Fotografias

Pedro Dantas
impublicável.
2 min readNov 4, 2017

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Fonte: mulierchile.com

Sentei numa das cadeiras e fiquei observando o corpo nu de Juliana estirado no meio da cozinha. Olhando-a daquele ângulo parecia uma deusa — com exceção, claro, do buraco de bala entre seus olhos castanhos e do sangue que escorria e ensopava-lhe os cabelos encaracolados. Uma deusa dos trópicos! Era linda, essa tal de Juliana, pena que era escandalosa.

Guardei a pistola .38 na cintura e fui dar uma volta pelo apartamento. Havia fotografias dela e dos amigos por todos os lados: porta-retratos e quadros pendurados pelas paredes da sala e dos quartos, fotos na praia, no parque e numa viagem que ela fizera para algum lugar muito, muito frio. Nunca entendi as mulheres e essa mania de imortalizar o passado. Nem me lembro da última vez que revelei uma foto. Sou filho da era digital, armazeno tudo na nuvem e nunca mais procuro.

Voltei para a cozinha e fiquei pensando no que fazer com o corpo. Para ser sincero eu já havia decidido, só estava me fazendo de difícil — essa hesitação sempre ajudava para que eu me sentisse menos culpado. Lembrei então da minha mãe, que Deus a tenha, um dia ela me mandou revelar as fotos do aniversário do tio Geraldo porque fora a única ocasião na qual a família inteira conseguiu se reunir. Minha mãe era doida igual à Juliana.

Suspirei e conclui que estava na hora. Fui em direção ao corpo, virando-o de bruços com a sola do tênis. Nunca estabeleço contato visual enquanto estupro uma mulher, esteja ela viva ou morta — tenho medo que seus olhares me persigam enquanto durmo e me alcancem no beco mais recôndito, escuro e distante do meu subconsciente, ali onde os arrependimentos se escondem, empilhados uns sobre os outros, empoeirados.

O pior é que nem foi tão bom assim, o corpo de Juliana já estava ficando gelado. Arrastei-a até o carro, rodei por algumas horas e a joguei num canavial enquanto voltava para casa.

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Pedro Dantas
impublicável.

Ficção e não-ficção sobre o que me der na telha.