RETRATO

João da Rocha
impublicável.
1 min readMay 25, 2020

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Escrevo com uma sensação de febre. No fundo, sei que a mudança de temperatura é uma característica amazônica. Preparo um velho café, livro do Sérgio Sant’Anna, olhadelas no pátio, carinhos no poodle cinzento. Nada arranca a sensação ilusória de febre, começo a recriar meus passos: cadeados, portões, lixos sendo jogados, cumprimentos banais, uma chuva é anunciada à frente do tempo presente. Imagino hospitais, remédios, antibióticos, delírios, o sentido, mil sentidos, forço a imaginação para me mostrar uma volta redentora e um café literário com as memórias. A febre de hoje é a sensação de algum tipo de condenação. Não posso ter febre, é um reles medo demasiado. Afirmo. Coloco a mão no pescoço para medir a temperatura como alguém que fora picado por algo invisível. Embrulho-me, pés e cabeça, apenas a alma de fora.

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