Como manter a disciplina numa classe de crianças completamente livres em seus movimentos?

Psicologia, Maternidade e DM1
infanciapositiva
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4 min readJun 24, 2018

Trechos do livro Pedagogia Científica: a descoberta da criança

por Maria Montessori

“A large number of colorful origami cranes scattered across a table” by Dev on Unsplash

“Inicialmente, convém dizer que é bem outra a nossa concepção de disciplina. A disciplina deve, também ela, ser ativa. Não é um disciplinado o indivíduo que se conserva artificialmente silencioso e imóvel. Indivíduos assim são aniquilados, não disciplinados. Disciplinado, segundo nossa concepção, é o indivíduo que é senhor de si mesmo, e, em decorrência, pode dispor de si ou seguir uma regra de vida. Tal concepção de disciplina ativa não é fácil nem de se entender nem de praticar; encerra, não obstante, um elevado princípio de educação bem diferente da imobilidade.

Requer-se da mestra uma técnica especial para introduzir a criança nesta via de disciplina em que ela deverá depois caminhar a vida toda, em marcha incessante para a perfeição. Assim como a criança que aprende a mover-se corretamente e disciplina seus movimentos está sendo preparada não somente para a escola, mas também para a vida, tornando-se um indivíduo correto por hábito e por prática em suas relações sociais cotidianas, assim também a criança deverá amoldar-se a uma disciplina que se não circunscreva tão somente ao meio escolar, mas abarque igualmente o âmbito social. Sua liberdade deve ter como limite o interesse coletivo, e como forma aquilo que denominamos educação das maneiras e dos gestos. Devemos, pois, interditar à criança tudo o que pode ofender ou prejudicar o próximo, bem como todo gesto grosseiro ou menos decoroso. Tudo o mais — qualquer iniciativa, útil em si mesma ou de algum modo justificável — deverá ser-lhe permitido; mas deverá igualmente ser observada pelo mestre; eis o ponto essencial.

O mestre há de ter não só a capacidade de um preparador de laboratório, como também o interesse de um observador ante os fenômenos naturais. Segundo nossa metodologia deverá ser mais ”paciente” que “ativo”; e sua paciência se alimentará de uma ansiosa curiosidade científica e de respeito pelos fenômenos que há de observar, É necessário que o mestre entenda e viva seu papel de observador. […] A humanidade, que já se pode vislumbrar na infância como o sol na aurora, deve ser respeitada com religiosa veneração; e todo ato, para ser eficazmente educativo, deverá favorecer o completo desenvolvimento da vida.” (pp. 45–46).

“A primeira noção que as crianças devem adquirir em vista a uma disciplina ativa é a noção do bem e do mal. E é dever da educadora impedir que a criança confunda bondade com imobilidade, maldade com atividade; isto seria retroceder aos antigos métodos de disciplina. Nosso objetivo é disciplinar a atividade, e não imobilizar a criança ou torná-la passiva. Uma classe em que todas as crianças tivessem uma atividade útil, inteligente e consciente, sem manifestar nenhuma indelicadeza, parecer-me-ia uma classe bem disciplinada. Enfileirar as crianças, marcar a cada uma o seu lugar e pretender que elas fiquem aí bem quietinhas, observando a ordem convencionada, tudo isto se seguirá naturalmente; porém, como uma manifestação de educação coletiva. Ocorre-nos também, por vezes, dever ficar sentados e imóveis ao assistir, por exemplo, um concerto ou uma conferência. E bem sabemos como isto constitui um sacrifício para nós. Pode-se, pois, enfileirar as crianças, marcando a cada uma o seu lugar; mas, pode-se, igualmente, explicar-lhes o motivo desta conduta, de modo a fazê-las assimilar um princípio de ordem coletiva; eis o que importa. Imbuídas desta ideia, elas se levantam, falam, mudam de lugar, mas de um modo diferente que antes; isto é, elas querem levantar-se, falar etc., nesse estado de repouso e de ordem que já lhes é próprio. Empreendem uma ação conscientemente, sabendo que há outras que lhes são proibidas: a pouco e pouco aprenderão a discernir entre o bem e o mal.

O movimento das crianças disciplinadas torna-se sempre mais coordenado e perfeito à medida que os dias vão passando. Efetivamente, elas aprendem a disciplinar seus próprios gestos, e por sua vez, a mestra tirará suas conclusões observando como as crianças substituem seus primeiros movimentos desordenados por movimentos espontaneamente disciplinados. Eis o livro que deverá orientar suas iniciativas, o único que há de ler e estudar para se tornar uma boa educadora. Em virtude destes exercícios, a criança seleciona suas próprias tendências, anteriormente confusas na desordem inconsciente de seus movimentos (pp. 50–51).

“Para ser eficaz, uma atividade pedagógica deve consistir em ajudar as crianças a avançar no caminho da independência; assim compreendida, esta ação consiste em iniciá-la nas primeiras formas de atividade, ensinando-as a serem autossuficientes e a não incomodar os outros. Ajudá-las a aprender a caminhar, a correr, subir e descer escadas, apanhar objetos do chão, vestir-se e pentear-se, lavar-se, falar indicando claramente as próprias necessidades, procurar realizar a satisfação de seus desejos: eis o que é uma educação na independência.”

[…] Quando falamos da “liberdade” da criança pequena, não nos referimos aos atos externos desordenados que as crianças, abandonadas a si mesmas, realizariam como evasão de uma atividade qualquer, mas damos a esta palavra “liberdade” um sentido profundo: trata-se de “libertar” a criança de obstáculos que impedem o desenvolvimento normal de sua vida. A criança sente-se impulsionada para uma grande empresa: crescer e tornar-se adulto. Mas, como não tem ainda consciência de suas necessidades interiores, os adultos, na impossibilidade de interpretá-las fazem as vezes dela; e nossa vida social, familiar e escolar fundamentada sobre não poucos erros cria verdadeiros obstáculos à expansão da vida infantil. Corrigir estes erros, estudando mais profundamente as necessidades íntimas e ocultas da primeira infância, com o intuito de ajudá-la, é libertar a criança.” (pp. 57–58).

“A obediência não poderá ser obtida senão através de uma formação da pessoa psíquica; é necessário, para obedecer, não somente querer obedecer, mas também saber obedecer. Ordenar qualquer coisa é pretender uma atividade correspondente, factícia ou inibidora; a obediência, em decorrência, compreende uma formação da vontade e uma formação intelectual.”

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