Design Thinking, muito para além do design

Paulo Dias
Innovagency
Published in
12 min readOct 18, 2022
Grupo de pessoas a olhar para esboços de designs de interfaces e post-its com notas escritas.

Uma História Breve

De vez em quando surgem novas formas de organizar o trabalho que levam a extraordinárias melhorias. Isto aconteceu em 1980. Quando a Total Quality Management (TQM) introduziu no seu processo de manufatura, uma combinação de ferramentas. Entre elas podiam-se contar quadros kanban e círculos de qualidade. Isto porque compreenderam que os trabalhadores conseguiam ter maior rendimento do que estavam a ter.

Recentemente a revista Harvard Business Review estudou a fundo um leque de 50 projectos de um variado universo de sectores. Descobriu então que o design thinking tinha o potencial de fazer à inovação aquilo que a TQM fez para a manufatura.

O termo ‘design thinking’ tornou-se num jargão com o qual muitos gestores e executivos já estão familiarizados. Mas aquilo que alguns podem não se ter apercebido é da forma como o design thinking contorna os viézes humanos (p.e. enraizamento no status quo) ou o apego a normas comportamentais específicas (p.e. ‘essa é a forma como sempre fizémos as coisas’) o que geralmente limita o exercício da imaginação.¹

Como é que sabes que resolveste o problema certo?

– Donald Norman

O design thinking existe há muito tempo. Sempre existiu na arquitectura (p.e. na construção de casas e monumentos) ou na engenharia (p.e. na construção de pontes e barragens), tudo exemplos de produtos finais de um processo de design. Ao longo da história da humanidade o bom design sempre aplicou abordagens criativas centradas no utilizador. O objectivo era produzir soluções eficazes e com significado.²

Hoje em dia um bom designer nunca começa a sua abordagem resolvendo os problemas que lhe são apresentados. Ao invés disso, tenta compreender qual a verdadeira questão subjacente a esse problema. Isso é feito através da aplicação de um conjunto de técnicas que o ajuda a evitar chegar a uma solução demasiado fácil. O problema original não é mais do que um ponto de partida. Daí, ele diverge procurando estudar a população a que essa solução se destina. Simultaneamente tenta perceber que resultado é que essas pessoas estão a tentar obter. Este processo gera uma sucessão de ideias atrás de ideias. O objectivo é evitar agarrar logo a primeira solução que salta à vista. Ao invés disso, o designer investe tempo a tentar determinar qual é a necessidade básica e fundamental do utilizador. Só depois de ter esta questão bem esclarecida é que começa a convergir na proposta de uma solução. A este processo chamamos design thinking.

Tal como sugerido em cima, este processo não é exclusivo dos designers. Mesmo que inconscientemente, todos os grandes inovadores da história praticaram o design thinking. Quer tenham sido artistas, poetas, escritores, cientistas, engenheiros ou empresários.³

Em suma, o design thinking pode ser definido como um processo iterativo não-linear que visa compreender os utilizadores, os seus desafios e assunções. Redefinir problemas e criar soluções inovadoras as quais podem ser prototipadas e testadas. Este método engloba cinco diferentes fases e é particularmente útil para lidar com problemas difíceis de definir ou mesmo desconhecidos:⁴

  1. Empatizar
  2. Definir
  3. Idear
  4. Prototipar
  5. Testar

Esta definição baseia-se em duas das mais importantes ferramentas à disposição dos designers. Design centrado no utilizador (human-centered design ou HCD) e o modelo de design de dupla divergência e convergência chamado double-diamond (diamante duplo).

Design thinking é uma abordagem à inovação centrada no utilizador. Inspira-se em ferramentas de design com vista à integração das necessidades das pessoas, as possibilidades da tecnologia e os requisitos de sucesso do negócio.

– Tim Brown, Executive chair da IDEO

Human-centered Design

As equipas de design usam o design thinking para lidar com problemas pouco definidos ou desconhecidos. Estes problemas também são conhecidos como wicked problems. Isto permite recentrá-los no ser humano e assim focar naquilo que é realmente importante para os utilizadores.⁴

Um processo human-centered (HCD) visa confirmar que as verdadeiras necessidades das pessoas estão a ser endereçadas, garantir que o produto é compreensível, que a ferramenta a ser desenvolvida cumpre a tarefa a que se propõe, que proporciona uma experiência agradável, etc.

Um design eficiente necessita de responder a um determinado número de condicionantes e preocupações. O HCD é um processo que visa lidar com estas necessidades ao mesmo tempo que se certifica que nos focamos no problema certo. Mas sempre de uma forma que vá ao encontro das necessidades e capacidades humanas.

Os métodos podem variar, mas são sobretudo variações de um tema comum: iterações de quatro estágios: observação, geração, prototipagem e testagem. Mas acima de tudo, está sempre o principio essencial: resolver o problema correcto

Estes dois pontos — encontrar o problema certo e ir ao encontro das necessidades humanas — deram origem a duas fases essenciais do processo de design: encontrar o problema certo e encontrar a solução certa. Ambos fazendo uso do processo de HCD. Esta abordagem em duas fases é chamada de Double-Diamond (diamante duplo).

Diamante Duplo

Os modelos tendem a variar mas, no fundo, baseiam-se todos no originalmente criado pelo British Design Council. Começa-se com uma ideia, daí pesquisa-se, de forma a expandir o espectro de conhecimento sobre o tema até se compreenderem as suas questões subjacentes. Só depois é que se começa a convergir no sentido de isolar o problema fundamental por detrás da ideia. Posto isto, volta-se novamente a abrir o espectro na busca de possíveis soluções antes de se voltar a fechar, convergindo numa solução.³

Demonstração visual do conceito de double-diamond.

Este processo é iterado sobre si mesmo diversas vezes até que uma solução final seja encontrada. Isto porque corre-se sempre o risco de (por exemplo), já na fase de convergência para a solução, a equipa se aperceber que o problema foi mal formulado. O que obriga a reiniciar o processo à luz da nova informação dando início a uma nova iteração.

Este método é bastante eficiente a libertar os designers de restrições desnecessárias. Por outro lado, pode ser desconfortável para os gestores de produto ou de projecto. Os quais, pressionados pela necessidade de cumprir os prazos, tenderão a preferir ver uma convergência imediata.

O Design Thinking de Hoje

O termo ‘design thinking’ original foi cunhado nos anos 90 por David Kelley e Tim Brown da IDEO juntamente com Roger Martin. Juntos, agregaram um conjunto de ideias dispersas num conceito unificado.²

O Nielsen Norman Group (NN/g) — criado por Jakob Nielsen e Donald Norman, duas das mais influentes mentes do design — propõe a seguinte framework para o design thinking. Vêem-no como que um fluxo de:

  1. Compreender
  2. Explorar
  3. Materializar

O que, por sua vez, compreende 6 fases:

  1. Empatia
  2. Definição
  3. Ideação
  4. Prototipagem
  5. Testagem
  6. Implementação
Demonstração visual circular com setas a representar a ordem em que as diferentes fases do design thinking devem ter lugar.

Em Detalhe

  1. Empatia
    Fase na qual a pesquisa sobre os utilizadores-alvo é levada a cabo. Quem são, o que é que eles fazem, dizem, pensam e sentem.
    Costuma-se recorrer a ferramentas/técnicas de investigação como: pesquisa exploratória; pesquisa de secretária; estudos etnográficos; a day in a life; focus groups, personas, customer journey maps, etc.
  2. Definição
    Momento para organizar os dados angariados, procurar por padrões, clusters e tendências. A ideia é obter uma noção clara do problema que se pretende resolver e potenciais oportunidades. Tendo por base os dados recolhidos na fase anterior. Bons métodos de pesquisa nesta fase costumam ser: diagramas de afinidade, mapas conceptuais, entre outros.
  3. Ideação
    Fase mais criativa do processo. Este é o momento de fazer brainstorm de todo o tipo de ideias que poderá, de alguma forma, resolver o problema identificado. Aqui não existem más ideias nem ideias erradas, o importante é mais o número do que a qualidade.
    Ferramentas comuns costumam ser: brainstorms, workshops de co-criação, matriz posicional, etc.
  4. Prototipagem
    Começa-se a dar forma a algumas ideias que foram sendo encontradas nas fases anteriores. O objectivo é aferir a viabilidade das ideias. Funcionam? São realistas? São alcançáveis?
    Aqui recorremos a ferramentas como: provas de conceito, MVP (Minimum Viable Product), wireframes, storyboards, protótipos em papel, etc.
  5. Testagem
    É nesta fase que entramos em contacto com os utilizadores e procuramos validação das ideias desenvolvidas até aqui. A ideia é obtermos feedback, compreender se a solução encontrada de facto responde às necessidades dos utilizadores e/ou melhora a forma como pensam e sentem sobre o produto.
  6. Implementação
    Ultrapassadas as várias fases de iteração anteriores, é chegado o momento de dar forma à solução. É aqui que a vamos construir, certificando-nos que a solução melhora de forma significativa a vida e a experiência dos utilizadores.

Mais informação sobre as ferramentas aqui mencionadas pode ser encontradas neste artigo da MJV.

Porque é que o Design Thinking Importa?

Para ter sucesso, um processo de inovação deve proporcionar três coisas: melhores soluções, menor risco e custos de mudança e compromisso (buy-in) de todos os envolvidos. Ao longo dos anos os empresários desenvolveram várias técnicas para atingir estes objectivos. Mas ao tentar aplicá-las, as organizações tendem a deparar-se com novos obstáculos e compromissos.

Para os gerir, as organizações necessitam de práticas que lidem não só com obstáculos comportamentais mas também com os vieses humanos.¹

O design thinking fornece uma forma simples e estruturada de abordar o problema exacto. Isto enquanto produz dados e insights úteis para criar soluções apropriadas e para inovar em novas formas de criar produtos e fazer crescer o negócio.

Este processo alcança todas as seguintes vantagens de uma só vez:

  • É um processo centrado no utilizador. Começa com dados, cria artefactos que visam necessidades reais e depois testa esses artefactos com utilizadores reais;
  • Faz uso do conhecimento especializado do colectivo. O que permite estabelecer uma linguagem comum de compromisso (buy-in) entre os membros da equipa;
  • Encoraja a inovação através da exploração de múltiplas abordagens ao mesmo problema.²

Numa entrevista ao McKinsey Digital, Catherine Courage (senior vice-president of customer experience na Citrix Systems) defendeu que, para implementar permanentemente o design thinking numa organização, é necessário que este faça parte de todos os processos da empresa.

Quanto a Investimento

Criar um novo produto é um processo extremamente dispendioso. O uso do design thinking pode ajudar a evitar gastar mal vastas quantias de dinheiro, enquanto permite levar o produto na direção das necessidades dos utilizadores.

IEEE, no seu artigo ‘Porque Falha o Software’ estimou que o dinheiro gasto mundialmente em projectos tecnológicos é cerca de 1000 milhões de dólares por ano.

De acordo com esse relatório, das 12 principais razões pelas quais os projectos falham, 3 eram relacionadas com falhas centradas no utilizador:

  1. Requisitos mal definidos;
  2. Má comunicação entre clientes e developers;
  3. Políticas dos stakeholders.

Resolver um erro depois do desenvolvimento estar feito é 100 vezes mais dispendioso do que teria sido antes dessa fase.

Susan Weinschenk

Independentemente da nossa posição dentro da empresa, existem três principais motivos para investir em design thinking:

Poupar dinheiro

  • Algumas horas de UX research de início podem salvar centenas de horas de desenvolvimento;
  • Reduz o custo do apoio ao cliente.

Aumentar o rendimento

  • Melhores taxas de conversão;
  • Maior retenção de clientes e fidelização.

Uma boa experiência de utilização confere uma vantagem competitiva ao produzir melhores produtos que os utilizadores adoram

Em 2015, o Instituto de Gestão de Design comparou o índice S&P500 com um leque de empresas que tinham como modelo de negócio o design centrado no utilizador. Esse estudo demonstrou que as empresas com foco no design— à data — superaram o índice em mais de 200% pelo terceiro ano consecutivo.⁸

Evolução ao longo do tempo de duas linhas representando o Design Value Index e S&P500 onde, em junho de 2015, se pode ver uma diferença de 211% a favor do primeiro.

Case Study — Vodafone

Na Innovagency já desenvolvemos vários projectos utilizando o design thinking. Fazendo sempre uso das competências das suas equipas de design e estratégia. Um dos projectos que fizémos, e que serve de benchmark interno é o da Vodafone. Em particular no que diz respeito às actividades e aos entregáveis produzidos nas várias fases do projecto.

O problema do cliente

A Vodafone prestava assistência aos seus clientes maioritariamente por via telefónica. Este é um meio de assistência com um custo elevado. Muitas vezes usado para prestar auxílio ou esclarecer dúvidas comuns, com baixo grau de apoio técnico. Com efeito, a empresa procurou diminuir o número de chamadas para o seu call center. Ao invés disso, promoveu um apoio self-service baseado numa boa experiência de pesquisa na área de Ajuda do seu site.

Onde entra o design thinking?

Para resolver este problema, surge a necessidade de um processo que coloque os utilizadores no centro da solução. O objectivo era o de lhes permitir uma forma fácil e rápida de pesquisarem as suas dúvidas e obterem respostas imediatas. Facilitando assim o acesso ao site da Vodafone.

  1. Na primeira fase (a da empatia) na Innovagency analizámos os pedidos de apoio, os termos pesquisados e inquirimos os utilizadores. Este inquérito foi disponibilizado na área de ajuda do website da Vodafone. Para além disso:
    • Monitorizámos as interacções dos utilizadores no website através de Hotjar;
    • Criámos personas (quem são os principais utilizador alvo);
    • Definimos as principais customer journeys (o que fazem os utilizadores);
    • Fizémos um estudo de benchmark.
  2. Na fase seguinte (de definição) fizémos workshops em conjunto com a equipa Vodafone, onde se definiu os requisitos funcionais. Além disso, efetuámos um processo de card sorting com os clientes, para definir e validar a arquitectura de informação;
  3. Para a fase de ideação, fizémos workshops conjuntos com a equipa da Vodafone. O objectivo era fazer brainstorm de novas funcionalidades e resolver os problemas identificados nas fases anteriores. Isto tudo com o apoio do benchmark, das boas práticas identificadas anteriormente e de uma estrutura visual em wireframes low-fi. Construímos assim um roadmap de inovações e melhorias a implementar;
  4. Para dar corpo às ideias encontradas, na fase de prototipagem desenharam-se as maquetes finais. Estas maquetes serviram de apresentação do resultado final do nosso trabalho. Foi concebida uma nova experiência com uma solução de pesquisa elástica, e foi redefinida a experiência do cliente para aceder ao conteúdo de ajuda. Esta área incluiu conteúdos tais como: FAQs, manuais, e uma solução de encaminhamento para o canal de contacto ideal no caso de perguntas mais específica;
  5. Após conceber a solução com base em toda a informação recolhida e analisada, atingimos uma fase dos testes de usabilidade com os utilizadores. Uma fase muito importante nos projectos UX/UI. O objectivo não foi tanto validar o que foi definido e concebido. Foi mas o de optimizar e afinar a solução com base na contribuição de utilizadores reais expostos à nova solução. Para isso, desenvolvemos um protótipo HTML para que a validação fosse interactiva e o mais próximo possível da realidade dos clientes Vodafone;
  6. Após os testes, foram feitos os ajustes necessários, para que a solução final espelhasse os anseios dos utilizadores e do cliente. A fase de implementação da solução foi feita pela equipa da Vodafone com o apoio da Innovagency.

Valor acrescentado pela metodologia e pelo projecto

Este projecto permitiu, através de um processo de design thinking:

  • Criar uma solução disruptiva, que serviu de benchmark para a Vodafone noutros países;
  • Promover uma abordagem self-service que permita mair autonomia aos clientes da Vodafone. Potenciando assim a resolução de problemas e dúvidas sem terem de recorrer ao call center;
  • Optimizar a experiência de pesquisa em todo o website. O objectivo era corresponder às necessidades do utilizador. Isto permitiu melhorar a experiência através da configuração de uma nova ferramenta de pesquisa (Cludo);
  • Conceber um painel de controlo para as equipas da Vodafone. A ideia seria permitir o acompanhamento e monitorização dos dados de utilização destas ferramentas self-service.

Hoje em dia, os clientes da Vodafone já não precisam de telefonar para o call center. Quando precisam de encontrar uma factura, esclarecer uma questão, ou compreender como funciona um equipamento, basta facilmente utilizarem a pesquisa do site. Com ela encontram todo o conteúdo certo. Este trabalho tem ajudado a melhorar a experiência do utilizador e acelerar a resolução de dúvidas e problemas.

Concluíndo

O design thinking é uma framework que permite às empresas resolverem mais simplesmente necessidades humanas, resolver problemas ambíguos ou difíceis de definir, leva a soluções mais inovadoras enquanto permite às organizações trabalharem de forma mais expedita e eficiente.⁷

Na Innovagency, esta metodologia é base no nosso trabalho e nos projectos que lançamos para o mercado. Acreditamos que as soluções que desenvolvemos devem ser pensadas para as pessoas. Com a ajuda das equipas de estratégia e de design, conseguimos colocar as pessoas no centro da solução, ouvindo-as, antes e depois do desenvolvimento das soluções. Este contacto serve de crivo para a qualidade do nosso trabalho. Tudo através do processo de design thinking.

Como sempre, estamos disponíveis para novos projectos, sempre com o foco no utilizador e na melhor experiência digital.

Paulo Dias

Designer UX/UI
pdias@innovagency.com
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/pauloshdias

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Paulo Dias
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UX/UI Designer keenly interested in Data Visualization, User Experience and Design Systems. https://www.linkedin.com/in/pauloshdias/