Marambaia

Andrés Pozzi
impublicável.
2 min read6 days ago

--

O mundo está repleto de linhas imaginárias, e não tão, que o atravessam. Às vezes estas são perpendiculares, como um simples olhar fugaz numa rua; pontuais, como o tique dum determinado segundo, num determinado dia, dum determinado relógio. Outras, não obstante muito similares na sua direção, se apresentam quais paralelas que não hão-de se juntar — e jamais, nem sequer distantemente, se roçarão. Permanecem, assim como num infinito presente, distintamente.

Porém, tem ainda uma outra categoria. Tem outras linhas mais erráticas. Irregulares. Difíceis de conjugar. Estas linhas mais ou menos afortunadas coincidem no tempo e espaço por um trecho, podendo este ser —mais ou menos— prolongado. Elas se tocaram e continuaram se desenhando, reciprocamente, antecipando os pontos da outra. Ou pelo contrário, ressaltando-os. Ponto a ponto a serem conjuntamente, até que quase, parecesse, se fusionaram no enquanto.

Essas linhas de vez em quando ficam atordoadas de um tal encontro, de uma tal progressão, de um tal devir que já não é claro o sucedido, nem o sucessivo; já que nem elas sabem bem se é que o próximo ponto vinha da direção original, da sua própria linha, ou foi que o acoplado com a outra mudou a sua destinação, o seu traço; a sua grossura. Ou, inclusive: o seu tônus.

E não sei se foi porque o olho do Niemeyer esteve a lacrimejar incessante nesses dias (quem, perenne, dizia ser atraído pela curva livre e sensual). Ou porque meus próprios olhos estão ora humedecidos pelo frio ar seco do aeroporto. Ou porque fiz o controle de imigrações, e perante a minha pergunta, o policial me diz “tu já não és mais residente aqui”; e eis: um imundo de mundo. Ou será porque apesar disso tudo sinto a minha linha está a decolar da sua. Ou será porque ainda —ainda, sim, sempre ainda— não o sei;

Mas agora me sento, no final, na poltrona do avião e sinto ele decolar; e sinto-o como o rush duma cachaça que te embriaga desde os pés até o ventre, d’embaixo pra cima.

Enquanto isso, enxergo pela janelinha: e o horizonte está sempre na linha dos olhos.

Afortunadamente.

--

--