O Quarto

Diego Santos
Incomunidade Crônicas
3 min readOct 8, 2015

--

A tempestade lança violentamente gotas de água nos vidros da janela do quarto e ele acorda assustado achando que talvez aquele seja realmente o fim, o ponto final. Um precipitado suspiro de alívio escapa-lhe dos lábios ressecados pelas lágrimas de outrora, segundos antes da constatação definitiva: Ainda não.
A decepção aperta-lhe o coração com uma mão implacável carregada de ressentimento.
Do outro lado da janela fechada, as vozes da tempestade chamam o seu nome, gritam pela noite escura quem ele realmente é, revelam ao mundo inteiro antigos segredos escondidos. A vergonha seca-lhe a garganta bloqueando a voz que pediria perdão. O arrependimento é como uma série de agulhas bem finas que penetram em todas as fibras do seu coração provocando uma dor que beira o insuportável.
Ele afunda de novo a cabeça no travesseiro fechando os olhos com força, como se quisesse que as pálpebras lhe fossem coladas. Ele não quer ver o que a luz dos relâmpagos revelam do quarto a sua volta, da realidade em que tão firmemente escolheu prender-se. Esconder-se nas sombras do quarto fechado é a única forma que ele encontrou de não confrontar-se, ao menos naquele momento, com a visão terrível do que encontra-se lá fora.
O tempo passa e a angústia que sente só é diminuída quando finalmente ele pega num sono intranquilo, povoado de sonhos estranhos, inteligíveis.
Subitamente, no entanto os olhos se abrem. Palavras antigas que a muito não pronunciava lhe vêem à mente. Algo estranho brota em seu coração. Uma voz, quase um sussurro, alcança-lhe os ouvidos, silenciando os ruídos da tempestade.
Ela chama seu nome. Seu verdadeiro nome.
Os olhos se abrem. Os trovões ainda gritam lá fora mas há um estranho silêncio no quarto vazio. Uma luz quente, confortante, invade o ambiente pela fresta sob a porta.
Música de ninar, festinha infantil, manhã de natal, reunião de família, abraço de mãe.
A voz lhe chama de novo. Uma mão bate levemente à porta. Ele levanta. Os pés descalços no chão frio provocam um despertar.A tempestade lança violentamente gotas de água nos vidros da janela do quarto, mas cada passo mais perto da porta é um passo mais longe da janela. E do que há lá fora. A batida agora insistente pouco a pouco preenche o silêncio ao redor e, aproximando-se, ele pega a maçaneta.
As batidas cessam, o silêncio é total agora. Ele espera, a testa inclinada apoiada na madeira fria da porta. Pensa que há Alguém bem ali do outro lado que sabe quem ele é, conhece de cor a escuridão daquele quarto vazio. O incrível é que mesmo assim esse Alguém o chama e, batendo à porta, pede para entrar. Inexplicavelmente quer estar ali dentro também.
A maçaneta gira inconscientemente. A porta que abre deixa entrar uma forte luz que preenche o quarto inteiro.
Que é ele mesmo.

Apocalipse 3:20

--

--