O desaparecimento perfeito de Richey Edwards

O guitarrista do Manic Street Preachers foi oficialmente declarado morto em novembro de 2008, mas o corpo do músico nunca foi encontrado

Millena Borges
Inconclusivo
10 min readOct 27, 2020

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Richey Edwards, guitarrista do Manic Street Preachers, desapareceu aos 27 anos em 1995 — Créditos: Sony Music Archive / Mark Baker

Richey James Edwards, guitarrista e compositor da banda de rock Manic Street Preachers, desapareceu no dia 1 de fevereiro de 1995, aos 27 anos. Ele estava hospedado em Londres e foi visto pela última vez por James Bradfield, vocalista da banda. O carro de Edwards foi encontrado 2 semanas depois, mas até hoje não há informações sobre o paradeiro do músico.

Richey foi declarado morto em 2008, embora nenhum corpo tenha sido encontrado. Ele tinha histórico de depressão, automutilação e anorexia, o que levou à especulação de que ele havia se suicidado. Não há provas que sustentem tal teoria.

A irmã de Richey, Rachel Edwards, não acredita nessa hipótese. No livro Withdrawn Traces: Searching for the Truth About Richey Manic, escrito com a ajuda dela, a suspeita trabalhada é de que Richey havia planejado seu desaparecimento. O histórico do guitarrista e da família dele pode ser um indício de que ele havia fugido.

Richey Edwards: enigmático, polêmico e melancólico

Richey, ainda adolescente, com o cachorro da família dele — Reprodução: Western Mail

Richey Edwards nasceu em 22 de dezembro de 1967 em Blackwood, País de Gales. Edwards levou uma infância normal e feliz: morou com a avó, frequentava a escola e passava as tardes brincando com a irmã mais nova, Rachel. Apesar de pouco sociável, ele sempre foi considerado uma pessoa muito inteligente e culta.

Em 1985, Richey começou a estudar História Política na Universidade de Wales, em Cardiff. Com os trabalhos acumulando, Richey desenvolveu problemas para dormir. Em seu terceiro ano de faculdade, ele descobriu um remédio para a insônia: vodka. Durante todas as noites, ele bebia até desmaiar.

As bebedeiras aumentaram progressivamente mas, em certo momento, pareciam perder o efeito desejado. Foi nessa época que James Dean Bradfield, amigo de Richey e vocalista do Manic Street Preachers, viu o amigo se auto mutilar pela primeira vez.

Apesar de Richey ter se tornado membro oficial da banda em 1989, o guitarrista sempre se sentia deslocado dentro do grupo. Com o passar dos anos, seus problemas pessoais aumentavam e Edwards se isolava cada vez mais.

Em maio de 1991, Richey deu uma polêmica entrevista para a revista NME. Steve Lamacq, DJ e jornalista que entrevistava a banda, duvidava do discurso político que eles faziam. Lamacq questionou a autencidade dos Manics em uma de suas perguntas, justificando que “as pessoas podem não levar vocês a sério” (“some people might regard you as just not for real”).

Após o show, Richey convidou Lamacq para um bate-papo. Enquanto conversavam, o guitarrista utilizou uma lâmina de barbear para cortar “4 REAL” no braço. Ele queria deixar claro que a banda não estava vendendo uma imagem e que ele levava tudo o que falavam a sério (4 real = for real).

O jornalista ficou tão assustado com a calma que Richey se portava enquanto se mutilava que sequer pensou em pedi-lo para parar. No dia seguinte, o músico ligou para Steve pedindo desculpas pelo incidente.

Richey Edwards em um ensaio para a revista NME com os cortes já cicatrizados — Créditos: Revista NME

O fato de que o guitarrista praticava automutilação não era segredo entre os membros da banda. Na verdade, Richey era bem aberto quanto a isso. O vocalista do Manic Street Preachers contou em entrevista para a revista Select em 1995 que, dois anos antes, Richey utilizou um compasso para se cortar na frente dos outros integrantes.

“Richey se cortava na mesma naturalidade que alguém roí as unhas quando fica nervoso”, descreve a revista. Em um dos episódios relembrados na matéria, o guitarrista estava assistindo televisão com o empresário da banda e a esposa dele quando tirou uma lâmina do bolso e começou a se cortar. O músico pedia desculpas e parava quando as pessoas o pediam, mas o hábito era constante.

Os anos passavam e Richey estava cada vez mais isolado e triste. Ele chorava durante as gravações no estúdio, bebia demais e continuava a se mutilar. Em 1993, o empresário da banda morre de câncer, abalando os Manics profundamente. No ano seguinte, Richey se mudava da casa dos pais. Ainda sofrendo de depressão, ele fumava e bebia em excesso todos os dias, e continuava a ter problemas para dormir.

Em 1994, Richey parou de comer e desenvolveu anorexia. Antes do lançamento de The Holy Bible, naquele mesmo ano, Richey decidiu buscar ajuda psiquiátrica. Internado por três meses, ele retornou relativamente bem e com uma prescrição de Prozac para tratar a depressão. Mas aquele estado não durou muito tempo.

Em dezembro de 94, em uma turnê na Alemanha, Nicky Wire, baixista da banda, acordou no quarto de hotel que dividia com Richey e percebeu que o músico não estava lá. Preocupado, ele saiu em busca do amigo e o encontrou do lado de fora do hotel, ainda de pijamas, virado para a parede, se balançando. Wire notou que havia sangue no rosto do guitarrista. Richey disse “Eu quero ir pra casa” antes de bater com a cabeça na parede mais uma vez.

Cinco meses depois, em janeiro de 1995, o cachorro de infância de Richey morreu. O músico ficou devastado, raspou a cabeça e jogou grande parte dos seus cadernos — contendo letras de música e notas — em um rio. Os que restaram, ele deu para Nicky. Poucos dias depois, Richey desapareceu.

O rock político e intelectual do Manic Street Preachers

Da esquerda para direita, Nicky Wire, James Dean Bradfield, Sean Moore e Richey Edwards (deitado) — Créditos: Andre Csillag/REX Shutterstock

Original do País de Gales, Manic Street Preachers foi formada em 1986 por James Bradfield (vocal e guitarra), Nicky Wire (baixo) e Sean Moore (bateria). Inicialmente, Richey trabalhava como motorista e roadie para os Manics, mas se tornou o quarto membro após o lançamento do single de estreia da banda, “Suicide Alley”, em 1989.

A banda começou a ganhar popularidade em 1991 e, com a fama, vieram as críticas. Diversas pessoas duvidavam das ideias do Manic Street Preachers e acreditavam que eles eram uma “versão barata” do The Clash. Isso afetava Richey muito mais do que os outros integrantes.

Nicky disse em uma entrevista para a revista SKY em 1994: “A diferença entre Richey e eu é que ele sempre quis ser compreendido, e eu prefiro ser incompreendido. Eu não sinto a necessidade de que as pessoas me amem e me respeitem. Richey sente. Ele não consegue lidar com o fato de que as pessoas não gostam dele.”

Em 1994, foi lançado o The Holy Bible, um dos álbuns de mais sucesso do quarteto, cujo 80% das letras eram de autoria de Richey. Em 1995, após o desaparecimento dele, a banda decidiu seguir como um trio. Por mais de uma década, a banda continuou a depositar 25% dos royalties na conta de Richey, na esperança de que ele retornasse um dia.

Richey Edwards desaparece deixando para trás bagagens e documentos

Foto divulgada após o desaparecimento do músico — Créditos: National Missing Persons Helpline/PA

No dia 31 de janeiro de 1995, James Bradfield havia seguido até o quarto de hotel de Richey Edwards para que eles pudessem visitar a cidade. Richey recusou a oferta, dizendo que preferia ter a noite para si mesmo.

No dia seguinte, Richey e James deveriam se encontrar no lobby do hotel para uma viagem aos Estados Unidos, onde promoveriam o novo álbum, The Holy Bible. Edwards nunca apareceu. Preocupado, o vocalista pediu que funcionários do hotel checassem o quarto do guitarrista.

Foram encontrados a bagagem de Richey e uma caixa contendo livros, vídeos, fotos e uma nota escrito “eu te amo”, que acreditaram ser destinada para a ex-namorada dele.

Por volta das 7 horas da manhã daquele dia, Richey deixou o Embassy Hotel de carro rumo ao País de Gales, onde residia. O veículo foi encontrado sem bateria no dia 17, duas semanas depois, localizado próximo à ponte Severn, em Bristol. Haviam evidências de que Richey havia morado no veículo por alguns dias. A especulação da época era de que o guitarrista havia se matado, visto que a ponte Severn era conhecida por sua frequência de suicídios.

A família de Richey não acredita na teoria de suicídio. Em 94, Richey declarou: “Em termos da palavra com ‘S’: isso não entra na minha cabeça. Isso nunca passou pela minha cabeça, em termos de tentativa. Porque eu sou mais forte do que isso. Eu posso ser uma pessoa fraca, mas eu consigo lidar com dor.”

Dentro do carro foram encontrados uma pequena coleção de fotos da família de Edwards e um recibo de pedágio que informava o horário de travessia da ponte: 2.55. Na época, a polícia trabalhou a investigação em torno do horário de 2h55 da tarde. Em 2018, 23 anos depois, foi descoberto que o relógio do pedágio era de 24h, o que significava que Richey atravessou a ponte às 2h55 da manhã.

Isso significa que, além de as investigações terem sido feitas em torno do horário errado, havia um período desconhecido de 20 horas entre a saída do músico do hotel e o local onde seu carro estava. São apenas 3 horas de viagem de carro da Bayswater Road, onde localiza-se o Embassy Hotel, até a Severn View.

Durante as investigações, foi descoberto que Richey havia retornado para sua casa em Cardiff, País de Gales. Ele deixou seu passaporte e cartões de créditos lá. Acredita-se que ele também visitou Blackwood, cidade onde crescera.

Não foi a primeira vez que Richey desaparecia o que, inicialmente, não preocupou tanto os amigos de banda. Com o passar dos dias, e nenhum sinal ou notícia de seu paradeiro, a aflição passou a crescer.

A lacuna entre o dia 1 e o dia 17

O carro de Richey foi encontrado abandonado próximo à ponte Severn — Créditos: Wales News Service

Desde o desaparecimento de Richey até os anos seguintes, houveram diversos relatos de pessoas que o viram em locais diferentes na Europa e até na Ásia, no entanto, nenhum deles foi realmente investigado.

Dentro do período em que ele desapareceu e seu carro foi encontrado, houveram dois relatos. No dia 5 de fevereiro, um fã de Manic Street Preachers contou ter visto Richey na estação de ônibus Newport Central. Ele disse ter conversado com o guitarrista sobre um amigo em comum e que, na época, não sabia sobre seu desaparecimento.

No dia 7, um motorista de taxi contou ter levado um jovem de Newport até Blackwood, cidade natal de Richey. O passageiro perguntou ao taxista se ele poderia se deitar no banco de trás e pediu para que ele evitasse estradas movimentadas. Chegando em Blackwood, o homem disse estar no local errado e pediu para ser levado até a estação de Severn View.

“Richey Edwards era obcecado pelo desaparecimento perfeito”

Richey Edwards possuía casos de desaparecimento na família — Créditos: Getty Contributor

A irmã de Richey, Rachel Edwards, ajudou os autores Sara Hawys Roberts e Leon Noakes a escreverem o livro “Withdrawn Traces: Searching for the Truth About Richey Manic”. Nele, algumas teorias foram abordadas, dentre elas a teoria de que Richey forjou a própria morte.

Além de abordar relatos de pessoas que viram Richey após fevereiro de 1995, o livro conta que Richey era obcecado pelo “desaparecimento perfeito” desde muito jovem.

Em um trabalho escolar de 1980, Richey escreveu uma história sobre “desaparecer pela ponte Severn” e, no ano seguinte, um conto sobre “um plano para escapar para a liberdade”.

O livro também conta que na família de Richey haviam casos de desaparecimento e isolamento. Sua tia avó, por exemplo, viveu como eremita por 80 anos na casa onde ela cresceu, e seu tio viveu isolado nos Estados Unidos durante 10 anos, em 1960.

Além disso, Richey também demostrava interesse por “Eddie, o Ídolo Pop”, um filme de drama de 1983 que investiga o desaparecimento de um vocalista de banda de rock. Aparentemente, Richey também se interessava por “A Queda e Ascensão de Reginald Perrin”, uma comédia britânica sobre um homem que finge a própria morte.

Não há evidências que comprovem tais teorias, mas no período de 2 semanas anterior ao desaparecimento, Richey retirou £200 libras de sua conta bancária por dia, totalizando £2800 no início de fevereiro.

Richey foi declarado morto em novembro de 2008, embora nenhum corpo tenha sido encontrado. Em 2018, uma matéria do Daily Star Online confirma que as investigações ainda estão em aberto e que os policiais ainda procuram pelo guitarrista desaparecido.

O último show no teatro Astoria, em Londres

Fã invade palco durante show do Manic Street Preachers e beija Richey Edwards — Reprodução/Twitter

No dia 21 de dezembro de 1994, a banda Manic Street Preachers tocou o seu último show como um quarteto no antigo teatro Astoria, em Londres. Em entrevista para a revista GQ, a irmã de Richey contou que o músico havia convidado várias pessoas que ele considerava importantes para assistirem àquela apresentação. Ela acredita que, naquela época, ele já estava decidido que desapareceria dois meses depois.

Conclusões policiais precipitadas

A polícia investigou a casa dos pais de Richey em busca do guitarrista às 3 da manhã — Fotografia: Kevin Cummins

Rachel também aborda como a polícia lidou mal com o caso desde o início. Além das investigações terem girado em torno da pista errada (acreditava-se que Richey atravessou a ponte Severn às 14h55 quando, na realidade, foi às 2h55), diversos outros episódios fizeram a irmã mais nova de Richey se desapontar com a investigação.

Na entrevista para a revista GQ, ela menciona um episódio onde a polícia apareceu às 3 da manhã na propriedade dos pais de Richey, acreditando que o músico poderia estar se escondendo lá, fingindo seu desaparecimento.

Mesmo o guitarrista sendo classificado como ‘pessoa de alto risco’ (devido seus problemas psiquiátricos), a polícia nunca realizou buscas nos rios ou utilizou helicópteros. Ainda, as pessoas que viram Richey pela última vez jamais foram intimadas para dar depoimento e, de acordo com Rachel, era muito difícil entrar em contato com os responsáveis pela investigação.

Rachel diz que a polícia rapidamente deduziu que Richey era um rockstar egocêntrico. Mas, ao contrário do ponto de vista policial, esse não era bem o caso. Embora tenha sido o sonho de Richey se tornar um músico, ele logo percebeu aquela vida cansativa e desafiadora. Era difícil manejar a pressão das críticas quando ele já lidava com seus demônios internos. No final das contas, o horário errado não foi a maior falha da investigação, mas a má vontade de buscar pistas para o que eles acreditavam ser mais um caso de um rockeiro narcisista.

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Millena Borges
Inconclusivo

Entusiasta de sad songs, vegetariana, apaixonada por pets, livros, música e moda. Escrevia sobre unsolved mysteries, hoje escrevo sobre qualquer outra coisa