Racionalidade frágil ou se puder, medite

Em busca de respostas, muitas vezes esquecemos de olhar para nossas dúvidas com carinho e honestidade.

Dalmo Borba
indō
5 min readJan 20, 2021

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Fotografia: Murilo Mellios

A racionalidade humana é frágil.

Dia desses me peguei preso aos contornos da clássica pergunta: o que devo fazer? No meu caso, ela diz respeito aos caminhos da minha vida. Sendo a existência uma dádiva tão bela e, ao mesmo tempo, curta, onde eu deveria concentrar minha energia?

Os interesses são vastos. Como escreveu Walt Whitman, “sou grande, contenho multidões”. Sou jornalista, professor, DJ, estudo música, russo, neurociência, histórias, me interessam as religiões, as pessoas e, muitas vezes, tenho a sensação de que os dias são curtos demais para fazer tudo o que gostaria.

“Tudo é impermanente e o tempo passa rapidamente. Não desperdice sua vida em vão.” A frase ressaltada em mosteiros zen budistas ecoa em minha cabeça. No meio de tantos interesses, como decidir em que concentrar minhas energias, como escolher um propósito.

Há quem diga que devemos fazer aquilo em que somos bons, combinar com o que nos pode dar dinheiro, aproveitar as oportunidades da vida… Há, inclusive, esquemas matemáticos para definir um propósito e desenhar a fórmula do sucesso.

A racionalidade humana é frágil.

Fotografia: Hugo Pretti

Não acredito em uma matemática da vida. A racionalidade humana é frágil e muitas vezes a utilizamos para justificar nossos impulsos emocionais. Envolto em dúvidas, me questiono: quantos de meus interesses são verdadeiramente meus? O que faço por que gosto? O que faço porque sou bom?

O que faço por causa dos outros? Essa pergunta sempre me pega. Temos uma ilusão de que decidimos nossa vida por conta própria, mas pesquisas científicas dão um sinal de que… opa, quando menos percebemos, somos contaminados pelas ideias dos outros. Os exemplos são enormes. Em Psicologia Social, por exemplo, David Myers discorre longamente sobre os efeitos do simples fato de criarmos grupos. O professor Robert Sapolsky, por sua vez, afirma que a própria atividade de agrupar ativa preconceitos paroquiais no ser humano, não importa quão tênue seja a categoria desse agrupamento. O mais simples agrupamento ativa uma divisão de “nós somos melhor que eles”.

Afinal, o que é a moda, senão a própria representação da impermanência humana, materializada no apego ao que os outros pensam e fazem. Muda-se a cada ano por influência do grupo, mas a cada ano amarra-se a essa mudança como se dela dependêssemos para viver.

“Há pouca virtude na ação das massas”, nos lembra Thoreau, em A Desobediência Civil. Na massa, nosso senso de responsabilidade se dissipa e fazemos coisas que não faríamos, pelo simples fato de ser parte de algo. Vale a pena ir contra minha natureza para não me sentir só?

Na dúvida, medite.

Fotografia: Hugo Pretti

Dia desses, voltando do mercado com o cara que me ensinou a meditar e se transformou em um grande amigo, conversávamos sobre a importância da autenticidade. “A autenticidade é algo tão importante quanto a consciência. Não há como ser consciente se tentamos ser outras pessoas”, ele comentou.

Mas qual o caminho para encontrar a autenticidade, se meu próprio cérebro é programado pelos outros? A monja do budismo tibetano Pema Chödrön dá uma pista: “O dano mais fundamental que podemos causar a nós mesmos é permanecer ignorantes por não ter a coragem e o respeito de olhar para nós mesmos com honestidade e gentileza.”

Difícil olhar para mim com gentileza e honestidade. Em meus devaneios, tendo a me criticar desnecessariamente a maior parte do tempo e, quando a crítica é necessária, crio narrativas que não são honestas e não dizem respeito a mim mesmo.

Na dúvida, medite.

Exemplo claro acontece quando recebemos uma crítica. Como você reage? Defende-se, criticando de volta, antes mesmo de avaliar a crítica? Cai em um desânimo e entende que a culpa é sua, ou procura avaliar o fato, os sentimentos de quem proferiu a crítica e os seus ao recebê-la? Costumamos dizer que avaliamos de forma racional, mas se algo nos incomoda, tendemos a reagir emocionalmente, além de racionalizamos e justificamos nossas ações.

No fim, para olharmos com honestidade e gentileza a nós mesmos, precisamos transcender a racionalidade. Olhar pra ela com curiosidade. Mas como olhar para nossa racionalidade de fora? Parece difícil, parece que ela se confunde com nossa própria maneira de ver o mundo.

Não há resposta pronta. Minha sugestão: na dúvida, medite. Sente ou deite e comece a prestar atenção em si mesmo, no corpo, nas sensações, nos pensamentos. Olhe com curiosidade para si mesmo, como quem assiste a um filme. Toda vez que se perceber envolvido em um pensamento, racionalização ou em uma emoção à flor da pele, seja honesto e gentil consigo mesmo: ria de si mesmo e volte a prestar atenção em si, com curiosidade, sem cobrança, sem pressa, sem objetivos. Apenas perceba-se.

Na dúvida, medite.

Continuo em dúvida, sem grandes respostas a minhas perguntas sobre o que devo fazer. Não sei e talvez nunca saiba — como a vida é curta, acabará antes de eu encontrar uma resposta. Há quem diga que a questão não é o que eu devo fazer, mas como devo fazer.

Na dúvida, medite. Talvez você não encontre as respostas, mas possa se acostumar com as perguntas e até se divertir com elas. Meditar não é fácil. Mas há caminhos e pessoas para te ajudar.

Na dúvida, medite. E se puder, mesmo em meio às dúvidas, celebre. Como nos lembra Walt Whitman:

“Eu celebro a mim mesmo e canto a mim

E o que assumo, tu assumes

Pois todo átomo pertencente a mim também pertence a ti”

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Dalmo Borba
indō

Entre a antropologia, neurociência e narrativas, me interessa porque inventamos verdades.