempos modernos, que converteu o negativismo da teimosia em força…. E ainda mais porque como sou bastante teimoso, devo ser um tipo cheio de força ( :-) )

No entanto este self-empowerment pode dar azo a um “egocentrismo do mérito”.

Vivemos numa espécie de sociedade de Kant…. mas em esquizofrénico, em que só o que pensamos que sabemos que é existe…no entanto vivemos e trabalhamos em sociedade.

A atitude diz “Porque eu me esforcei, eventualmente, eu vou ganhar” e venda-nos a visão que existe um contexto, existe uma sociedade fora da minha cabeça. [2]

Aqui encaixa o que realmente vos vim falar… uma experiência que mexe com a segurança que falamos atrás, que mexe com o êxito, que nos faz sentir realmente que a filosofia evoluiu do idealismo de Kant para “Eu vivo no mundo” descrito por Ortega y Gasset.

Desde pequenos os nossos pais sempre nos disseram:

- “não fales com estranhos… “

- “não apanhes boleia..”

- “não aceites comida de outras pessoas.. “

Ok… até agora enquanto adultos!

Podem dizer que isto é uma precaução para evitar riscos maiores… diria até uma segurança. E será que foi uma coincidência usar a palavra segurança?

Hoje falo-vos duma experiência radical, de corte com a segurança, e em que vivemos mais do que na sociedade, vivemos verdadeiramente numa prova de confiança da sociedade.

Esta foi a minha experiência de Walkabout.

Esta experiência consiste em durante alguns dias deixar tudo para trás, romper a segurança. Tal como todas as grandes viagens, nesta o destino será o menos importante, a viagem será o que realmente importa.

Chamemos a esta viagem, peregrinação, ou caminhada de pobreza. Nesta caminhada, não levaremos comida, telemóvel.. ou outras coisas que não sejam absolutamente essenciais. Pegamos numa mochila, com saco-cama, algumas mudas de roupa e partirmos com um destino.

Mas antes que pensem que enlouqueci, vamos dar um passo a trás e deixar também só de ver o “eu” e ver também o contexto. Estudei num Colégio em Cernache (arredores de Coimbra), chamado Colégio da Imaculada Conceição, um colégio de associação (instalações privadas, mas de ensino público e gratuito).

É um colégio da Companhia de Jesus, ou seja dos jesuítas, (ou simplificando de padres católicos) que tem interesse em formar no que eles chamam as 4 componentes: Pessoal, Social, Religiosa e Académica.

Durante o Verão este colégio faz em conjunto com mais dois outros colégios (Colégio São João de Brito em Lisboa e Colégio das Caldinhas em Santo Tirso), acampamentos de férias para os seus alunos, uma espécie de escuteiros.. mas em versão homem… (estou a brincar), chamados Campinácios.

Tal como nos escuteiros, são as pessoas que foram “animadas” em campos, que a partir dos 18 anos passam a poder “animar” ou como é mais conhecido ser “monitor” de outros.

Foi neste contexto que durante uma formação para poder ser “animador/monitor”, o “director” do campo, um padre jesuíta, me disse para calçar calçado confortável (para caminhar) e pegar numa mochila e num cantil e nos deu por último um mapa.

Algumas horas depois estava a 37 kms de distância do local onde estávamos acampados com mais 5 pessoas — perto de Paredes de Coura.

As seguranças que terminaram logo ali?

- certeza que íamos comer

- certeza que íamos ter água para o caminho

- certeza do caminho que tínhamos que percorrer

- certeza que íamos chegar quando combinado

Caminhamos com um rumo, mas especialmente com uma certeza, ali nem tudo dependia de cada um de nós.

Nesta caminhada vivemos apenas do que os outros aceitam oferecer-nos, gratuitamente, ou em troca de algum trabalho. A realidade é que só comemos se as pessoas forem generosas e/ou aceitem o nosso trabalho em troca, só dormirmos com tecto se alguém quebrar as suas próprias seguranças e nos aceitasse em sua casa, só tomamos banho … se alguém nos deixar..

Um dia depois estava a chegar ao local de campo. Durante esse tempo tive a maior e mais radical experiência de humildade e confiança. Foi também uma experiência de humilhação… geralmente usamos a palavra com o contexto da emoção de vergonha mas o seu sentido é literalmente o acto de ser tornado humilde, ou diminuído de posição ou prestígio.

Embora tenha sido há alguns anos àquela experiência marcou-me profundamente, e nunca mais viria a esquecer-me dela. Esta pequena caminhada de 1 dia foi baseado numa experiência de formação da Companhia de Jesus a peregrinação de pobreza, que coloca os noviços (as pessoas que estão em formação para jesuíta durante 10–15 dias a andar, sem rede de segurança, numa experiência radical de humildade e também numa caminhada espiritual de confiança em Deus e nas pessoas.

Anos depois comecei a aperceber-me de uma coisa muito curiosa… em muitas culturas com que me tenho cruzado existe algo semelhante, uma experiência de confiança que quebra as seguranças sempre associada a uma procura interior e/ou fé.

- Portugal: Jesuítas [3]

- Tailândia: Todos os budistas durante pelo menos 15 dias a 3 meses passam pela experiência de ser monge. Em tudo o que isso implica! E isso é também uma caminhada e pedir comida. [4]

- Austrália: Walkabout

O espaço de tempo foi pequeno, mas aprendi tanto.. senti necessidade de conversar com quem fez a formação jesuítica e portanto a caminhada de 10–15 dias… o que reforçou muito a minha opinião.

É importante deixarmos a apatia da segurança, e a cultura do eu… até para ser possível sermos.. receptivos…

Receptividade

Finalmente, meu terceiro ponto…

Hoje estamos aqui e dispusemos-nos a ouvir.

A dar uma oportunidade à pessoa que está aqui neste palco e ouvi-la.

Aqui as condições facilitam isso. Há alguém que nos escolhe e nos apresenta como possíveis pessoas que têm algo que pode ser interessante para ouvir. Vocês estão aqui e ouvem o que tenho a dizer, porque estou aqui em cima deste palco.

Isto pode parecer um pouco radical mas…

Acho que a maioria de vocês já deve estar familiarizado com a história do violinista Joshua Bell, que durante 45 minutos actuou numa estação de metro sendo quase ninguém lhe prestou atenção. Realço que ele encheu grandes salas de espectáculo dos Estados Unidos com preços de 100$ por pessoa, mas ali a tocar de forma grátis… quase ninguém parou… [5]

Quando ouvi a história Joshua não pude deixar de sorrir ao associa-la àquele tempo de caminhada em que descobri também pessoas e histórias que mereciam estar em cima deste palco.. mas que nunca me disponibilizaria a ouvir se não fosse a minha condição de peregrino, e de humilhação.

Nesse momento percebi o que nos torna a todos TEDxers… Estar receptivos!

Parece pouco… mas quantas pessoas realmente estamos dispostos a ouvir?

Por esta altura devem estar a pensar o que tem isto a ver com o resto.. ou simplesmente “ele enlouqueceu”.

A verdade é que acho que tudo isto tem tudo a ver com o egocentrismo do mérito que temos o risco de viver, e com a teimosia.

Primeiro porque ninguém consegue “caminhar” sozinho….

…segundo porque caminhar, deixar as seguranças como algumas destas pessoas fazem e partir ou é dum louco ou dum teimoso.

Curiosamente loucos e teimosos é o que costumam chamar aos grandes homens dos nossos dias. E são esses que ouvem alguém no meio da multidão…

A minha única conclusão e mote é muito simples… vamos todos tentar deixar de precisar de ter palcos.”

[1] Este conceito já existia, segundo muitos historiadores desde Benjamin Franklin, mas o termo só foi tornado popular por James Adams.

[2] [Actualização 02/11/2012] Existe uma TED Talk que vi apenas agora, que fala disto, que nós não somos realmente “self” made. Podem ver aqui.

[3] Embora refira apenas Portugal, em todos os países em que há jesuítas em principio há esta experiência durante a formação dos seus noviços

[4] Tal como nós em outros tempos tínhamos serviço militar obrigatório, e em outros paises Europeus há depois do 12º um ano de serviço à sociedade, na Tailândia faz parte das tradições todos os budistas serem monges.

[5] Ver a notícia original aqui.

Slides

Algumas notícias sobre a TEDxCoimbra 2012: A Cabra | As Beiras

Publicado originalmente em intelectuais.blogspot.pt a 21 Outubro de 2012.

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