Advérbio

20 de maio

Gabrielli Duarte
impublicável.
Published in
3 min readMay 13, 2019

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I Hate You — Je te déteste

Eu estou escrevendo porque te odeio. na verdade eu tento me convencer todos os dias que eu te odeio. ou pelo menos em todos os momentos que minha mente incorrigivelmente se pega voando nas asas do devaneio. de como seria uma vida se não houvesse aquela noite. sim, aquela noite. em que eu saí desgovernada por uma rua movimentada, sem saber pra onde eu ia. sem saber uma palavra e sem saber o que seria. mortificada por dentro, como quem tivesse aberto a caixa de Pandora dos próprios medos e tivesse tido uma crise alérgica pela quantidade de pó e coisa velha que dela saíra. Eu tento não pensar naquela noite como se tivesse sido alguma coisa. eu tento não pensar em você como se tivesse sido alguma coisa. porque eu sou errada demais. até agora só tenho cometido erros. mas eu não sei não ser assim. então todas as minhas promessas caem por terra. de que eu não iria chorar. sentada à margem de mim mesma eu estou meio confusa. indesculpavelmente sozinha. solitariamente vulnerável. Tento. crescer em mim uma grossa camada de irreverência, de desimportância. Mas eu sou honesta demais, aberta demais. eu tento. mas esse ser incansavelmente delusional pulsa em meu peito. E tudo no meu quarto remete àquela noite, tudo no meu coração remete àquela noite. como Sísifo das memórias, o meu castigo é ficar assistindo e assistindo de novo, presa no meu labirinto com paredes de vidro, tentando escapar de alguma forma, sem me machucar ainda mais. insistentemente busco motivos. para justificar em mim o crescimento da raiva. contra você. busco justificações que me façam enfurecer. mas eu não encontro nada. porque estou simplesmente tão seca que qualquer gota é chuva em abundância. não deveria ser assim. eu sei. eu tento regularmente passar cremes hidratantes, mas falho inconsistentemente nas veredas da vida ordinária. e nesse meio tempo, prometi que não escreveria. sobre você. para você. mas estudar está muito chato. e meu coração se recusa a deixar ir embora. você tem sido como um filho indesejado que cresce no meu interior sem se mostrar. sem que eu possa compartilhar a alegria de carregar algo que gerará futuros. eu sei que o parto vai ser doloroso, e isso me angustia. angustia a ponto de querer desistir de mim mesma. desfazer quem eu sou. apenas para que você me fira com a sua indiferença. apenas para que você de uma vez por todas acabe com esses resquícios de você nas minhas entranhas, para que, então, eu possa gerar algo novo. algo melhor, mais bonito. que não tenha começado errado. que não tenha me magoado à meia-luz de uma rua cheia de gente, que não tenha me deixado enganar pela euforia do momento. por um encontro meticulosamente casualmente programado, por quais instâncias não sei. E é o fato de não saber que me martiriza. que me prende a essa história feito inseto desnorteado em volta da luz. Dizem que a última coisa a sair da caixa de Pandora foi a esperança. Até hoje não se sabe se, por isso, ela é ou não um mal. eu não sei. só sei que apaguei todas as fotos para me garantir de não ficar remoendo minha própria estupidez. Mas seguramente as deixei a salvo no meu e-mail. Just in case. só até eu descobrir de vez por todas que você engravidou alguém.

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