O jogo

Alexandre Brandão
impublicável.
2 min readMay 5, 2024

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“Quantos morreram nessa tarde ensolarada e agradável de verão?”, ela disse.

Ele revirou os olhos.

“Como assim?”, disse.

“Vou repetir: quantos…”

“Não, porra. Eu entendi a pergunta. O que eu quero dizer é que ela não vale. Como eu vou saber quantos morreram essa tarde?”

“Você não vai.”

“Exatamente, Júlia.”

“Exatamente, Pedro.”

Júlia!

Pedro!

“Para com essa porra.”

“Só quando você responder minha pergunta.”

“Não vou responder sua pergunta.”

“Então bebe.”

“Não!”, ele disse e empurrou o copo de Heineken para o meio da mesa. “Não vou beber. Essa pergunta não vale.”

“Quais são as regras do jogo?”

Ele hesitou. Ela sorriu e empurrou o copo de volta para perto dele.

“Vai, logo. Para de chorar”, ela falou. “Bebe essa cervejinha linda.”

Pedro suspirou.

“Não!”, disse.

“Você vai acabar bebendo. Eu sei disso. Você sabe disso.”

“Então vou te dar mais uma chance de fazer uma pergunta. Se sua pergunta não for absurda, eu respondo.”

“Minha pergunta não foi absurda!”

“Claro que foi. Qual a resposta?”

“Não vou falar enquanto você não beber.”

“Você não sabe a resposta.”

“Em algum lugar estava escrito que eu precisava saber a resposta?”

“Bem…”

“Viu? Você tem que prestar mais atenção nas regras.”

Ele sorriu e pegou o copo.

“Tá bom”, disse. “Vou prestar mais atenção nas regras.”

E virou o copo de cerveja de uma vez e depois o encheu de novo.

“Minha vez”, ele disse.

“Vai, garoto.”

“Por que eu joguei meus braços ao redor de Paris?”

Ela sorriu.

“Essa é fácil”, disse.

“Não… não faz isso comigo, Júlia.”

“Ah… faço sim. Decorei toda merda que esse filho da puta falou. Essa é a última vez que você cita Morrissey. Porque apenas pedras e aço aceitam seu amor, bobinho.”

“É a última vez que eu cito ele.”

“Não, não é.”

Não era, ele sabia. Por isso sempre perdia.

“Vai”, ele falou. “Sua vez.”

Ela sorriu.

“Lá vem”, ele disse.

Ela gargalhou.

“Lá vai!”

E continuaram bebendo até as estrelas desapareceram atrás das nuvens e as pessoas irem embora do bar e os carros sumirem das ruas e uma chuva fina começar a cair. Ele perdeu a maioria. Mas não importava. Nunca importava quem ganhava, porque nenhum dos dois pareciam perdedores.

Por isso eles estariam de volta na noite seguinte e na noite depois dela. Sorrindo. Xingando. Bebendo.

Jogando.

AB — 30/04/2024

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Alexandre Brandão
impublicável.

Às vezes um cigarro é só uma fumaça e uma história é só uma história