Uma divagação (inútil) sobre “o amor”

Anita Regina Lis
impublicável.
3 min readJan 13, 2022

--

eu me interesso muito pelo “amor”. há tempos tento elaborar em mim o que seria esse sentimento, o que isso pode significar. tantos já definiram. e dizendo assim parece inútil (e é). pois, se humanos já viviam, sentiam, experimentavam, mesmo antes de conceituarem suas vivências, então, seria nesse caso, o amor, um “acontecimento” inerente à experiência humana de forma compulsória e que acontece independente e autônomo? assim como nascimento e morte? somos condenados a amar? afinal, o quê é “o amor”?

Nietzsche tem um aforismo que se chama “As coisas que chamamos de amor”, onde ele vai, por exclusão, formando seu pensamento. vai discorrendo sobre as coisas que chamamos de amor, e que, em sua opinião não são amor de fato. ao final do aforismo (atenção para o spoiler:) ele conclui que, a única forma verdadeira de amor é a amizade. nesse ponto, concordo quase completamente com ele. esse aforismo sempre me chamou atenção. primeiro estranhei, depois concordei. e nesse momento em que em que faço esse registro não concordo nem discordo. porque pra mim, hoje, isso de “amor” parece desenhar outros contornos. contornos diversos. cores aleatórias. coisas que parecem e não são. coisas que são e nem sempre parecem.

há um tempo tenho me permitido chamar de amor as coisas que não são normalmente conceituáveis como amor. e nem eu mesma sei se são amor de fato. por que, afinal, qual é o fato que define amor? o que delimita? o que marca? o que faz com seja ou não? e se não defino, posso extrair dele sumo e semente. posso sentir amor por uma pedra que fica ali parada apenas sendo pedra. sem nenhum objetivo além de ser o que é. qual a finalidade de uma pedra? talvez seja a de me fazer ficar parada olhando e pensando bobagens como essa. sei é que sonho um dia morar no “pé da montanha”. e isso pra mim é amor.

eu passei tanto tempo vivendo de teoria porque a vida real me é muito assustadora. e o amor em mim venceu: deixou de ser conceito e passou a ser experenciado. a gente pode sim, amar profundamente alguém, ainda que seja breve. quase que instantaneamente. no momento que ouve o timbre da voz que fala num canto dentro, que nem sabia que existia. ou vê nos olhos um brilho que acende em nosso corpo-ser o que há de melhor. ou na emoção que se reconhece projetada no outro — e narciso se felicita com isso.

porém, também preciso dizer que, temos mesmo uma espécie de arquétipo do que é ou do que deveria ser amor. e é difícil se libertar. porque cada um entende “amor” de uma forma. mas, pensando que deveria entender de um jeito só. pois se quando eu te falo de “amor”, falo a partir das experiências que tive (e que não tive) desde o meu nascimento (e talvez, mesmo antes). e quando você ouve de mim sobre “amor”, entende a partir das experiências que teve (e que não teve). e isso equivale dizer que nos comunicamos às cegas quase sempre. o segredo, talvez, seja amar profundamente, intensamente, no momento em que tudo é. mas com desapego. quando acaba, ou muda, a gente segue. porque amor também é contingente. (e sim, dói sempre…)

não é amor só o que vem com o tempo. tampouco só é amor o que perdura igual por muito tempo. ou, até mesmo o que já não é mais amor, já é outra coisa, mas ainda é. as coisas todas, ou quase todas, que chamamos de amor, são amor de fato. afinal, quem pode definir o que uma abstração é? e no entanto, o amor me é tão palpável.

e também não dá pra confundir relação-amor-encantamento, com colonização. amar e querer alguém não pode fazer refém.

e nesse momento estou amando a minha capacidade de amor (seja lá o que isso significa). e ter a dimensão disso não me tolheu. pois desde então amar não significa sofrimento nem negação. amar virou algo quase à toa. porque amor é algo que tenho em mim. e o amor que tenho em mim é meu. e tenho tanto amor que me dói. amor demais dói. dói nos ossos e dói na carne. amor demais ninguém quer. e o amor, o amor só quer amar. assim como o desejo só quer desejar. será amor o (que) desejo?

o que quero aprender, afinal: amar até a dureza do dia. amar até a incerteza do amanhã. amar essa ideia de amor que a gente tem. amar a habilidade de amar. amar à toa.

--

--

Anita Regina Lis
impublicável.

se eu sinto, escrevo. e sobre isso, quase não há mistério.