Incorporando o feedback no setor público

Criando uma cultura de avaliação frequente

Júlia Rosa
Inovação em governo e no controle
8 min readJun 16, 2020

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Muitas vezes parece que o mundo não quer feedback — principalmente receber; e especialmente no serviço público. Um elogio custa muito menos do que seus efeitos positivos. E uma crítica bem feita pode ser o caminho para um indivíduo atingir suas maiores potencialidades. Oferecer um comentário efetivo e genuinamente bom no momento propício não é leviano. Mas, como para a criação de qualquer hábito, é preciso treinar.

No setor público brasileiro, há anos se discute como incluir avaliações de desempenho e/ou de competências nas rotinas de trabalho. Ainda há muita controvérsia e preocupação em torno do tema.

Por um lado, existe o medo da avaliação ser usada para fins políticos na demissão de desafetos. Mas, por outro, existe um consenso de que é preciso melhorar a eficiência em diversos órgãos públicos pelo Brasil afora. Uma coisa é certa: para quem o chamado foi servir, como todo agente público, não faz sentido deixar de oferecer o que há de melhor em si.

Uma maneira de mitigar os receios quanto ao feedback é construir em conjunto e de forma transparente um método de avaliação periódica de desempenho. Quando bem desenhadas e conduzidas, pode-se dizer que as avaliações são:

  1. Excelente maneira de apontar caminhos para os funcionários desmotivados;
  2. Meio de garantir inspiração e motivação para quem trabalha bem (e mapear os diferentes tipos de motivação que podem existir na equipe);
  3. Um bom modo de criar foco em resultados na atuação profissional;
  4. Forma de descobrir quais lacunas existem nas capacidades e habilidades da equipe, para que treinamentos possam ser feitos nas respectivas escolas dos órgãos;
  5. Modos de melhorar a eficiência da equipe, após a identificação dessas lacunas e de pontos fortes, de modo a alinhar e complementar habilidades de todos.

Uma cultura de comentários e sugestões frequentes ajuda a fortalecer o senso de equipe e uma comunicação fluída. E não apenas entre pares, mas principalmente vindos da liderança — que tem como uma das suas principais funções garantir uma equipe em constante desenvolvimento e evolução. Não adianta apenas entregar, é preciso receber avaliação sobre as entregas que se faz.

No Inova_MPRJ, a equipe entendeu que todas e todos trabalham melhor quando se sentem valorizados, conseguem atingir seu potencial e as suas metas profissionais e sabem os caminhos para serem melhores, individualmente e em equipe.

Para criar o método de avaliação a ser utilizado, partimos das experiências dos integrantes da equipe ao longo de suas carreiras, no setor público e privado, combinadas com a pesquisa do que é feito em diferentes empresas. Assim, montamos uma avaliação composta por dois momentos chaves. Uma vez por ano ocorre uma Avaliação de Desempenho pela Coordenação, e duas vezes por ano uma Avaliação 360 (A360).

Alinhamento com valores e avaliação de desempenho pela coordenação

É importante que exista alinhamento entre os valores da instituição e os dos seus integrantes. A cultura organizacional é um amplo campo para ser explorado, porém mais do que tudo ela deve ser compartilhada — só assim vai fazer sentido.

Uma boa avaliação de desempenho vai funcionar se todos, funcionários e liderança, estiverem confiantes que estão no mesmo barco sobre os comportamentos esperados, além de alinhados na visão sobre o ambiente de trabalho em que querem estar 40 horas por semana, e sobre quais os objetivos e sonhos que querem alcançar juntos. Afinal, sobretudo o que motiva — para além do dinheiro — aquela congregação de pessoas.

Para a primeira fase da avaliação pela coordenação elaboramos um questionário alinhado com os valores do Inova_MPRJ. A partir desses valores, separados em seções, criamos frases que podem exemplificar situações alinhadas com eles. Por exemplo, sobre proatividade: “Busca motivação diária dentro do trabalho. Age como se todo dia fosse o primeiro dia.”?

Encontrar o equilíbrio entre um questionário muito longo e um muito curto vai exigir um pouco de prática. O processo inclui pesquisar o que já existe para montar e testar com algumas pessoas antes de fazer o uso final, coletando opiniões e sugestões. Além disso, o uso de linguagem clara e direta é essencial.

O preenchimento é individual e com o prazo de uma semana para que haja um esforço de reflexão e construção em cima de críticas anteriores. A avaliação é feita em uma escala de 1 a 5, de insuficiente até excepcional. Enquanto isso, o(a) gestor(a) preenche o seu próprio formulário de autoavaliação e avalia a todos — sem conhecimento do que foi escrito pelas pessoas para garantir o máximo de independência na hora de dar os conceitos. Aqui, em cada seção, também há espaço para comentários — tanto pelo funcionário quanto pelo(a) coordenador(a).

Mais tarde, o(a) coordenador(a) envia para cada integrante do time o questionário relativo ao seu desempenho, agendando uma conversa individual sobre conceitos, para tirar dúvidas e oferecer comentários mais elaborados em cima do que foi colocado. Como sempre, trabalhamos com linguagem propositiva (e não impositiva).

Exemplo de uma das seções da Avaliação de Desempenho

Avaliação 360: todo mundo se ouve

A segunda fase acontece entre toda a própria equipe, incluindo estagiários e a coordenação. Muitas empresas optam por fazer apenas avaliação 360 (A360) ou apenas avaliação de desempenho pela chefia. Como a equipe ainda é pequena, os desafios de fazer as duas compensam o trabalho que pode ocorrer em uma equipe maior. Ainda assim, recomendamos — pois elas se complementam.

Uma A360 pode ser feita também incluindo pessoas que não são do órgão, mas trabalharam conjuntamente em projetos específicos. Existem diferentes tipos de A360, focando mais em resultados ou em competências — a do Inova_MPRJ foca em competências, já que falamos de desempenho na Fase 1.

Aqui, todos se autoavaliam em um mesmo documento na nuvem, que fica visível para a equipe inteira e respondem com 2–3 itens às seguintes perguntas:

  1. O que devo começar a fazer para ajudar e inspirar a equipe;
  2. O que devo parar de fazer, que não ajuda e provoca impactos negativos na equipe;
  3. O que devo continuar a fazer que ajuda e inspira a equipe;

Uma vez o prazo encerrado, estabelece-se um dia para todos conversarem sobre o que escreveram ou leram. A interação é cronometrada e exercita-se a escuta ativa: separados em duplas, cada uma tem dois minutos para ouvir os comentários do colega sem interrupções, construídos em cima do que foi escrito no documento. Falar muito durante muito tempo é fácil; o difícil é falar muito em pouco tempo. Por isso, a estrutura da conversa precisa encorajar a reflexão e a busca constante pelo autoconhecimento.

Os objetivos dessas sessões silenciosas são enxergar pontos fortes e fracos antes desconhecidos por cada um, eliminar qualquer tipo de desconforto e praticar os valores relacionados à melhoria contínua e espírito de equipe.

Nem é preciso dizer, mas respeito é chave em todas essas interações. Muitos locais de trabalho preferem realizar a A360 de forma anônima, especialmente para equipes muito grandes. Porém, acreditamos que o olho no olho faz muita diferença na hora de dar um feedback de maneira construtiva — o que exige que as pessoas saibam se comunicar com clareza, sinceridade e boas intenções.

Logo depois, é realizada uma sessão em grupo. Nesse momento, todos podem trazer o que se sentirem mais à vontade para compartilhar sobre si. Outras críticas podem ficar guardadas para cada um refletir depois.

Algumas ressalvas

O modelo de avaliação do Inova_MPRJ é isso: um modelo. A experiência criada aqui é influenciada por uma seleção cuidadosa da equipe, além de diversos outros fatores que geram uma sincronia ótima entre todos presentes. Sabemos que nem todas as equipes são assim e que conflitos e toxicidade podem fazer parte da convivência — infelizmente.

Nesses casos, como um bom Laboratório de Inovação, a recomendação é testar e testar e testar até encontrar um modelo que funcione — baseado em modelos existentes e na construção de algo que use a inteligência coletiva. Comunicação Não-Violenta, por exemplo, pode ser uma ferramenta essencial nesses casos.

De todo modo, a premissa segue a mesma: a cultura de feedback é uma prática, que precisa ser exercitada e não vem sozinha. Espaços saudáveis para a comunicação devem existir, onde críticas podem ser colocadas de maneira propositiva, sem desconforto e não há medo de se discordar de alguma decisão, quando há base para isso. A equipe sai fortalecida quando todos podem exercer seu senso crítico e construir em conjunto.

O que fazer com o feedback?

É importante que esses comentários e críticas não fiquem restritos aos momentos em que são obrigatórios. Toda sexta-feira temos uma reunião para falar sobre os destaques da semana — um ótimo momento para elogiar o trabalho de quem foi acima e além do esperado. Ao final de cada ciclo de trabalho, também reavaliamos o que foi feito bem e o que poderia ser melhor. Boa comunicação exige treino e é preciso ter espaço para florescer no dia a dia.

No futuro, queremos estabelecer planos de desenvolvimento pessoal, com objetivos de curto, médio e longo prazo para cada integrante do Laboratório. Esses planos levariam em conta pontos fracos e fortes, oportunidades para melhoria, os sonhos de carreira e serão revisados junto com o(a) coordenador(a), com frequência bi ou trimestral.

Ao longo da nossa vida profissional, os diversos feedbacks deixam de ser uma fotografia de um momento para se tornar um filme — ou um gráfico, se você preferir visualização de dados. Todo mundo lembra de algo dito em um contexto profissional sobre as suas habilidades, seja positivo ou negativo. Às vezes sai até frase poética, daquelas que a gente leva para a vida toda.

Uma equipe só é tão boa quanto o seu funcionário mais desmotivado. O que garante que as pessoas sejam atraídas e permaneçam nas equipes; e nelas se divirtam, aprendam e cresçam é trabalharem inspiradas pelas perspectivas de realizar coisas incríveis naquele espaço e com aquelas pessoas.

E, se ou quando for a hora de alguém ir embora, esses valores e cultura criados por um ambiente acolhedor, que escuta e se importa com os outros, vão garantir que as portas estejam sempre abertas para mais pessoas excepcionais.

E você, já realiza avaliações de desempenho? Tem dicas? Compartilhe aí nos comentários!

Com: Breno Gouvea, Bernardo Chrispim Baron, Beatriz Ferreira, Daniel Lima Ribeiro, Gabriel Delman, Leonardo Santanna, Manuella Caputo e Matheus Donato.

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Júlia Rosa
Inovação em governo e no controle

Atuando no Inova_MPRJ. Alumni do Vetor Brasil. Mestra em Estudos de China Contemporânea. Editora Sênior da 书面 (Shūmiàn), newsletter sobre China.