Mais um fim dos tempos (ou mais uma quarta-feira)

Vitor Duplomalte
impublicável.
2 min readDec 2, 2023

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Toques de um violino desafinado enquanto a água invade o barco, enquanto o vidro se racha ao meio e os estilhaços se espalham no banco.
Uma leve linha de raio de sol entra pela janela e cria uma brecha onde o gato se deita de barriga para cima e dorme o dia inteiro, eu vejo o chão sujo e me espreguiço antes de deitar com o gato que não se abala com minha presença e permanece imóvel enquanto a brisa da quarta perfuma os destroços da casa.
Aguardo o carteiro com meus boletos que terão que esperar o salário para serem sorteados entre si para saber qual será pago. Ouço os passos dos vizinhos que correm com seus tênis de corrida e bebem whey às 9 da manhã da bela quarta-feira que se abre enquanto aqui dentro o mundo desmorona poeticamente.
A poeira que se acumula na caixa de papelão ainda não desembalada pós mudança me alerta de que já passou da hora de eu tornar essa casa o meu lar, enquanto busco outra casa e me adianto para outra mudança como um eterno estrangeiro em cada rua onde passo. Não sabem meu nome, mas conhecem meu rosto, meu rosto lhe soa familiar, mas não pertenço a nenhuma família, me consideram amigável mas não o suficiente para ser seu amigo e eu ando tão desatencioso que se me xingarem no trânsito vou concordar e dizer “eu também”.
Bem que eu queria que tudo se resolvesse num passe de mágica e eu pudesse voltar aos dias que minha coluna não doía tanto, voltar a escrever musicas e poemas sobre uma ferida descascada que me soe como o fim dos tempos. Mas o fim dos tempos ainda está por vir, está acontecendo, enquanto isso eu me divirto com os boletos que se empilham na minha caixa de spam.

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Vitor Duplomalte
impublicável.

ignorando regras da escrita formal da língua brasileira e de outras.