Dez maneiras de ser um superburocrata

Seja um dragão da burocracia! Afinal, fazer diferente dá muito trabalho... 🤔

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Inovar é, sim, trabalhoso. Por isso, preparei o roteiro abaixo caso você prefira ser um burocrata que não busca melhoria contínua em sua organização. Basta seguir cada dica. (Ou, então,…se quiser inovar e gerar resultado, basta fazer o oposto).

1. Continue fazendo o que sempre foi feito, como sempre foi feito

Para que mudar? Tanta cultura, tanta tradição e tanto tempo dedicado para chegar ao ponto em que você e sua instituição estão. Sempre que precisar resolver algum desafio, basta pegar um exemplo de algo minimamente semelhante no passado, ver como agiram e fazer igual. Missão cumprida.

Ou então… preste atenção na força que a chamada dependência de trajetória tem. Em como ela é capaz de fechar olhos e mentes para possíveis modos alternativos de se chegar a melhores resultados. Por isso, procure olhar com (e peça ajuda para quem tem) olhos frescos. “Sem saber que era impossível, foi lá e fez”.

2. Mapeie seus processos e case com eles

Documente tudo! Faça um fluxograma detalhado, usando um app qualquer de documentação de processos. Quanto mais detalhado, melhor. Quando terminar (pode levar bastante tempo, sem problema!), reze para alguém se interessar, entender (será difícil). Se tudo der muito certo, vão utilizar para alguma coisa. Mas não fique chateada(o) se isso não acontecer.

Ou então… pense na ideia do kaizen (melhoria contínua). O produto do mapeamento de processos — melhor, do entendimento dos processos — é… aprimorá-los! Ou seja, mapear deve fazer parte do processo de mudança, que é iterativo e não linear. Por isso, entenda e mapeie enquanto imagina (e testa) novos modelos (digitais).

Busque inspiração e tente criar um sandbox regulatório na sua instituição, criando um espaço seguro para deixar de seguir os processos institucionalizados, permitindo experimentos de melhoria.

3. Não se importe com outras agendas — cada um no seu quadrado

Você é de TI. Ou de gestão de projetos. Ou do Direito. Ou de avaliação de programas. Ou de comunicação. Tem sua faculdade, sua revista científica, sua tribo. Não se misture e defenda o seu terreno!

Ou então… perceba o valor que existe — cada vez mais reconhecido — dos profissionais criativos, que exploram o pensamento lateral e possuem um alcance maior de conhecimento. Separação entre disciplinas é ficção da Academia. O desafio de mudança da sua organização não deve ser compartimentalizado. Pense como uma criança brincando de lego, explorando combinações e interseções entre disciplinas e ferramentas.

4. Sabote a agenda de inovação

Esses chatos perturbam e podem vir espiolhar o trabalho da sua equipe. Mas é fácil acabar com isso. Contrate uma consultoria, palestra ou workshop sobre inovação. Escolha quem usa meia colorida, terninho e camiseta colorida, pareça “startupeiro” e só use expressões como “mindset”, “disruptivo”, “pensar fora da caixa”, “falhar rápido”, “empatia com o usuário” e bastante inglês. E chame as pessoas mais tradicionais da alta gestão para assistir, eles vão adorar!

#sqn. 👹

Ou então… saiba que para inovar é preciso mudar cultura. Para isso, não funciona usar uma estratégia de choque. Seja um deles, fale a língua deles e, como Mr. Miyagi, ensine karatê sem que eles percebam que estão fazendo algo tão fora do seu comum. Seu objetivo é mostrar como pode ser melhor e gerar um: “Nossa! Isso é que é [design/ciência de dados/avaliação de impactos/transformação digital]?! É intuitivo! Que máximo!”

5. Estimule apenas o consenso

Não interessa: ainda que você desconfie que seu time está “sorrindo e acenando”, mas no fundo achando uma 💩 o que está sendo proposto, é mais fácil pintar como inimigo quem traz um contraponto, ou mesmo discorda do caminho seguido. Assim você consegue tudo mais rápido (se der errado, a culpa só pode ser de alguém, não você). Estratégia segura de sobrevivência.

Ou então… estimule o dissenso e a insubordinação criativa, de forma estruturada e respeitosa. Saiba que é melhor o desconforto de receber uma crítica construtiva e ter que repensar (ou pensar pela primeira vez) a justificativa para sua ideia do que apenas aprender, na prática e depois, que os resultados serão ruins.

E perceba que estimulando o dissenso criativo, a equipe sai fortalecida e estimulada a participar mais. Mas não adianta só ouvir, preste atenção e coloque esses pontos em prática!

6. Feche seus dados e use o máximo de jargões

É a melhor forma para ninguém te perturbar e para você não ter que prestar contas — em especial, para os chatos da inovação não aparecerem mostrando uma solução ligada à sua área e que seja muito mais eficiente.

Ou então… priorize suas bases de dados de maior valor, abrindo-as de forma estruturada e proativa, estimulando que outros atores ajudem a somar esforços na construção de soluções de impacto (e que vão deixar você focar seu tempo em desafios ainda mais prioritários para seu time — e se aprimorar ainda mais). E, além disso, use a linguagem simples. Termos técnicos criam ilhas.

7. Pare de estudar e não se importe com o inglês

Já aprendeu! Conseguiu o emprego, passou no concurso. Agora merece um descanso. E se tiver que ler alguma coisa, espera ela aparecer em português. Até porque… (veja o passo 9).

Ou então… nunca deixe de aprender, combinando prática e teoria, de forma aplicada à solução de problemas. Não espere aparecer a tradução de livros que só existem em inglês. Aproveite apps como o Blinkist para ouvir no mínimo dois resumos de livros por dia, decidindo qual deles vale a pena ler por inteiro. E saiba gerenciar seu conhecimento — quem sabe usando a técnica de Zettelkasten e um app como o Obsidian.

8. Não se preocupe com resultado

No governo, em especial, é difícil medir resultado. E para quê? Todo ano tem aquele momento que te perguntam qual vai ser seu orçamento para o ano seguinte; você sempre fala o mesmo valor, não detalha muito os gastos; quando informa qual gasto, nunca precisa se comprometer a resultados.

Ou então… saiba que ao acordar e colocar o pé no chão, a vida é difícil. O que existem são desafios — e todos eles podem ser medidos. E que sempre é possível encontrar uma técnica de avaliar os impactos do seu trabalho, projeto ou intervenção.. Além disso, veja o ganho de legitimidade (e de recursos) que você pode conquistar quando conecta os custos do seu time aos resultados que serão gerados!

9. Acredite e se convença que seu problema e instituição são únicos

“Ah, mas aqui isso não funciona. Meu [problema/time/instituição] é diferente”. Com isso, você justifica que só sua equipe conhece seu desafio e sabe como melhor enfrentá-lo. E tenha certeza de que se você já tentou algo e não deu certo, não há como tentar de outro modo — porque só você conhece o seu contexto.

Ou então… desconfie sempre que você seja o primeiro a enfrentar o desafio à sua frente; ou de que só existe a forma que você tentou para enfrentá-lo. Saiba que seu ego adora explorar a sua falta natural de conhecimento sobre a realidade de outras instituições e atores. Assim, ele te protege de (mas sabota) qualquer comparação.

Tente, ao invés, sempre no início de seus projetos, investir pesado em pesquisa de mesa e referências.(Pode ser divertido, como uma pesquisatona!). E busque proativamente a crítica de quem tem outra ideia ou que possa ter uma experiência similar.

10. Nunca desista da sua estratégia

“Desistir nunca, render-se jamais!”. Vá nesse seu projeto e siga nessa [Instituição/órgão/grupo] até o final. Nunca desista da sua ideia inicial. Afinal, até os chatos da inovação falam que é preciso ter resiliência para inovar.

Ou então… saiba quando mudar de tática (e até de vínculo profissional). Perceba que sua insistência na mesma iniciativa ou instituição vem do truque do seu ego, que encontra explicação na “falácia do custo enterrado”, ou no seu próprio medo do desconhecido.

Não é porque você já gastou tempo e recursos em uma estratégia, projeto ou instituição que deve continuar batalhando por ele a qualquer custo. Seja resiliente na sua missão que, muitas vezes, pode ter mais sucesso em outro contexto institucional ou oportunidade.

Conclusão

É isso. Escolha seu caminho. Seja superburocrata, se preferir. E se, por acaso, sua organização ou sua posição deixarem de existir, pense no quanto foi bom enquanto durou! 🪦

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Daniel Lima Ribeiro
Inovação em governo e no controle

Ex-Coordenador e atual Fagulha do Laboratório de Inovação do MPRJ (Inova_MPRJ). Duke SJD. Curte correr e nadar. Curioso incurável.