Urutau: o desconhecido através da música

Dalmo Borba
indō
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3 min readSep 24, 2020

Dizem que a música surgiu como uma forma de nossos antepassados se comunicarem com os espíritos da floresta. No início usavam o próprio corpo, imitavam pássaros e outros sons que ouviam, depois passaram a criar instrumentos para tentar reproduzir essa sonoridade da alma. O pouco que se sabe sobre a pré-história da música vem de estudos etnológicos e arqueológicos de diferentes partes do mundo.

Às vezes sinto que a música é a melhor forma de comunicação que existe. Independentemente do idioma, mesmo quando não compreendemos a letra, podemos comungar, cantarolar, dançar. Essa sensação fica mais forte quando me recordo dos momentos em que coloquei música brasileira para tocar em um clube no interior da Rússia e todos dançaram, ou quando me emocionei ao ouvir um tuareg cantarolar qualquer coisa que não entendia, no sul da Tunísia.

Zorba, o personagem do escritor grego Nikos Kazantzakis, costumava dançar para se comunicar com seu amigo e chefe quando percebia que as palavras eram insuficientes para dizer o que queria. O antropólogo Claude Levis-Strauss dizia que, como “a música é a única linguagem com os atributos contraditórios de ser ao mesmo tempo inteligível e intraduzível, o criador musical é um ser comparável aos deuses, e a própria música o mistério supremo da ciência do homem.”

Para mim, as músicas contam histórias — tão belas, ricas e diversas. Dizem muito sobre quem canta, sobre o povo que dança, sobre a cultura em que se desenvolveu. A música é uma narrativa que nos leva para além do universo das palavras, nos conduz pelo fantástico mundo das emoções.

Não importa se são notas simples ou arranjos complexos, o que vale é a comunicação, a maneira como ela toca a você, a mim, como faz com que olhemos um para ou outro e saibamos, sem um único verbo, o que ela quer dizer.

É possível contar a história do mundo inteiro só com música. Em cada canto uma tonalidade, uma expressão, um sentimento diferente. Como não se arrepiar com a imponência da voz de um canto tuvano, ou não se hipnotizar com os tambores transcendentais de Guiné-Bissau, que viraram lenda e ganharam o mundo para influenciar do blues à música eletrônica moderna?

Contar histórias através de músicas

Tenho certo fascínio por descobrir músicas de diferentes lugares do mundo. Cada povo me toca de um jeito diferente, me abre para uma nova forma de experimentar a vida, colore a experiência humana de um jeito diferente.

Sempre achei que não levava jeito pra música. Não tinha talento, não estudei… mas com o passar do tempo percebi que a música ganhava cada vez mais espaço em minha vida. Eu queria temperar cada passo do meu dia com uma sonoridade diferente, descobrir sabores nas notas musicais.

Do gosto pelo samba caí no hip-hop, que me levou a estudar música eletrônica. Virei DJ, decidi contar minhas próprias histórias com melodias, e foi aí que a paixão pela música reverberou na comunhão com Murilo e Cecília, amigos e cofundadores do Instituto Dō. Juntos compartilhamos a ideia de que a sonoridade pode ajudar a nos transformar, a meditar, a sentir e mergulhar em nós mesmos. Essa união foi o combustível para a materialização do Urutau, o projeto musical do indō, que tem como propósito contar histórias através da riqueza das músicas étnicas e folk, com uma pegada eletrônica e downtempo. Periodicamente, selecionamos músicas especiais, com atmosfera de diferentes lugares do mundo e as compilamos em sets musicais do projeto Urutau.

O projeto ganhou esse nome porque Urutau é pássaro e lenda, é musical e narrativa. Conhecido como mãe-da-lua, é uma ave envolta em superstição. Algumas pessoas não gostam dele por ser considerado feio, ou porque supostamente traz mau agouro. É como o medo que muitas vezes temos de outras culturas, com costumes diferentes, que desconhecemos. No indō, acreditamos em nos abrir ao desconhecido, ao novo, ao outro. O Urutau é nossa maneira de fazer isso com música.

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Dalmo Borba
indō
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Entre a antropologia, neurociência e narrativas, me interessa porque inventamos verdades.