[Pó de
poesia no
posto
?] — II

Janaína Steiger
impublicável.

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[…]

Agora pinga
Cuidado com a chuva
E com o frio
Deles o EPI não foi feito para proteger
E eles o pátio também acolhe

Fazendo aumentar
dobrar
a camada de roupas
que irão direto
à máquina
demorar o triplo
para secar

Não serão passadas
“Vai passar”
Amarrotadas
“Tudo vai ficar bem”
Esgarçadas
marcadas
pelo que não passa
e nem se passadas
deixarão
de marcar

Me espio
sob avental azul
piscina
nas roupas amarrotadas

Suas dobras
marcadas
lembram
da minha escolha
necessária
e difícil

Não me deixar passar
mas afetar
ora parar
ora deixar
sentir
experienciar

Apresso o passo
E sinto a urgência penetrando
Escuto os olhos enfileirados
que antes sussurravam
e agora parecem gritar
Ás vezes gritam

Caminho
pelo pátio
Que escuta nossos lamentos
Acompanha nossos ires
vires
e devires

Do pátio
para o posto
Do posto
que é também
pátio
que é posto
à céu
aberto

Adentro

Direita
esquerda
direita
Sala da equipe
virou passagem principal

Armários de itens pessoais
marcam
o caminho
Fazem a divisão
quase ilusória
entre a sala e o caminho aos consultórios

Portas do armário entreabertas
nossos pertences-pedaços
á mostra
Nós
humanos
Ao lado sentados
sob folhas
livros
prontuários
celulares

A discutir casos,
adentrando
A registrar instantes,
para fazer durar
A percorrer histórias de vida,
para buscar resgatar
o mínimo
o cuidado
longitudinal

Que marcas carregam os olhos que ouvi?
Que vozes ressoam na que senti?

Perguntamo-nos
e aos colegas
e aos papéis
às palavras
e às lacunas
não marcadas
cujos espaços
brancos
podem marcar
toda uma vida
ferida

Por vezes tão
labirínticas
quanto o caminho
por que
ao nosso lado
passam
pacientes
ora impacientes
e confusos

“Então é assim o posto
por dentro?”

Os olhos continuam a balbuciar
Processos escancarados
O making off
Detrás das cenas
dos números
das manchetes
da fachada recém reformada

As entranhas
as veias
rizomas
humanos
Que tramam a rede
do teu cuidado
humanizado

A complexidade
da atenção
dita
básica

O detalhe
o mínimo
o íntimo
o ‘inho’
do chamado
carinhosamente
postinho

[…]

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Esse poema é a segunda parte de um poema maior ainda a ser continuado. Vocês podem encontrar a primeira parte dele aqui.

Janaína O. Steiger
Psicóloga residente em Saúde da Família e Comunidade
Atuando em Unidade de Saúde da Atenção Primária — ou “postinho”

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