Hoje eu peguei um sapo na mão

E o que você tem a ver como isso, né?

Tiago da Silva
impublicável.
Published in
4 min readSep 30, 2021

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Bom, estou no meio de uma aula online chata demais e já pesquisei todas as coisas da Terra nas últimas 2 horas, em 1.789 abas abertas, enquanto alguém fala sobre algo que não consigo nem classificar agora. Zerei a internet. Então vou narrar o que ocorreu há cerca de 3 horas. As ideias podem se sobrepor, não repare. Estou um pouco acelerado. Deve ser o treino novo, o Mercúrio Retrógrado, ou o estresse do trabalho. Cheguei em casa, assim, acelerado como um cracudo e, quando abri o portão, um sapo veio correndo da garagem como um cachorro me encontrar. Desajeitado e desesperado como algum moleque com quem você estudou na 5ª série, provavelmente. Afoito e trôpego. Na verdade, ele deve ter corrido porque viu alguma coisa voando, rastejando ou caminhando por ali. Nunca vou entender como esse bicho come tanta coisa inteira e consegue digerir. Na real, eu sei: tem a ver com os poderosos ácidos dos sistema digestivo dele. Enfim. Minha vó veio da roça e sempre me dizia: se o sapo tá correndo é por que tem uma cobra atrás dele. Lembrei disso. Mas não. Não tinha. Enfim. Estacionei a moto e pensei: Eu sou uma pessoa que pode segurar um sapo na mão sem histeria? Sim, sou. Eu mesmo. Na verdade, essa ideia já havia me ocorrido antes, mas a oportunidade não havia se desenhado ainda. Desenhou-se ali. Larguei a moto e o capacete, voltei ao portão, onde ele estava, e o conduzi com minha aproximação até uma quina do pátio, o encontro entre 2 segmentos de muro, onde lhe disse assim: “Vou te pegar nas mãos, mas não tenho a intenção de feri-lo, até porque você me presta diversos favores, comendo aranhas e baratas e tudo mais. Sou grato, aliás. Obrigado. Tudo que eu quero é ter a experiência de tocá-lo e levar a toda a Humanidade a mensagem de que não é tão ruim — caso, de fato, não seja. No futuro, se eu precisar retirar gentilmente um de seus pares de algum lugar, como um banheiro, isso vai se dar de maneira ainda mais gentil, não havendo necessidade de envolver baldes e vassouras e gritos de xô, sapo! Como, vê, só há benefícios nesse experimento que lhe proponho”. Isso levou uns 2 minutos, ao fim dos quais ele parou de tentar escalar o muro e ficou parado. Então o toquei nas costas. Ásperas e frias. Menos frias do que supunha. Então toquei a cabeça e os braços e pernas — são patas? Não sei dizer. Passo seguinte: tentei envolver seu corpo com a mão, passando os dedos sob sua barriga. Essa parte sim é muito fria, mais fria do que eu poderia imaginar. E mole. Esse bicho nunca fez um abdominal na vida? Bom, também não tem gorduras localizadas ali. A barriga é magra, a pele é fina e a impressão que dá é que, através da pele fina e fria, se pode sentir suas entranhazinhas ou a textura dos insetos que ele comeu. Tem inúmeras pequenas protuberâncias mais ou menos móveis. Olhando não parece, mas a sensação tátil é essa. O suspendi no ar e ele ficou imóvel. Minhas palavras devem ter surtido efeito sobre ele. Deve ter concordado com meus argumentos. Talvez partilhasse de minha visão. Ficou parado e sereno. Devia estar pensando: “Não é tão ruim, afinal, tocar a pele de um humano. Talvez eu escreva sobre isso um dia, já havia pensando a respeito…” Não prolonguei mais a experiência para não estressá-lo: ele devia ter outros compromissos, pelo menos assim parecia. Parecia um sujeito ocupado, atarefado. O chamei intimamente de Saramago, porque Saramago é um bom nome para um sapo. Adequado. Sobretudo para um sapo atabalhoado e apressado. Soltei Saramago, encerrando nosso encontro. Não posso dizer que foi desagradável. Foi uma experiência válida. Não apertei sua mão na despedida, mas, pensando agora, teria sido legal segurar os dedinhos. Fica para a próxima.

E o que você tem a ver com isso? Eu recomendo, fortemente, a experiência, em nome do fortalecimento das relações bilaterais entre as espécies. Mais que recomendar: Você é uma pessoa que pode segurar um sapo não mão? Você tem a coragem, a desfaçatez, a frieza, e ao mesmo tempo a gentileza necessárias para segurá-lo, sem deixá-lo fugir, mas também sem apertá-lo? Você está entre os 0,7% das pessoas que podem fazê-lo? Eu o desafio!

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Tiago da Silva
impublicável.

Às vezes me surpreendo com o que escrevo, porque não sabia que pensava assim.