o amador

caroline vital
impublicável.

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Ele parecia realmente cansado. Entre respiros e suspiros ofegantes, interrompeu a corrida quase infindável e apoiou suas mãos nos joelhos. Olhou para baixo e então para frente. Seguiram-se mais suspiros e respiros rápidos os quais tentavam agarrar todo o ar do mundo; ao mesmo tempo, não sentia entrar coisa alguma em seus pulmões.

Sentou-se ali mesmo, no meio do nada. Estava correndo em direção a lugar nenhum. Era vazio para qualquer lado que avistasse, e querendo admitir para si próprio ou não, era um fato: ela havia fugido para longe e talvez ele jamais a alcançasse.

Talvez, se ele esperasse tempo o suficiente, ela também se cansaria e voltaria para ele. Fora assim das outras vezes. Ele só precisaria de paciência e de ocupar-se com algo; distrair-se até seu livre regresso. Precisava fingir não a procurar.

É ridículo esperar tanto, mas prendê-la e forçá-la a ficar não adianta. É preciso ser submisso à sua vontade. Às vezes se sentia caçando um animal arisco e em extinção, o que era igualmente ridículo porque, na verdade, eram várias e não apenas uma. Todavia, ele sabia que se conseguisse convencer só uma delas a ficar, as demais viriam voluntariamente. Era uma questão de tempo.

Passaram-se meses. Da próxima, na certa, elas escaparão por anos — se é que voltarão. Era difícil aceitar e assumir o quanto sentia falta de sua companhia e o quanto queria encontrar meios de tê-la(s) sempre por perto.

Duas ou três pessoas passaram por aquele vazio — o qual sozinho ele era incapaz de preencher — e disseram as terem visto com outros. Fizeram-no sentir-se desolado. Não podia nem ficar bravo com alguém além de si, porque não era bom o bastante para elas. Nunca foi. Apenas as queria desesperadamente e ansiava que isso bastasse.

No passado, quis acreditar quando estranhos disseram que eles ficavam muito bem juntos. Porém, a verdade é que elas viam através dele. Sabiam melhor do que ninguém: ele era só mais um amador, e elas, as Palavras, preferem estar com quem pode colocá-las em epígrafe, no centro de tudo — como elas merecem ser tratadas.

Elas conhecem seu poder de escolha e escolhem sabiamente. Costumam andar lado a lado de bons escritores, os quais as têm como musas inspiradoras. São artesãos renomados que as usam como matéria-prima para erigir verdadeiros monumentos literários.

A palavra sozinha que o encontra uma ou duas vezes ao ano, sorrateiramente e muito devagar, é modesta e bondosa. Não vê, ou simplesmente ignora, quão mediana sua habilidade artística é. Todos os buracos que a folha não absorve, todas as nítidas falhas que um olhar apurado capta à luz de um aparelho eletrônico… Ela só observa em silêncio, ajudando-o sem criticar.

Ela se compadece dele e costuma chamar outras para que também o façam companhia. Mal preenchem uma página de papel em branco por vez. Mas, aos olhos dele, elas são tão bonitas quanto aquelas expostas em prateleiras nas livrarias. Porque, por longos curtos instantes, elas parecem suas; fazem-no esquecer de sua iminente partida.

Um dia elas irão voltar e talvez escolham ficar por mais tempo. Certamente, nesse momento as pessoas verão e acreditarão que elas sempre estiveram ali e que eles são indissociáveis. Juntos, preencherão várias linhas de uma vez. Então a corrida vã cessará e com ela toda a aparente indiferença ante sua fuga se dissipará.

Mas ele ainda aguarda por elas. Está convencido a esperá-las pelo tempo que for necessário. Já o enviaram até registros escritos provando o bom e duradouro relacionamento delas com outros — aqueles reconhecidos como escritores de verdade; ele, porém, não se importa. Quer vê-las ainda que só possa tê-las por breves parágrafos.

E, uma folha deve bastar… uma folha deve bastar para sua solidão se ausentar por agora.

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