No fim das contas, sempre sonho

gouache
impublicável.
3 min readSep 21, 2021

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Você ainda ainda passeia em meus pensamentos enquanto passo horas tentando dormir.

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Esperei pelo sono. Sem sucesso. Levanto e tento escrever, mas tudo parece falso. As palavras seguem sendo insistentes, eu tentei colocá-las em ordem, eu tentei entender o que elas queriam dizer. Esperei por um sinal vindo dos céus olhando para uma folha em branco. Nada. As palavras estavam engasgadas e acabaram ficando pela metade. Isso sempre acontece, tento continuar numa outra página, mas fica sem sentido mesmo sendo a continuação.

Fui procurar uns arquivos e folhas velhas. Sobre você existem muitos textos (ridículos) que ficaram pela metade. Sempre pela metade. Será que não sei mais o que falar para você? Acho que notei isso há um tempo, mas ignorei, sempre achava que poderia terminar depois. O resultado disso foram 32 textos inacabados. Sei que todos eles se encaixam de alguma forma, tentei criar uma sequência, mas não deu certo. Como pode ser? São coisas que eu mesma escrevi. Será que não sei mais entender o que eu escrevo? Já falei tudo, pedaço por pedaço, tenho certeza de que tudo está alí, mas como um quebra cabeça, mesmo sem ser a minha intenção.

É simples, mas ficou complexo, porque eu sou assim explicando as coisas.

Fico acordada me lembrando das coisas que perdi de uma só vez e pensando em tudo que vou ter que abandonar. Brigo comigo mesma porque desejo voltar à um lugar que não existe mais.

Temos medo de imaginar quantos dias faltam para o ultimato e ter que concordar com o abandono, enquanto continuamos vagando sem destino esperando a grande onda que nos leve, esperando o momento de coragem e decisão, esse é o momento que mais queremos e não queremos.

Pensei que fossemos uma exceção a regra e agora estou aqui pensando em tudo que eu vou ter que deixar, tudo que eu perdi de uma só vez. Voltamos para o mesmo lugar onde as coisas estão fora do lugar, olho à minha volta e tudo está como antes de você aparecer, fora do lugar.

Lembra dos primeiros sinais? Já ouvi dizer que sempre estamos procurando por eles (inconscientemente). Quando a gente começa a desconfiar que o tempo e o espaço planejam esse distanciamento, além de planejarem, é claro, um bom disfarce, que é para quando a gente ficar em negação, dizer que não pode ser assim.

Mesmo com um disfarce, os primeiros sinais são como uma nuvem pesada que tentamos soprar para longe, mas não demora muito para que ela desabe.

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Apago a luz, fecho os olhos e me encolho. Tudo isso aqui parece arrancar a minha lucidez. Me encolho na tentativa de ficar longe de tudo, mas a luz que entra pelo buraco do telhado ainda me alcança o braço. Eu olho para a claridade do quarto e fico pensando que vou ter que encarar o dia depois de passar a noite toda acordada.

Sonhei com você de novo, no fim das contas, sempre sonho.

Eu ouço a tua voz e risada, sinto seu cabelo tocando a minha bochecha. Sabe aquela lembrança insistente e aleatória que você não sabe por que guarda com tanto carinho e uma hora ou outra acaba lembrando? Essa é a que tenho de você.

No sonho eu te abraçava. Acordei sentindo um cheiro que tenho saudades de sentir. Nem sei se era sonho, alucinação, mera invenção. Nunca mais nos abraçamos. Outro dia sonhei com você de novo, no fim das contas, sempre sonho. Acordei sentindo saudades e já acostumei.

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Eu já desconfiava desde a outra vez, mas agora sei que é você que ocupa esse canto desprotegido do meu coração e faz desabrochar o choro que antes era pela metade. Eu sei que cada cena tem o seu segundo e o nosso já passou, mas queria muito que a nossa hora fosse para mais tarde, ter a chance de fazer tudo de novo quando a vida tivesse circunstâncias melhores. Sei que é pedir demais. Ainda me pergunto: será mesmo que a culpa é só das circunstâncias?

Mas foda-se.
Queria voltar, queria voltar, queria voltar.

Queria voltar às horas mais certas que tivemos e ter o poder de prolongá-las. Estava pensando nisso essa semana e depois vi em alguma frase por aí "não se antecipa a hora que é certa e nem sempre dá para voltar quando tudo já deu errado."

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gouache
impublicável.

é possível ser esperto, inteligente e ao mesmo tempo amar?