Maybe on the other side

Matheus Meira
impublicável.
4 min readMay 29, 2017

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Da escravidão que é amar amar.

“Ele é aquela sensação ruim de toda sexta feira à noite, em que você caminha pela Rua da Carioca de noitinha e vê as pessoas a caminho das suas festas preferidas, regadas a Camel e Jurupinga, mas você está indo é pra casa”

São 5:30 da manhã e já está acordado nesse mesmo mantra. É Ele, que vagueia sua mente com seu casaco de couro, Rayban à frente do par de olhos mais envolventes do sul do Estado. Não daquele tipo de armação de óculos imenso, brega, que às vezes um certo grupo de cafonas gosta de ostentar. É um tipo exato, do tamanho certo pro design do seu rosto, um ar moderno, de curvas sintéticas que dançam à exatidão das linhas dos seios da face dele. É Ele, do poema que escreveu outro dia, de Zibeline. Do pequeno conto de mais outro tempo, das 7 miligramas de alcatrão. É Ele mesmo que te tira o sono.

Todos os dias você consegue se exorcizar da cama às 6h, ou algo por volta disso. Os minutos anteriores são uma passagem pelas fotos da sua imaginação, nesse monóculo que é a sua mente. Fica mesmo preso tentando lembrar tudo o que pode dele. O resto, que vem depois das 6h é pura rotina, que não cabe entrar aqui. Voltando a esse espacinho de tempo, de 30 minutos. Eles são o seu próprio enterro. É a sua sepultura matinal. Vê se não é isso: Ele é um sentimento que nem mesmo tem nome. Ele é aquela sensação ruim de toda sexta feira à noite, em que você caminha pela Rua da Carioca de noitinha e vê as pessoas a caminho das suas festas preferidas, regadas a Camel e Jurupinga, mas você está indo é pra casa. Aquele aperto que dá quando o sino da igreja toca meia noite, naquela cidade fria, e você está sozinho na rua, é o sentimento Ele, que não tem nome. Ele está ali na mais prazerosa foda com alguém que você resolveu dar confiança no Tinder. Gato, Médico, Apê no Flamengo, o Amor da minha vida! É não. É amor-paleativo. É sal embaixo da lingua quando a pressão cai, mas não é remédio. O remédio você sabe quem é: é todo aquele Indie Rock, é a mão branquinha dEle. Os outros são tampões. Te libertam rapidinho dos sentimentos Ele, e te jogam de volta, logo depois, pros mesmos grilhões. Existe algum nome exato pra saudade e amor, misturados?

Mas as coisas parecem estar mudando, não?

Todo dia enquanto está no escritório, você sente, por volta de 11:45, o cheiro de carne assada subindo os andares do prédio. Percebe que a angulação do sol começa a jogar os raios solares pro meio das suas pernas. Você ouve aquele rapaz que te dá bom dia de manhã, na porta do prédio, tocando George Michael no sax. É hora de almoçar.

Setecentas vezes houve até que você reparasse que do outro lado da rua do restaurante na Rua do Carmo, que você vai todo santo dia, existia alguém além dEle. E que você sente que pode te fazer esquecer Ele. Algo que você não sentia há muito tempo. Mas como ir lá falar com o tal alguém?

Sabe, quando ficamos presos muito tempo à religião que é amar alguém, esquecemos como é amar outro alguém. É algo patético. Você perde a noção do que é se lançar a outra aventura. Você é escravo dEle, do sentimento Ele. E ama amar Ele.

Outros quinhentos dias houve a mesma rotina: 11:45h +cheiro de carne + raios solares + George Michael = almoçar. E em nenhum desses houve coragem suficiente pro que é novo. Em nenhum deles buscou saber o nome desse outro alguém.

Exceto por sexta feira. Dada sexta feira que você, às 5:30, decidiu vencer o ritual de adoração a Ele. Decidiu se lançar ao novo. Gostaria de amar amar outro alguém.

Houve uma rotina parecida nessa sexta feira em comento. Você trabalhou normalmente, deram 11:45 no relógio do seu computador, os malditos raios solares começaram a queimar suas coxas, o cheiro de carne te enfeitiçava as narinas. Mesmo assim não desceu para o almoço, continuou inerte sentado na sua sala, vendo fotos dEle, apesar do trato feito consigo mesmo de manhã. Foi almoçar às 14h, revoltado com o esquecido.

Não viu o outro alguém nem na sexta, nem na segunda seguinte, desta vez no horário certo. Nunca mais o viu, no caso. Nunca soube o porquê nunca mais seu outro alguém esteve no restaurante à frente do seu, na mesma Rua do Carmo.

Como narrador onisciente vou contar-lhes. O outro alguém morreu no sábado, atropelado em algum diabo de rua do Rio.

Não foi culpa de ninguém, nem sua. É que na sexta o saxofonista não tocou nada na portaria do prédio, nem mesmo lá esteve. Coisas que a gripe faz nas pessoas…

5:30 da manhã de terça. Esse é o seu ritual. Não invente mais amores além dEle.

Quem sabe do outro lado
Não mais da rua,
Da morte mesmo.

“When you’re young and free,
Stop and think of me
Staying together is heaven when you look so good
And you taste so sweet”

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