Nem só de pão se vive: ação de bibliotecário e padre leva livros a pessoas em situação de rua em SP

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3 min readSep 7, 2020

Por: Gilberto Bazarello

O ato de doar um livro é, por excelência, uma ação carregada de simbolismos. Um desses simbolismos é a experiência que isso representa, já que transcende a ideia do doar.

Frase de Neil Gaiman: “ Um livro é um sonho que você tem nas mãos”.

Abstrato? Um pouco, mas simples de entender. Quem presenteia um livro, realiza muito além que a entrega de um produto, posto que oferece ao outro uma história, presenteia o abstrato, possibilitando, assim, o intangível, o imaterial! Por fim, é fazer com que alguma história viaje, que passe por mãos, mentes e corações de gentes que ainda estabelecem com o livro essa relação amorosa e a um só tempo dependente. É algo crucial, diga-se, em tempos de recrudescimento de discursos, da relativização das verdades e, pasmem, da taxação de livros!

E quando você escuta, em meio aos tempos da peste, que pessoas invisibilizadas, sem teto, sem um lugar para chamar de seu, desejam por livros? A fala, só crível porque proferida pelo Padre Júlio Lancellotti, pároco, monsenhor e incansável ativista da Paróquia São Miguel Arcanjo, da Mooca, veio num programa de entrevistas, na TV: “As pessoas em situação de rua me pedem livros”.

A menção do padre, em rede nacional, martelou cabeças. Se não, deveria. Lembram do cunho liberal e humanista da nossa profissão? Algo fundamentado na dignidade da pessoa humana? Eis a oportunidade de tangenciar essa verdade biblioteconômica. Reflitam: em que pese a falta de um lar, as pessoas querem se alimentar, também, do imaterial, da letra, da história.

A partir daí, iniciamos a arrecadação de livros e doamos 700 exemplares, entre livros infantis, de literatura, de psicologia entre outros temas, ao Centro Comunitário São Martinho de Lima, lá no Belenzinho, lado leste da capital paulista. Algumas obras serão doadas, mas o espaço quer uma biblioteca, de modo que as pessoas usufruam dos livros em sistema de empréstimos. E aos céticos de plantão sobre como funciona um sistema de empréstimo aos mais vulneráveis, uma notícia: isso já acontece. Uma funcionária mantém o controle num caderno, de tudo que saiu, de tudo que voltou.

O bibliotecário Gilberto Bazarello (à esquerda) e o Padre Júlio Lancellotti (à direita)

Conseguimos ainda duas estantes que poderão acomodar os livros e facilitar o sistema de empréstimo. Os próximos desafios? Manter as doações de obras em bom estado e pensar num sistema gratuito de operação de empréstimos. Mas há um desafio que ainda precisa ser superado por nós.

A escuta e a sensibilidade são sem dúvida matéria prima capaz de conceber qualquer ação. E uma ação com livros e pessoas em situação de rua é a personificação dessa tal escuta e sensibilidade. Sigamos!

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