Existe uma versão de 6 semanas para tudo

Organizando projetos e equipes com expectativas factíveis, sem microgerenciamento e fazendo uma coisa de cada vez.

Breno Gouvea
Inovação em governo e no controle
6 min readJun 29, 2020

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Projetos intermináveis, equipes exaustas, expectativas nunca atingidas e, muitas vezes, nenhuma conquista palpável. Não investir na organização do trabalho pode custar muito caro. No setor público, mais ainda; afinal, a falta de efetividade impacta diretamente os serviços prestados ao cidadão.

No cerne do problema está a frequente concentração de esforços na execução do trabalho em detrimento da melhoria de métodos, processos e práticas para sustentá-lo. Ainda que o objetivo final seja aprimorar programas, políticas e serviços públicos, um órgão de governo (ou controle) precisa, antes de tudo, aprimorar seu próprio funcionamento.

É fundamental tratar órgãos e instituições públicas como produtos em si, que devem aprender e evoluir constantemente na forma como trabalham. É um processo contínuo que demanda olhar direcionado, experimentação e dedicação de tempo. As conquistas se tornam consequência.

O Inova_MPRJ organiza seus projetos mantendo expectativas factíveis, conferindo autonomia às equipes e valorizando o importante exercício de dizer “não”. Em homenagem à nossa inspiração, o livro Shape Up, batizamos o método como “Molda Aê”.

Ciclos de 6 semanas

O escopo se ajusta ao tempo, e não o contrário. Ou seja, fixamos intervalos de tempo e “moldamos” os escopos para eles. Sabemos que existe a Lei de Parkinson: o trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para sua realização. Portanto, não há prolongamento de prazos — 6 semanas é o período máximo para os escopos que moldamos, nossas “apostas”.

Por que 6 semanas? Um pouco de ciência, um pouco de arte: pesquisamos bastante sobre organizações que admiramos, experimentamos alguns formatos e esse funcionou. Na prática, confirmamos que é tempo suficiente para construir algo relevante do início ao fim e curto o bastante para o prazo exercer influência na motivação das equipes.

Dentro de cada ciclo, podemos fazer três tipos de aposta: de 6, 3 ou 2 semanas. Assim, cada equipe trabalha com 1 aposta de 6 semanas, 2 apostas de 3 semanas ou 3 apostas de 2 semanas — idealmente com dedicação exclusiva. Entre os ciclos, separamos 2 semanas para ajustes, reflexões, livre exploração de ideias e definição das apostas e equipes para o ciclo seguinte.

Para montar as equipes, levamos em consideração os interesses de cada um e as habilidades necessárias para os diferentes tipos de desafio. Às vezes também contamos com colaboradores externos — os Fagulhas. Em geral, nos dividimos em 3 equipes, que variam entre duplas e trios.

No próximo ciclo nos dividiremos em 4 equipes

Moldar significa direcionar sem tirar liberdade

Enquanto as equipes trabalham nos projetos, o coordenador lidera o trabalho de moldagem para o ciclo seguinte. O desafio é conseguir atingir o ponto médio entre concretude e abstração. Em outras palavras, equipes precisam saber o que fazer, mas o excesso de definições tira liberdade e potencial criativo.

Quem molda, ao invés de imaginar a duração de determinado trabalho, pensa em quanto tempo deseja separar para ele. Então, afunila a solução até que ela caiba dentro do tempo disponível. Não se trata de correria, moldamos escopos que preservam as 40 horas de trabalho semanais e boas decisões ao longo do caminho.

Apostas obviamente envolvem riscos: problemas inesperados, dependências que travam o andamento, má mensuração do tempo ou até mesmo baixa produtividade individual. Por isso, resolvemos questões em aberto antes de apresentar as apostas aos times.

Definimos os limites; rascunhamos os elementos que a solução precisa conter; ajustamos os escopos para desviar de armadilhas; e escrevemos o “arremesso” — documento que resume o problema, solução esperada, inspirações e pontos de atenção. Se alguma dessas questões ainda parecer incerta, deixamos a aposta para depois.

Parte da moldagem da plataforma Bússola

Morte lenta ao microgerenciamento

Quando o projeto começa, a equipe ganha autonomia para se dividir, organizar tarefas e construir as soluções. Não há trabalho mecânico nem execução acrítica de demandas. No Inova_MPRJ, trabalhamos conferindo autonomia e confiança a todos.

Quando times são autônomos, a coordenação passa menos tempo os gerenciando e, consequentemente, consegue moldar melhores apostas para o ciclo seguinte. Apostas bem moldadas, por sua vez, garantem maior convergência de visões e mais facilidade para os times trabalharem com autonomia. Quem ganha é a organização.

Por essas razões, abominamos o microgerenciamento. A coordenação não mede progresso tarefa por tarefa, nem mesmo semana por semana. A equipe é responsável por se autogerenciar de maneira fluida. De rígido, só o prazo de (até) 6 semanas para a entrega.

Isso não quer dizer que não há interação com a coordenação. Além da atividade contínua de moldagem e, sempre que preciso (mas excepcionalmente), colocar a mão na massa, o coordenador do Laboratório atua como uma espécie de analista de qualidade. Equipes têm liberdade para solicitar pontos de checagem e validações de rumo ao longo do caminho.

“Não agora, talvez depois”

Dizer sim é muito fácil. Sim para um projeto paralelo, para uma nova funcionalidade, para um cronograma super otimista… Rapidamente, a pilha aumenta tanto que deixamos de ver o que realmente deveríamos estar fazendo.

É melhor escolher o “não” como resposta padrão, mesmo para as melhores ideias. Dizer não ajuda a entender as reais prioridades e traz maior tranquilidade na execução do trabalho. Apesar de parecer mais difícil, é melhor saber que o não já está dito e poder pensar no sim como alternativa. “Não agora, talvez depois”.

Antes de estruturarmos o Molda Aê, era quase impossível colocar essas ideias em prática. Hoje, temos argumentos sólidos para dizer não às novas ideias que não param de surgir — de nós mesmos, de parceiros e principalmente dos chefes. Afinal, teremos nova chance de dizer sim em, no máximo, 6 semanas.

E se algo der errado?

Perder 6 semanas não é o fim do mundo. Ainda mais considerando que cada equipe tem apenas 2 ou 3 integrantes e que laboratórios são ambientes de experimentação. Analisamos o que deu errado, ajustamos o mais rápido possível e bola pra frente. Essa é a graça do planejamento adaptativo.

Caso uma aposta estenda seu cronograma além do prazo, o padrão é “desligar o disjuntor”, para garantir que não sigamos antes das devidas reflexões. Contudo, se a equipe entender que um projeto ainda pode render mais entregas concretas e relevantes, nada impede que ele seja escolhido em novas rodadas de apostas à medida em que evolui.

Deseja saber de onde vêm as ideias e como escolhemos o que entrará em cada ciclo? Em breve, teremos um artigo específico para detalhar esse processo de seleção de ideias.

E se tiver alguma ideia inovadora para melhorar processos e cultura de trabalho, deixe um comentário ou escreva para nós em inova@mprj.mp.br.

Com Bernardo Chrispim, Beatriz Ferreira, Daniel Lima Ribeiro, Gabriel Delman, Júlia Rosa, Leonardo Santanna, Letícia Albrecht, Manuella Caputo, Marcelo Coutinho e Matheus Donato.

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