Parque das Águas

Otavio Moura
impublicável.
6 min readOct 8, 2020

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Eu tinha apenas 14 anos. Estava com o amor da minha vida quando ele chegou até mim e expôs sua proposta. Sua diferente e comum proposta. Após eu pedir tanto, ele finalmente me apareceu com a suposta resolução dos meus problemas - pelo menos era o que eu achava. Me despedi do meu amor, e ela ficou tão feliz por ver que tinha ficado alegre, mesmo sem saber o motivo.

– Eu te amo. – cochichei em seu ouvido quando fui abraçá-la.
– Eu sei… – disse ela.

Aquilo me deixou mal, a falta de reciprocidade havia me deixado mal. Apesar de ser mais velho eu era o mais sensível, mas nunca deixei ela nem ninguém saber deste fato.

Após sairmos do recinto de idiotas em que estudava, caminhamos um ou dois quilômetros por uma avenida que em seu final se encontrava um parque; o famoso Parque das Águas. Quando chegamos, resolvemos entrar pelo portão lateral que era menos usado, assim seria mais seguro. Assim que entramos, um cara estava saindo às pressas dizendo algo como “caras, tá moiado, tá moiado” Não demos atenção, e fomos mesmo assim. Eu estava ansioso, era minha primeira vez. Estava com medo de ser descoberto ou visto por algum conhecido, mas não deixei que esse anseio me dominasse e me tirasse daquela situação. Eu queria aquilo, e iria realizar.

Era um parque lindo, tinha verde, poucas pessoas, e esse era um dos fatores que deixava tudo mais agradável. Caminhamos até a parte menos movimentada, não queríamos ser interrompidos. Aquela região do parque era composta por várias árvores e uma mina de água. O único método de chegar até lá era por meio das pontes de madeira; aquele lugar de noite deveria ser um horror, mas durante o dia era lindo, mas mesmo assim na época eu não me importava se era bonito ou feio.

Chegando lá meu amigo tirou do bolso um potinho metálico de mentos, que quando abriu, um cheiro horrível subiu, mas quando ele tirou o bagulho foi impactante, nunca havia visto aquilo pessoalmente.

– Está pronto? – perguntou ele.
– Claro que estou – eu disse.

Ele sabia que eu estava ansioso, mas mesmo assim ateou fogo no bagulho. A fumaça subiu e ficou entre as folhas das árvores, o cheiro morno e doce tomou conta do local onde estávamos. Ele deu um, dois, e no terceiro trago tossiu e passou para mim. Quando peguei, olhei aquilo entre meus dedos, então coloquei na boca e puxei a fumaça pro pulmão. O primeiro trago é inesquecível, como dirigir pela primeira vez, como amar e transar pela primeira vez, mas a única semelhança entre todas aquelas coisas era a morte que ambos poderiam ocasionar. O cheiro havia sumido, e minha pressão começou a cair, mas nada havia mudado.

– Acho que to passando mal. – eu disse – Minha pressão tá caindo.
– É mesclado. – ele disse.
– Como assim mesclado? – perguntei.
– Eu bolei maconha e tabaco – ele respondeu – é por isso que sua pressão tá caindo.

Depois de 15 minutos comecei sentir algo diferente, as coisas ficaram um pouco mais brilhantes. Percebi que o bagulho estava batendo. Fiquei feliz por saber que meus problemas estavam se resolvendo, e no início realmente estavam; antes de virar um caos estava...
Era incrível, o verde havia ficado mais verde. O barulho da água passando abaixo dos meus pés era mais perceptível. E o som das batidas das asas dos pássaros que passavam entre as árvores era bem mais presente. Eu já não pensava na falta de reciprocidade dela; não pensava nos problemas que teria que enfrentar em casa; não pensava em mais nada, só em como tudo se transformou e tomou uma forma bonita, e foi ali que eu percebi que estava finalmente feliz.

Quando estávamos na metade do bagulho disse que já estava bem, e queria ir embora. Com a ponta do dedo ele apagou o baseado e o guardou de volta no pote de mentos. Enquanto estávamos caminhando eu vi de longe alguns guardas.

– Mano vamos voltar, – eu disse com um pouco de receio – olha aqueles guardas ali, eles podem querer embaçar na gente.
– Relaxa – disse ele com um ar de tranquilidade e rindo – se moscar aqueles caras ali usam junto.
– Tem certeza? – perguntei.
– Sim. – ele respondeu – Espera ai que irei beber água.– acrescentou.

O bebedouro estava ao lado de um dos guardas, mas mesmo assim meu amigo sem medo foi até lá e bebeu-a; vi uma reação estranha do guarda, mas meu amigo tomou controle da situação com poucas palavras, mas não conseguia saber quais foram.

– O que rolou? – perguntei quando ele se aproximou.
– Não aconteceu nada demais – ele respondeu – mas tenho uma boa notícia, a biqueira daqui tá funcionando.
– Porra, idaí? – indaguei.
– Quero repor meu estoque, e você virá comigo – disse ele com obviedade.

Achava que não poderia ficar mais emocionante, mas pelo visto eu estava enganado. O lugar ficava no centro do parque. Tudo estava tão lindo, tanto a minha ausência de problemas, quanto a presença de cor. No caminho eu só pensava na viagem que estava tendo, ou melhor, na viagem que estava fazendo; uma viagem para o jardim do éden, onde tudo era puro. Era como se eu estivesse pisando em nuvens flutuantes em um lugar perfeito.

O centro do parque era um octógono gigante, que em seu centro havia um campo de futebol, e em suas vértices bancos, e suas cercas eram naturais, feitas de arbustos altos, árvores e pedras pichadas. Em um daqueles bancos, havia um cara sentado fumando, aquele era nosso cara, portanto fomos até ele. Meu amigo chegou e perguntou se ali era a “lojinha”, obviamente era. O cara perguntou o que queríamos, e meu amigo com persuasão perguntou o preço das parangas; pelo visto tinha de todos os preços imagináveis, de 5, de 10, 20 e 50, e se fossemos mais espertos, poderíamos pegar uma skunk, mas eu nem me dei conta pois estava curtindo minha viagem.

Estávamos tão chapados que nem percebemos a dúzia de policiais saindo de trás das pedras e apontando armas nas nossas cabeças. Quando me dei conta eles já estavam ao meu lado. Na verdade eu é quem mais fiquei chapado, estava realmente em outro mundo, pois só percebi que estava sozinho quando os policiais me jogaram no chão e vi que o cara e meu amigo haviam corrido e me deixado ali. Alguns policiais correram atrás deles, e meia dúzia ficaram ali comigo. Eu disse que não tinha nada, afinal, o cara tinha levado toda a maconha. Eles começaram a me revistar, e como não acharam nada, começaram a me pressionar; diziam que eu seria morto ali mesmo se não encontrassem nada, e que se encontrassem eu ficaria preso por anos. Naquela altura toda minha onda já havia passado, tudo tinha passado, tanto minha felicidade, quanto minha pressão que também começou a cair.

Os policiais que correram atrás do meu amigo e do traficantezinho dele, voltaram. Pelo que escutei eles conversando entre si, os filhas da puta haviam pulado o muro do parque e entrado em uma favela de difícil acesso. Um policial alto chegou em mim, e começou a bater em meu rosto dizendo que faria da minha vida um inferno se eu não os entregassem, porém não tinha o que entregar pois eu não sabia de nada. Ao mesmo tempo que isso ocorria, um policial vasculhava o mato procurando alguma coisa que poderia me ferrar; e para o meu azar, o porco realmente conseguiu encontrar. Era um saco preto, e estava enterrado em baixo de um dos bancos. Tinha de tudo, de tudo mesmo na porra do saco, desde pinos, pedras, ácidos e outras coisas que eu nem fazia ideia que existia; e claro, tudo em grande quantidade, sendo o bastante para abastecer uma festa no batalhão… O pouco THC que estava em meu sangue, deixou tudo escuro, o jardim do éden virou o inferno, o “avião” da minha viagem estava caindo, e eu não podia fazer nada, e foi ali que minha primeira bad trip aconteceu.

O policial alto pegou algumas das coisas que estavam na sacola, e esfregou em meu rosto. Com um largo sorriso ele dizia que eu estava fodido, e o pior é que ele não estava errado.

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Otavio Moura
impublicável.

Na madrugada não me resta mais nada a fazer, a não ser escrever para não pensar em morrer.