Tar: 7 mg

Matheus Meira
impublicável.
3 min readOct 12, 2016

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Eu amo cada porra de detalhe em você.

Cada vez que eu finalmente reviro os olhos pra assistir o que se agita na minha mente, você está lá. Sabe onde? Comigo. Sim. Entre muitas montanhas.
Você sempre apressado, entrando no seu carro. Eu estou botando minha bagagem com pressa de não atrasar nossa viagem, mas com uma calma soberba de retardar o máximo possível aquele momento, contigo. O carro está de frente àquela padariazinha, tradicional da região e que, de lá, vem um cheirinho tão bom de pão quentinho da tarde. É final da tarde. A gente se preparando pra enfrentar toda a estrada ladeada das extensas e grosseiras escarpas e morros. É na verdade, e no meu cenário perfeito, a versão brasileira das pradarias de Jack Kerouac, no mesmo horário em que a estrela do entardecer vai morrendo. Você lembra, o mesmo horário que o anoitecer engole os rios, apaga os caminhos e ribeiros de águas. A única coisa inflamante na estrada é você e seu poder incrível de me prender. Tudo parece morto à frente, entre tantas curvas, perto dos seus dois lábios protuberantes, bem rosinha. Da mesma tonalidade dos lábios de baixo de uma virgem nórdica. Você está com sua camisa de malha extremamente bonita, ela não é daquelas que a gente acha em qualquer arara, pendurada, pra qualquer pobre passar a mão e levar. É daquelas de malha boa, gostosa, delicada, com um corte foda, que encaixa como luva no seu corpo fofinho, da cor que eu gosto. É daquelas que a cabeça de um amante se deita por sobre os ombros e sente uma nuvem por debaixo: seu corpo e a blusa a acariciar o rosto.

A minha melhor lembrança é a de quando sentava no banco de trás, porque dali eu podia te olhar o tempo que fosse, em paz. Você com um relógio prata, que eu sempre achei tão moderninho e toante ao seu estilo. Percebe então como eu amo cada detalhe desse desenho seu? O dourado do seu cabelo estilo cebolinha, pelo espetadinho na parte de trás. E seguimos viagem. E seguimos pra casa. A caminho do seu porto seguro, não do meu…

Na última parada antes de lá chegarmos, acendo meu Hollywood azul, mesmo. Toda a classe de pedantes que me rodeia prefere Malboro, mas é desse branquinho que eu sinto falta. Sabe que vida pra mim tem gosto de alcatrão, há bastante tempo se tornou minha amante, que já chega e me beija sem nem se preocupar com a opinião dessa galera que passa os dias comigo. Praticamente nenhum deles é meu amigo. Meu amigo é esse branquinho. Aliás é meu amor. Você é minha paixão. Mas eu não posso te ter, por isso prefiro ficar aqui com ele, ardendo de baixo pra cima, até tocar os meus lábios. Mas você é intocável. O vazio que você deixa, ele preenche. Ele, a intensidade de Kerouac, o mais profundo breu de Lana, de Honeymoon, de outras encarnações até Billie Holyday. Eles também.

Sabe, na verdade, agora mais calmo, depois de pôr isso no papel: só tem crise quem não pode amar o fumo. As pessoas tem crise de asma, de bronquite. Crise no amor, a dor de cotovelo. Eu trago todas as minhas crises, as transformo em fumaça.

Os únicos pedágios são alguns remédios pra hipertensão.

Chegamos ao Rio. O cigarro apagou. Falta-me um Hollywood. Agora, mais ainda, falta você. Esse último pedágio que você cobra fica no Rio.

Uma puta hiper-tesão.

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