O PDF está morrendo. Vida longa ao HTML!

O formato mais utilizado para comunicar informações no setor público não atende mais as necessidades dos usuários.

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Este artigo é em grande parte baseado nesta postagem do Serviço de Governo Digital do Reino Unido. O texto foi ligeiramente adaptado para a realidade do setor público brasileiro, mas, se quiser conhecer também o que estão fazendo do outro lado do Atlântico, não deixe de conferir o artigo original.

As informações e serviços prestados pelos órgãos públicos precisam ser tão fáceis quanto possíveis de se encontrar e usar. Por isso, o PDF não deveria ser a primeira opção para publicação no setor público.

Comparadas com os formatos voltados para a Web, as informações publicadas em PDF são mais difíceis de encontrar, usar e manter. Pior: PDFs criados sem os devidos cuidados frequentemente dificultam o acesso por pessoas com deficiência e raramente estão de acordo com padrões de preservação de documentos digitais.

Diversos órgãos públicos em todo o mundo têm buscado abandonar o PDF como principal suporte para divulgar informações. No Reino Unido, por exemplo, diversas agências já compartilharam suas experiências ao tentarem se distanciar dos PDFs e ao passarem a preparar documentos em formato HTML desde a sua origem, tornando-os mais adaptados para a Web.

Não há um levantamento oficial sobre a situação no Brasil, mas apenas no Portal Nacional de Dados Abertos — onde o cuidado com os formatos de publicação costuma ser maior — há mais de 600 documentos disponibilizados somente como PDFs. No Judiciário, em muitos contextos as publicações em PDF também permanecem sendo a regra.

Mesmo que seja improvável pensar em abandonar completamente o PDF em um futuro próximo, o padrão no setor público deveria ser priorizar o HTML em qualquer conteúdo criado. Se necessária, a publicação em PDF deveria ser um complemento à versão HTML, tomando todos os cuidados para atender os padrões de acessibilidade e de preservação de informações.

Neste artigo, tentamos explicar os principais problemas com os PDFs e porque os órgãos públicos deveriam considerar adotar uma cultura de “HTML primeiro”.

Captura de tela com trecho do relatório do projeto Bússola Baía de Guanabara, com um gráfico de barras em destaque.
Relatório do projeto Bússola_Baía de Guanabara, que pode ser acessado neste link.

Por que as pessoas usam PDFs?

Antes de explicar o que há de errado nos PDFs, é importante entender o que os tornou populares.

Em primeiro lugar, os PDFs são rápidos e fáceis de criar. A maioria das aplicações já usadas pelas pessoas para criar e compartilhar documentos — como o Microsoft Word, o LibreOffice Writer e o Google Docs — suporta a exportação fácil de arquivos em PDF.

Outra funcionalidade que torna os PDFs tão populares é o controle sobre o leiaute final. Em especial, tabelas e gráficos complexos podem ser mais difíceis de recriar usando outras ferramentas. Essa facilidade confere aos usuários aos autores uma sensação de conseguir criar um produto único com a sua identidade, sem recorrer a equipes especializadas ou às identidades visuais mais consistentes e conhecidas dos órgãos dos quais fazem parte.

Uma última razão vem de uma lógica de trabalho em papel. Quando o documento foi criado para privilegiar o uso offline, os PDFs parecem fazer mais sentido, já que são tradicionalmente mais fáceis de baixar e imprimir do que os formatos web.

Todas as razões que motivaram a adoção do PDF como formato padrão para as publicações no setor público são compreensíveis. Porém, elas são produto de uma cultura e de processos antiquados de produção de conteúdo, adaptados a uma realidade anterior à disseminação das tecnologias digitais e da internet em larga escala.

Em um momento em que o setor público está em transição para uma cultura digital, surge a oportunidade de rever antigos hábitos. Em especial, é preciso questionar as oportunidades perdidas com práticas de comunicação que não são inclusivas nem adaptadas aos usos atuais das tecnologias pelos cidadãos. E isso inclui olhar com cuidado para os problemas no uso de PDFs e nas vantagens de criar conteúdo direcionado à Web.

Afinal, qual é o problema com os PDFs?

Ícone representando arquivo PDF cai do céu em cima de uma lápide com a inscrição R I P.
Fonte: TechFunnel©

1. Eles não foram criados para serem lidos em uma tela

As pessoas não leem da mesma forma no papel e na Web. É importante criar conteúdo que seja claro, conciso e estruturado de forma apropriada para atender às necessidades do usuário. Um PDF criado para uso offline dificilmente vai atender a esses requisitos e, muito provavelmente, vai resultar em uma experiência ruim para o usuário.

2. Eles não se adaptam ao formato do dispositivo

Em 2019, o celular era a única forma de acesso à internet para 58% dos brasileiros. Daí a importância de sites responsivos, nos quais os conteúdos e elementos de página se movem de forma a preencher a tela do usuário da melhor forma possível — seja ela a tela de um desktop ou de um celular.

Os PDFs, por outro lado, não foram pensados para serem flexíveis no seu leiaute. Enxergar um PDF na tela de um celular pode exigir do usuário muito trabalho de ampliação, redução e rolagem de uma parte para outra. Isso é especialmente desafiador quanto maiores forem os documentos e menores forem os dispositivos usados na leitura.

3. Eles provocam mais dificuldades de navegação

Dependendo do dispositivo e do navegador do usuário, um PDF pode abrir como uma nova janela, uma nova aba ou um aplicativo separado. Por vezes, eles são baixados automaticamente para o dispositivo. Quando isso acontece, o usuário é levado para fora do site original. Ou seja, o usuário perde o contexto da interface e da navegação, tornando difícil retornar se ele precisar.

Esse é um problema ainda maior quando o usuário chega ao PDF diretamente por um motor de buscas. Sem o contexto do site onde o PDF está abrigado, ele não consegue navegar facilmente para conteúdos relacionados ou realizar buscas no próprio site.

4. Eles tornam mais difícil acompanhar usos e identificar oportunidades de melhoria

É difícil obter informação suficiente para analisar as formas como as pessoas usam PDFs. É até possível obter dados de quantos downloads houve, mas não medir se o arquivo foi lido uma vez que esteja na máquina do usuário.

Além disso, é muito difícil saber como os usuários interagiram com um PDF — por exemplo, por quanto tempo eles visualizaram uma parte ou que links eles seguiram. Isso torna ainda mais desafiador identificar deficiências e pontos para melhoria.

5. Eles são mais difíceis para alguns usuários acessarem

A acessibilidade de um PDF depende de como ele foi criado. Por exemplo, ele deve ter uma estrutura baseada em etiquetas e títulos, metadados significativos, corpo do texto legível, bom contraste de cores e alternativas textuais para as imagens. E leva bastante tempo para garantir tudo isso.

Mesmo com as melhores práticas, não há garantia de que o conteúdo atenderá às necessidades de acessibilidade dos usuários e das tecnologias usadas por eles. Sistemas operacionais, navegadores e dispositivos trabalham de formas diferentes, assim como a variedade de tecnologias assistivas disponíveis.

Alguns usuários, por exemplo, necessitam mudar as configurações do navegador para tornar as cores e tamanhos das fontes mais fáceis de ler. Isso é mais difícil de fazer em um PDF, o que torna o conteúdo limitado para pessoas que necessitam desse tipo de customização.

6. Eles são menos propensos a atualizações constantes

Comparado com um documento em HTML, é mais difícil atualizar um PDF uma vez que ele esteja publicado. Os PDFs também são menos propensos a serem ativamente mantidos, levando a links quebrados e usuários que têm acesso a informações desatualizadas. Se o documento tiver sido publicado em múltiplos formatos, é ainda mais problemático garantir que as mudanças sejam feitas em todas as versões, levando a mais trabalho e oportunidades de erro.

Além disso, do ponto de vista do usuário, os PDFs também estimulam um tipo de uso que não é ideal. Com eles, torna-se mais fácil manter e consultar cópias de um material que não necessariamente é o mais atualizado disponível — ao invés de sempre consultar uma URL onde o conteúdo será sempre o mais correto e atualizado.

7. Eles são difíceis de reutilizar e pouco flexíveis para novos usos

Pode ser desafiador reutilizar o conteúdo de um PDF copiando e colando suas partes. O leiaute do PDF pode produzir resultados inesperados, especialmente se ele tiver várias colunas, se não for estruturado corretamente ou se utilizar fontes incompatíveis.

O conteúdo Web também pode ter seu uso estendido com funcionalidades para trazer conteúdo multimídia, interativo ou em tempo real. Da mesma forma, os usuários podem instalar extensões nos seus navegadores que adicionam novas funcionalidades às páginas — por exemplo, para traduzir conteúdos automaticamente.

Nenhum desses comportamentos pode ser replicado em PDFs. Insistir em publicar conteúdo nesse formato significa renunciar a esses e outros desenvolvimentos em um futuro próximo.

Adeus PDF, olá HTML!

Capa do relatório do Fluxo de Transformação com avatar do plugin V Libras sinalizando “boas vindas”
O relatório do Fluxo de Transformação já nasceu em HTML. O plugin VLibras é um dos exemplos de extensões que a publicação em formatos web torna possíveis. (CC-BY 4.0)

Em experiência no Laboratório de Inovação do MPRJ (Inova_MPRJ), todo o conteúdo produzido passou a ser disponibilizado em formatos Web adaptados para a melhor experiência e acessibilidade pelos usuários.

Para começar, todos os relatórios produzidos pelo Laboratório a partir de abril de 2020 estão disponíveis como documentos HTML. Com o uso de ferramentas para criação de sites sem código, mesmo uma equipe sem desenvolvedores é capaz de implementar recursos de interação e alimentar conteúdo em tempo real nos relatórios.

Aos poucos, documentos elaborados durante a construção dos projetos também podem ser disponibilizados em formato web. Informações básicas do projeto podem ser disponibilizadas publicamente logo no começo de um ciclo de trabalho, incorporando novos conteúdos conforme o projeto avança.

Além disso, do ponto de vista da acessibilidade, o formato HTML permite acrescentar recursos como o VLibras em todas as páginas e relatórios, permitindo a tradução do seu conteúdo para linguagem diretamente do navegador. Descrições alternativas também podem acompanhar as imagens, garantindo acessibilidade total para softwares leitores de tela.

Queremos saber como o seu órgão ou instituição está trabalhando para tornar as suas publicações mais adequadas aos novos usos e necessidades dos seus usuários. Deixe um comentário aqui no Medium e conte-nos mais!

Com Beatriz Ferreira, Breno Gouvea, Daniel Lima Ribeiro, Gabriel Delman, Júlia Rosa, Leonardo Santanna, Letícia Albrecht, Manuella Caputo, Marcelo Coutinho e Matheus Donato.

Este artigo não representa a opinião institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de seus órgãos ou integrantes, sendo de iniciativa e responsabilidade exclusivamente pessoal do autor.

Este artigo foi publicado originalmente sob a Open Government License v3.0. Nossa tradução e adaptação é disponibilizada sob licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC-BY 4.0), compatível com a original. Você é livre para compartilhar e readaptar o conteúdo para qualquer fim, mesmo que comercial, desde que cite a fonte original e a da tradução.

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