Liderança e Estratégia de Inovação para o Ministério Público de uma Nova Era

Desafios e Caminhos Possíveis

Daniel Lima Ribeiro
Inovação em governo e no controle
18 min readOct 15, 2021

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Introdução

A década de 1980 foi marcada por um processo de fortalecimento do Ministério Público (MP), tendo seu momento mais marcante na Assembleia Constituinte de 1987–1988. A Constituição que dela resultou redefiniu a missão do MP em meio a um projeto de ordem jurídica centrada em torno de múltiplos direitos (inclusive prestacionais, como saúde e educação) e princípios fundamentais. Nesse contexto, a Constituição conferiu ao MP novas garantias, poderes e instrumentos de investigação e ação.

Com o desenho institucional único que passou a ter, o MP conquistou um novo espaço no sistema (intensificado) de freios e contrapesos. Três décadas depois, a Instituição se percebe como protagonista da tutela coletiva dos direitos transindividuais e da maior operação anticorrupção da história brasileira. Externamente, os efeitos da atuação do MP são mais sentidos na linha da repressão à corrupção, em âmbito criminal. Tanto que, pelo escopo da Operação Lava Jato e por seus envolvidos, os resultados desencadearam um processo estrutural de mudança política no País.

Momentos críticos no caminho do desenvolvimento de um país podem ser seguidos por transformações profundas em instituições políticas e econômicas — para melhor ou pior.[2] Ainda é cedo para dizer qual será o caminho do Brasil a partir de 2018. Por isso mesmo, o momento é de cautela, reflexão e autocrítica — inclusive para o MP. É preciso que cada instituição ouça e analise se e como precisa evoluir, para que se torne ainda mais custo-efetiva e inclusiva, protegendo-se de retrocessos. No caso do MP, para que contribua evitando em si e nas demais Instituições transformações que conduzam a caminhos contrários ao desenvolvimento.

Este texto propõe uma reflexão sobre o MP, argumentando que, para realizar o ganho em potencial de resultados, precisa de um realinhamento estratégico; e que o momento atual pode ser mais um na história da Instituição, como na década de 1980, de reimaginação. Assim, o texto sugere desafios de liderança e estratégia, assim como propostas para solucioná-los. Destaca em especial a necessidade de um novo método e uso de ferramentas orientados pela agenda de Governança Aberta e Digital, pela avaliação de políticas públicas e pela ciência de dados.[3]

I. Um Realinhamento Imprescindível

A Constituição define a missão e os instrumentos de atuação do MP. Quanto às ferramentas, prevê as de investigação (requisição e acesso a dados e informações para instruir procedimentos investigatórios, como o inquérito civil) e de execução (a ação penal e a ação civil pública). Já sua a missão é definida pela Constituição de modo amplo e genérico, centrando-a na ideia da defesa da ordem jurídica por meio da garantia de observância das regras constitucionais e legais, ou seja, conferindo à Instituição um papel de enforcement.

A missão de “tutela” de direitos fundamentais se ampliou em paralelo à expansão do rol desses direitos, em um movimento que já vinha ocorrendo antes mesmo da Constituição — e continuou além dela.[4] Além da defesa dos novos direitos, também se atribuiu ao MP o dever de proteger o patrimônio público. Nisso inclui-se o combate à corrupção e, em tese, a fiscalização da economicidade e custo-efetividade de programas e serviços públicos.

O prospecto de sucesso no desempenho das novas funções do MP era grande, considerando a independência proporcionada em relação ao Executivo, a partir de novas prerrogativas de estatura constitucional. Para alcançar o resultado imaginado, era de se esperar que o MP pós-1980, de missão e funções expandidas, experimentasse certa transformação de estratégia e desenho organizacional. A mudança, contudo, foi tímida.

A. Dependência de trajetória

Surgiram no MP órgãos especializados e com poderes de investigação autônoma. Dentre eles, destacaram-se os especialmente desenhados para o uso dos instrumentos voltados à nova missão de defesa dos direitos difusos (saúde, educação, meio ambiente, consumidor etc.), por meio do inquérito civil e da ação civil pública. Em paralelo, a consolidação da possibilidade de protagonizar a investigação criminal, de forma independente da Polícia Civil e de seu acervo de inquéritos policiais, também deu origem a órgãos de investigação do MP desvinculados de uma vara criminal e/ou de uma delegacia de polícia. Nessa linha, surgiram na virada do Século os grupos de atuação especializada em torno de temas específicos; e, recentemente, as forças-tarefas.

Apesar da nova missão, dos novos instrumentos e dos novos órgãos, a tradição anterior a 1980 continuou exercendo uma enorme força gravitacional sobre o MP. Os novos órgãos foram criados sem que se percebesse a necessidade de um novo método de trabalho e estratégia compatíveis com as novas funções. Em vez disso, o MP seguiu sob a influência da chamada dependência de trajetória, isto é, continuando a se organizar enquanto investigador e autor de ações, embora seguindo o modelo das promotorias de justiça junto às varas criminais.[5] Assim, fossilizou-se a atuação de modo cartorial; em papel; no varejo (sem visão de sistema); em que na prática não é o promotor que impulsiona o processo; em que a rotina é esperar os autos chegarem à mesa; e em que não há planejamento para cada caso, porque o rito de cada processo já é predefinido pelo Código de Processo.

Em paralelo, também o direito público passou a enfrentar desafios para encontrar critérios operacionais e transparentes de controle do Poder Público com o objetivo de garantir a defesa dos direitos fundamentais — em especial dos prestacionais. Afinal, a dogmática da teoria dos princípios negligenciou desde sempre o elemento da escassez de recursos financeiros necessários à satisfação de todo e qualquer direito dessa natureza. Princípios jurídicos viraram o que Felix Cohen já denominava, há nada menos do que 83 anos, um “nonsense transcendental”.[6] Quando invocados para controlar escolhas de governo, não deixam claros os reais motivos e consequências das decisões judiciais, estimulando anomalias como o ativismo judicial, de motivação opaca.

A tempestade perfeita no caminho do sucesso da nova missão do MP surgiu na medida em que a Instituição passou a usar métricas equivocadas e incentivos desalinhados. Sem um método para orientar os resultados esperados a partir de sua nova atuação, o MP passou a apenas medir processos: quantos procedimentos em andamento, quantos arquivamentos, quantas ações civis públicas ou penais ajuizadas, etc. A leitura foi e continua sendo formal, sem medir a complexidade e a importância da demanda de trabalho e dos resultados buscados em cada inquérito ou ação.

De métricas inadequadas seguiram-se decisões organizacionais equivocadas, incluindo a criação ou desmembramento de órgãos e alocação de pessoal — tanto para órgãos de execução (promotorias) quanto de apoio (administrativo e técnico). E como é natural que em uma vara judicial existam milhares de processos, importar o modelo de MP vinculado a órgãos do Judiciário para os órgãos autônomos de investigação criou uma distorção óbvia e grave. Sedimentou-se também nesses órgãos a visão de normalidade quanto a possuir “acervos” abarrotados de procedimentos. Não soou estranho que uma mesma equipe, com apenas um ou dois integrantes treinados para análise, cuidassem ao mesmo tempo de centenas de projetos (investigações) complexos.

Por outro lado, o MP perdeu o timing das ondas de governança digital. Muitos órgãos de investigação autônoma do MP (senão a quase totalidade) ainda se comunicam em papel e coletam as informações necessárias para suas análises da mesma forma. Com isso, o cruzamento de informações é, quando muito, artesanal. Mesmo quando os dados de interesse são coletados em formato PDF, a falta de estruturação planejada para o processamento dos dados aumenta expressivamente o custo — ou até mesmo inviabiliza — análises mais sofisticadas. Sem essa familiaridade com dados digitais e estruturados, os órgãos do MP ainda não perceberam um de seus maiores ativos — o acesso direto a bancos de dados e a Lei de Acesso à Informação.

Não é difícil imaginar que, diante do cenário desenhado, o MP possua um enorme ganho de efetividade em potencial a realizar. É possível ser otimista ao imaginar um grau de efetividade muito maior na prevenção da corrupção, quem sabe até mesmo dispensando o uso frequente do instituto da colaboração premiada e seu alto custo social. No campo dos direitos fundamentais, é também possível esperar uma clareza maior quanto aos verdadeiros resultados até hoje alcançados a partir da tentativa de sua defesa. É provável que, com um novo método e olhar, ações de controle fáceis de elaborar e até hoje comemoradas mudem de sinal. E que, assim, sejam vistas à luz das distorções que podem causar no sistema de políticas públicas e, por vezes, como invasões indesejadas na escolha de prioridades pelo Executivo e Legislativo.

B. A Carta de Brasília: um sinal de mudança

Já aparecem alguns sinais de autocrítica e de percepção de que um realinhamento estratégico deve entrar na ordem do dia do MP. Um exemplo é a Carta de Brasília de 2016, um chamado por uma atuação mais proativa e “resolutiva”, com resultados aferíveis por novos critérios e mecanismos.[7] Nesse sentido, a Carta menciona ser imprescindível “a implantação de sistemas que permitam a aferição de resultados e []a definição de prioridades institucionais”.

Alguns exemplos de novas e estruturantes diretrizes da Carta são:

· O estabelecimento de Planos, Programas e Projetos que definam, com a participação da sociedade civil, metas claras, precisas, pautadas com o compromisso de efetividade de atuação institucional em áreas prioritárias de atuação;

· A implementação de indicadores aptos a mensurar o cumprimento das metas e a resolutividade das demandas combinadas com atuação pautada em diagnóstico prévio das carências e necessidades da sociedade;

· O estabelecimento da prática institucional de atuação por meio de projetos executivos e projetos sociais, de maneira regulamentada e com monitoramento para verificar a sua efetividade;

A mudança que a Carta propõe se dá em paralelo à progressiva entrada no mundo jurídico das ideias de avaliação e controle de políticas públicas. Ambas aparecem como alternativas para superar o déficit de operacionalidade e o excesso de retórica da defesa de direitos fundamentais prestacionais. Nessa linha, a própria Carta de Brasília sugere que o MP passe a atuar no “acompanhamento e na fiscalização da implementação de políticas públicas” e que avalie se a “atuação individual não desestabilizará as políticas públicas sobre a matéria”.[8] O que a Carta não faz, contudo, é indicar um método ou estratégia específica para essa mudança de atuação.

C. Um cartão postal de chegada

“Se você não sabe onde está indo, qualquer caminho pode te levar até lá”, disse o gato sorridente à Alice, quando chegou no País das Maravilhas. Liderar o realinhamento do MP para concretizar a mudança esperada pela Carta de Brasília e libertar a Instituição de sua dependência de trajetória não será algo trivial. Para isso, algumas ferramentas úteis são (a) imaginar um “cartão postal de chegada” e (b) desenhar um caminho que pode levar ao destino.[9]

No caso do realinhamento do MP, uma proposta de visão de chegada é a de uma Instituição que consiga promover ampla transparência de dados e motivação analítica de escolhas políticas subjacentes aos atos, decisões e normas dos Três Poderes; e que, por meio disso (ainda que via controle judicial, em último caso), induza aprimoramentos comprovados analiticamente de custo-efetividade e justiça em planos, programas e serviços públicos. Indo além, esse MP seria uma Instituição que atuaria de forma contínua e efetiva no combate preventivo à corrupção e ao desperdício de recursos públicos.

Accountability e motivação analítica de escolhas são dois fatores centrais para essa visão de MP (seja no controle externo de outros Poderes ou na sua própria relação com a sociedade). É o que contribui para que a Instituição não venha a assumir um papel para o qual não possui legitimidade democrática. Em especial quando avaliando escolhas de políticas públicas pelo critério da eficiência do bem-estar, a princípio não cabe ao MP substituir-se à escolha feita pelo gestor ou legislador legitimado e de boa-fé, salvo hipóteses excepcionalíssimas.

No cartão postal de chegada proposto, o MP e seus integrantes realizarão todo o potencial da ciência de dados, das ferramentas de tecnologia da informação, comunicação e design. Quem integrar a Instituição possuirá uma mente sem barreiras para disciplinas do conhecimento. Não existirá papel. Não existirão mais “ofícios” requisitando informações ou investigações sem um plano e cronograma bem definidos, especificando as hipóteses a testar e análises de dados a realizar. A ação judicial será vista como sinal de meia derrota — a verdadeira vitória se dará a partir das transformações alcançadas pela força da persuasão de instrumentos de comunicação. Esses instrumentos transmitirão, com responsabilidade e de forma objetiva, os resultados precisos de investigações de alta relevância social. Esse novo MP integrará, irá respirar e viver os valores e plataformas da Parceria pelo Governo Aberto.[10]

II. Para liderar a mudança

Nenhuma mudança institucional se faz sem estratégia que leve em conta as pessoas e a cultura que formam a Instituição. Liderar o processo de transformação exige considerar, dentre outros, dois fatores: o emocional e o racional dos integrantes do MP.[11] O primeiro desafio de liderar a mudança começa em convencer os seus integrantes e detentores de poder político interno de que o realinhamento é necessário e possível. Se à primeira vista assim não lhes parecer, pode ser pela força da dependência de trajetória. A Carta de Brasília é um bom começo, mas que não veio da base do MP — cujo apoio é imprescindível.

O elemento emocional é hoje sobrecarregado pelos efeitos de uma intensa ansiedade, contraproducente a uma Instituição que precisa refletir, aprender e continuamente adaptar e evoluir.[12] Esse efeito decorre de hábitos e incentivos que fazem os membros do MP se sentirem presos à rotina tradicional de trabalho — de muita quantidade, mas nem sempre de tanta qualidade (o proverbial “secar gelo”). Além disso, também pode resultar, ainda que inconscientemente, de algo ligado ao fator racional. É possível que surja da insegurança que vem do desconhecimento momentâneo sobre novas técnicas e habilidades.

A. Usando incentivos para desfazer hábitos

É frequente que a causa de problemas não esteja nas pessoas, mas nas situações em que elas se encontrem.[13] Para desfazer hábitos e abandonar formas de trabalho improdutivas, os líderes do MP podem ter na mudança das métricas e incentivos, hoje desalinhados, uma poderosa ferramenta. Nesse sentido, é fundamental reler o chamado “princípio da obrigatoriedade”, quando aplicado às promotorias de investigação autônoma. Prosseguindo na linha da Carta de Brasília, as Corregedorias e Procuradores-Gerais precisam sinalizar que o padrão para esses órgãos não pode ser a condução de dezenas (e muito menos, centenas) de investigações simultâneas. A visão tradicional da obrigatoriedade, indevidamente aplicada aos órgãos mencionados, é contrária ao dever de eficiência e à pretensão de entrega de resultados preventivos e expressivos.

Por outro lado, é preciso evitar ao máximo a judicialização de demandas. De nada adianta mudar a noção do “acervo” máximo de procedimentos de investigação em curso em um órgão do MP se a frequência do ajuizamento de ações continua alta. Ajuizar uma ação é celebrar um casamento de anos ou décadas com mais um processo que compete por tempo, com suas inúmeras petições, recursos e audiências. Uma promotoria comprometida com vários processos em andamento tem ainda menos tempo para dedicar às suas investigações em curso.

Ainda na linha do correto entendimento sobre a obrigatoriedade de agir do MP, é preciso perceber que o processo de reorientação e controle do acervo de procedimentos de cada órgão exige priorização e visão de sistemas. Priorizar envolve aceitar não ser possível fazer tudo ao mesmo tempo. Envolve dizer não a um modelo de agir que foca a atenção em dezenas ou centenas de sintomas de um problema estrutural — que na origem possui poucos fatores causais expressivos (Lei de Pareto). Só assim, diante de recursos limitados, se tem chance de gerar resultados de alto impacto social.

Pensar em prioridades de resultados esperados pela sociedade e imaginar iniciativas de treinamentos para a solução de desafios concretos pode ter dois efeitos positivos indiretos. Em primeiro lugar, melhorar a gestão do conhecimento e o reuso de soluções — algo nem tão usual no MP. Em segundo, repensar o desenho dos órgãos da Instituição à luz de ideias como challenge-based learning e da interdisciplinaridade que marca os problemas e objetivos de políticas públicas atuais. Aos poucos, percebe-se que definição de órgãos públicos em torno de temas herméticos não acompanha toda a interação da complexa rede de fatores causais dos problemas sociais e de suas soluções.[14]

Ainda no lado dos incentivos, o MP precisa se valer ao máximo das poucas ferramentas meritocráticas que possui para induzir o trabalho de acordo com o planejamento e com o método esperados. O desafio é fazer isso respeitando o núcleo salutar da independência funcional. Um exemplo extremamente sensível (diante do risco de manipulações e relações políticas internas nada virtuosas) é a remoção e a promoção por merecimento. Se mudar incentivos é algo complexo, que pode ter efeitos indiretos não antevistos, a boa notícia é que, também quanto a isso, o MP não estará reinventando a roda. Há vasta literatura e experimentos que podem servir de inspiração.

B. Conquistando o desconhecido

Ainda no lado emocional dos membros do MP, existe a necessidade de vencer o receio do desconhecido e conquistar o medo de se ter que aprender e usar métodos até hoje pouco familiares. A maior parte dos operadores em geral do Direito ainda vive sob os efeitos do eco que vem da faculdade, repetindo: “advogado tem medo de números”. A faculdade de Direito, de fato, não ensina métodos para aferir economicidade, eficiência e efeitos distributivos em escolhas e na gestão de políticas, planos, programas e serviços públicos. Para essa aferição, assim como para investigar complexos casos de corrupção, o MP precisa silenciar aquela voz e aprender a usar as ferramentas mais poderosas da ciência de dados. Três medidas interligadas que podem ajudar na tarefa são:

A erradicação da síndrome da reinvenção da roda

Tanto em termos de aprendizado individual e institucional, é fundamental pensar no conceito de leapfrogging: para ver além (e mais rápido), ajuda apoiar-se em “ombros de gigantes”, como disse Newton. Não faz sentido reinventar a roda. Por isso, é preciso adotar como valor transversal e como prática constante na Instituição as seguintes perguntas: qual é o benchmark para isso? Quem hoje no mundo faz isso melhor? Como? Qual o custo, risco e benefício se escolhermos tal ou qual solução? Assim, abrevia-se o tempo de desenvolvimento e internalização de novos métodos e ferramentas; e se chega a um uso mais eficiente dos recursos limitados que se possui.

Para aprender com quem já está fazendo, o MP precisa rever os seus programas de incentivo ao treinamento e participação em redes de atores no Brasil e além. A Instituição precisa mapear no Brasil e mundo afora quem são os atores e quais são as comunidades profissionais de ponta, em cada área de atuação ou componente do método que precisa constantemente desenvolver. Em seguida, é preciso deixar de ver como privilégio, mas sim como investimento de alto retorno, o envio de um membro da Instituição para participar e aprender nos melhores Congressos internacionais, mestrados (profissionalizantes ou acadêmicos) e doutorados no exterior.

Implantar um programa de treinamento on the job

Para treinar os integrantes do MP, é preciso ir além do modelo tradicional e teórico em que só o professor fala, sem exemplos práticos. Há muito o que se aprender para desenhar programas de treinamento que sejam estimulantes e dinâmicos sobre os novos métodos de controle de políticas públicas, usando tecnologia e ciência de dados. A imagem precisa ser mais a da bancada de oficina e menos a da sala de aula: todo debruçados sobre as engrenagens daquilo que se precisa entender como funciona. O conceito e prática de on the job training visa a captar essa essência.

Desenvolver uma nova cultura de experimentação

Experimentos são investimentos em aprendizado. O MP precisa internalizar a ideia de “falhas inteligentes” e de “falhar para frente”, como um elemento imprescindível de inovação. Sem isso, o conservadorismo paralisa e a dependência de trajetória continua dominante. Afinal, sempre haverá margem de incerteza sobre os resultados de qualquer projeto. Não será com ideias abstratas que se convencerá o elemento emocional e racional das pessoas para a mudança, mas sim com protótipos — que são gerados necessariamente por experimentos.

Na teoria e prática do desenho e avaliação de políticas, a ideia de formular e implementar pilotos e experimentos tem ganhado cada vez maior importância. Além de métodos rigorosos para superar o “achismo” e medir impactos de cada proposta, com experimentos investe-se na intuição e em ciclos rápidos de criatividade, produção e teste, sempre com empatia e ouvindo o usuário final dos produtos ou serviços. Destacam-se novas experiências e iniciativas do uso de design thinking e técnicas agile para o desenvolvimento de programas e ações de governo. Há um potencial interessante a ser explorado em se adaptando essas novas abordagens para o contexto de uma Instituição de controle.

Uma iniciativa promissora que o MP pode emular, desenvolvendo e difundindo a cultura de experimentação, é a criação de um laboratório de inovação. O laboratório seria o espaço ideal para desenvolver pilotos e treinar equipes em torno dos pilares da Parceria pelo Governo Aberto para o controle de políticas públicas e combate à corrupção. O melhor planejamento é aquele adaptativo, à luz das experiências que a prática da inovação, na ponta, revela. Além de promover esses efeitos, um laboratório de inovação conectado ao planejamento institucional pode ainda servir de ponto de integração com a crescente rede de laboratórios semelhantes em outros órgãos do governo — no Brasil e no exterior.

C. Time

Por fim, o maior ativo de uma Instituição é o seu capital humano. “Leve embora meu pessoal, mas deixe minhas fábricas e logo a grama crescerá no chão; leve embora minhas fábricas, mas deixe o meu pessoal e logo nós teremos uma fábrica nova e melhor”, disse Andrew Carnegie. Nenhuma instituição, pública ou privada, se torna de excelência sem gente boa e com brilho no olho.

Além de treinar e acelerar os integrantes do MP de hoje, é preciso saber como encontrar as pessoas certas que virão a integrar a Instituição. Ainda mais em situações de realinhamento institucional. Reimaginar o que um MP renovado precisa fazer e como treinar seus integrantes para a nova missão é uma excelente oportunidade de repensar como melhor medir essas habilidades nos candidatos que pretendem fazer parte da Instituição. O concurso precisa se distanciar cada vez mais de uma maratona de memorização. Por outro lado, a flexibilidade da nomeação e exoneração para cargos em comissão precisa ser vista como mecanismo que permite experimentos e aperfeiçoamentos no processo seletivo.

Ainda que individualmente selecionados e treinados da melhor maneira, há um fator a mais que potencializa resultados, além da soma das contribuições individuais: o trabalho em equipe. Também quanto a esse ponto, o MP tem um significativo caminho de aperfeiçoamento pela frente. Ele começa com uma maior integração não apenas entre promotores, mas também (e talvez principalmente) entre membros e servidores. Para isso, a Instituição pode e precisa rever alguns símbolos da tradição que mais afastam do que unem as equipes.

Conclusão

Trinta anos após a promulgação da Constituição, transformações estruturais na política e no direito público brasileiro criam um momento propício para a reflexão sobre como o MP pode e precisa evoluir, daqui em diante. Este capítulo buscou convencer o leitor de que há um ganho de efetividade e de resultados à espera da Instituição; mas que, para isso, será preciso realinhar sua estratégia e desenvolver um novo método de atuação.

Imagine o quanto mais e melhor servirá à sociedade, bem desempenhando sua missão constitucional, um MP que passe a funcionar de forma completamente digital, proativa, sem burocracia, elegendo prioridades, entendendo e monitorando sistemas, alinhando incentivos e medindo corretamente o que importa. Esse MP reimaginado decerto será uma Instituição de ainda mais sucesso no combate preventivo à corrupção e no controle legítimo de políticas públicas. Em especial, se fizer uso da ciência de dados e as ferramentas de tecnologia da informação e de comunicação.

Com dose concentrada de humildade, autocrítica, gente boa, aprendendo com quem já está na frente e, sobretudo, com experimentação, é possível alavancar o MP. Apoio da chefia institucional e capacidade inovadora dos seus órgãos de suporte e planejamento são fatores cruciais. Mas, além disso, a mudança também depende de um outro fator: a vontade e determinação daqueles que fazem ou ainda vão fazer o MP. Ou seja, das pessoas e equipes que precisam ser a maior riqueza da Instituição.

[2] ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James A., Why nations fail: The origins of power, prosperity, and poverty, [s.l.]: Broadway Business, 2013.

[3] A base empírica para as assertivas e sugestões do capítulo consiste exclusivamente na experiência obtida pelo autor durante os 18 anos que ocupa o cargo promotor de justiça — na maior parte do tempo em exercício em promotorias de justiça de tutela coletiva — integrando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. As opiniões do autor não são necessariamente as das Chefias Institucionais e de outros integrantes do Ministério Público.

[4] Um dos principais exemplos é a promulgação da Lei da Ação Civil Pública, Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que criou um instrumento para a defesa em juízo contra danos causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor, acresceu inciso ao art. 1º da Lei n. 7.347 incluindo no rol dos direitos e interesses tutelados pela ação pública (e pelo MP) “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

[5] SYDOW, Jörg; SCHREYÖGG, Georg; KOCH, Jochen, Organizational path dependence: Opening the black box, Academy of management review, v. 34, n. 4, p. 689–709, 2009.

[6] COHEN, Felix S., Transcendental Nonsense and the Functional Approach, Columbia Law Review, v. 35, n. 6, p. 809, 1935.

[7] Disponível em http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Carta_de_Brasília-2.pdf. Acesso em 23/10/2018.

[8] Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução n. 174, conferindo nova regulamentação e novas funções para o procedimento administrativo. Dentre as funções do instrumento, até então sem tanta importância, passou a figurar “acompanhar e fiscalizar, de forma continuada, políticas públicas ou instituições” (Art.8º, inciso II).

[9] HEATH, Chip; HEATH, Dan, Switch: How to Change Things When Change Is Hard, 1. ed. [s.l.]: Crown Business, 2010.

[10] Criada em 2011 e tendo o Brasil como um dos primeiros signatários, a Parceria é formada em torno dos seguintes pilares: acesso à informação (dados e informações em poder do governo, com acesso promovido de forma passiva e, preferencialmente, proativa); participação cívica (criando oportunidades para a sociedade contribuir com opiniões, críticas e sugestões para o desenho e implementação de políticas públicas e assegurando que possui informações para uma contribuição significativa); accountability (promovendo o dever de motivar ações governamentais, de forma abertura e analítica e a responsabilização [de diferentes dimensões] por atos e decisões, à luz de suas consequências); e tecnologia e inovação para abertura (de dados) e accountability (implementando medidas de e-Government que potencializem e aceleram as três dimensões anteriores, com foco especial no uso de ferramentas que reduzam o custo e permitam o reuso e automação da coleta, processamento e análise de dados, facilitando a comunicação). Conferir OPEN GOVERNMENT PARTNERSHIP, Assessing OGP Values for Relevance; NOVECK, Beth Simone, Rights-Based and Tech-Driven: Open Data, Freedom of Information, and the Future of Government Transparency, v. 19, p. 46, 2017.

[11] Jonathan Haidt chama os dois lados de elefante e seu montador. Os irmãos Heath aludem aos dois fatores exemplificando que para uma mudança de sucesso, é preciso direcionar o montador e motivar o elefante. V. nota 8.

[12] Conferir SENGE, Peter M., The Fifth Discipline: The Art & Practice of The Learning Organization, [s.l.]: Crown Publishing Group, 2010.

[13] V. nota 8, p. 180.

[14] Uma aplicação desta ideia no campo da programação financeira é o orçamento por resultados. OSBORNE, David; HUTCHINSON, Peter, The Price of Government: Getting the Results We Need in an Age of Permanent Fiscal Crisis, [s.l.]: Basic Books, 2009. CURRISTINE, Teresa; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (Orgs.), Performance budgeting in OECD countries, Paris: OECD, 2007.

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Daniel Lima Ribeiro
Inovação em governo e no controle

Ex-Coordenador e atual Fagulha do Laboratório de Inovação do MPRJ (Inova_MPRJ). Duke SJD. Curte correr e nadar. Curioso incurável.