Aaron Rodgers e a persistência até o último segundo

Roberto Guraib
Infinity Yards Brazil
4 min readSep 10, 2018

Era o primeiro jogo da temporada. Em campo, a rivalidade mais antiga — e, discutivelmente, a maior — da NFL. Green Bay Packers vs Chicago Bears. Do lado dos cabeças de queijo, um dos melhores quarterbacks da história de contrato renovado (e que contrato, “diga-se de passagem”); do outro, um time totalmente reestruturado, com uma jovem promessa na mesma posição e com a chegada de uma nova estrela (Khalil Mack). A promessa de um grande jogo se cumpriu, mas ele foi muito maior do que isso.

Os Bears começaram amassando o time de Green Bay. Com excelentes chamadas ofensivas e uma defesa extremamente sólida e agressiva (Khalil Mack e seus companheiros de linha defensiva estavam conseguindo colocar pressão em Aaron Rodgers), logo no início do segundo quarto o placar já indicava 10–0 para o time de Chicago. Então, faltando 9 minutos para o fim do 2ºquarto, aconteceu um anticlímax que ninguém gostaria de ver. Em uma 3rd&9, Rodgers foi sackado (quando um jogador da defesa derruba o quarterback) e sentiu uma lesão no joelho; mal conseguia andar. Ao ver seu principal jogador subir na maca, a torcida dos Packers observava ir com ele a expectativa de uma temporada inteira. A lesão no ligamento cruzado médio poderia significar o fim da temporada de Rodgers e das aspirações da franquia. O QB (quarterback) não retornou até o intervalo. Ficou na tenda médica fazendo testes no joelho. Enquanto isso, em campo, Khalil Mack e cia. continuavam amassando o oponente, terminando o 2º quarto com um sonoro 17–0. Estava cada vez mais longe.

Enquanto todo o time dos Packers estava no vestiário preocupado se sua principal estrela estaria bem para o resto da temporada, este continuava fazendo testes em seu joelho. Quando o time voltou a campo para a segunda metade da partida, Rodgers estava com eles. Ele não precisava se arriscar. Era apenas o primeiro jogo; a temporada inteira não precisava ser comprometida por uma tentativa de vitória na primeira partida. Em uma das reuniões antes de um jogada, Rodgers demonstrou em poucas palavras o que é ser um líder de verdade: “Façam o seu trabalho, e eu cuidarei do resto”. Mesmo “sem uma perna” ele carregou a responsabilidade nas costas, arriscando tudo por uma simples vitória. Mas não era uma simples vitória. Era o espírito vencedor de Rodgers falando mais alto do que qualquer prescrição médica. Grandes jogadores como ele, Tom Brady, Joe Montana ou Peyton Manning, não estão lá para jogar e fazer bonito; estão lá para vencer, mesmo que para isso seja necessário — literalmente — jogar sem uma perna.

Jogada após jogada, ele liderou a marcha do seu time — como um exército que sabe que é mais fraco, mas possui o melhor general. O lançamento de 52 jardas para Geronimo Allison simboliza bem isso. Rodgers apoiou seu corpo em cima do joelho fraturado, pouco se importando se estouraria os ligamentos ou não; era o instinto de vencer agindo por ele. Uma das jogadas que ficarão marcadas em sua carreira.

O jogo continuou. Os Bears marcaram um field goal, mas o touchdown ainda daria a vitória a Green Bay.

Bola na linha de 25 jardas do seu próprio campo. 1st&10. Rodgers lança a bola e quase é interceptado. Por uma fração de segundos ele vê tudo ir embora. A derrota estava nas mãos de Kyle Fuller, o defensor dos Bears. Mas estava tudo bem, a culpa não seria dele, não é mesmo? Ele já havia sido um herói ao retornar e jogar lesionado arriscando a temporada. Ele tentou. Porém, para um vencedor, tentar não basta. Por ironia ou um toque de mágica, Fuller não interceptou uma bola fácil e deu mais um toque de tinta no braço de Rodgers — que escreveria a história. Na jogada derradeira da partida, faltavam apenas 2:30 no relógio. O que para alguns simboliza pouco, para ele é uma eternidade. Um passe na única janela existente para Randall Cobb. 75 jardas de avanço. Touchdown. Mitchell Trubisky (o jovem quarterback dos Bears) ainda teve tempo para tentar uma reação, mas a sua inexperiência falou mais alto.

Aaron Rodgers dá uma valiosíssima lição de persistência e liderança. Novamente, ele não precisava estar ali, ele poderia pensar na sua saúde e se preservar pensando no resto da temporada. Mas ele lutou, persistiu e acreditou. Quando perguntado, depois do jogo, o que ele pensou quando o time estava perdendo de 20–0, no início do 3º quarto, ele disse: “Sete vezes três” (o touchdown + extra point somados combinam para 7 pontos). Depois dessa frase, creio que nada mais pode resumir o seu espírito vencedor; as palavras falam por si só. Vida longa, ao rei do Norte.

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Roberto Guraib
Infinity Yards Brazil

Economia — Insper. Redator no ProFootball Brasil. Apaixonado por futebol americano e pelo Corinthians. Digna Factis Recipimus