Pesquisatona ou Morte

Aproveitando a inteligência coletiva para não reinventar a roda

Júlia Rosa
Inovação em governo e no controle
6 min readJan 21, 2020

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A história de uma Bússola

Em 2019, o Inova_MPRJ lançou o projeto piloto da série Bússola, voltado para a fiscalização da gestão dos hospitais da rede pública. A ideia do Bússola é usar dados para oferecer um norte para a atuação dos promotores e promotoras do MPRJ. Para isso, os instrumentos de trabalho do Laboratório são as políticas públicas baseadas em evidência, o design de serviços, os dados abertos e a computação em nuvem. A palavra de ordem é priorizar: é frequente o uso da frase “quem quer ver tudo, não vê nada”.

Recentemente, o Inova_MPRJ lançou o segundo Bússola, a pedido do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA/MPRJ), focando no monitoramento de obras de recuperação da bacia da Baía de Guanabara. Já são, literalmente, décadas falando sobre isso. Como garantir que o projeto não irá repetir os mesmos erros do passado?

Edições do jornal O Globo, de 10 de março de 1996, 12 de maio de 2002 e 13 de março de 2016, respectivamente.

Inovador mesmo é não reinventar a roda

Ninguém precisa de mais um programa/app/projeto que faz exatamente a mesma coisa que outro. Nem começar do zero quando pretende construir algo ligeiramente diferente. Menos reinvenção da roda. Um dos objetivos do Laboratório é prospectar no Brasil e no mundo o que está sendo feito na área de inovação.

Por isso, a pesquisa é não apenas etapa importante — ela é essencial. O método de trabalho do Laboratório, o Fluxo de Transformação, prevê um momento específico para isso durante a fase de Aprofundamento — a “pesquisa de mesa” (um aportuguesamento de desk review, afinal estamos no Brasil). Às vezes, o melhor final para um projeto de inovação é simplesmente copiar algo que já existe.

Porém, se a ideia é trabalhar em ciclos rápidos de entrega, surge um desafio: como, em um tempo tão curto, fazer uma pesquisa suficientemente extensa das principais soluções já desenvolvidas em um dado tema? Segundo o método do Inova_MPRJ, a resposta está em fazer o melhor uso possível da inteligência coletiva.

Convocando a inteligência coletiva

A natureza do projeto envolvendo a Baía de Guanabara exigiu a interdisciplinaridade de uma equipe formada por pessoas da área da Engenharia Sanitária, Direito, Ciência de Dados e Geografia. Eram experiências em auditoria, meio ambiente, gestão de projetos, dados abertos, tecnologia. Como melhor aproveitar todos esses saberes para encontrar uma solução inovadora e eficiente?

Por isso, faz sentido congregar todos esses pontos de vista em um único dia, numa maratona de pesquisa — a “Pesquisatona”. A equipe do projeto se reuniu com o time de Design do Inova_MPRJ, que montou uma série de atividades focando em pesquisa, organização e geração de sacadas (os famosos insights).

Para isso, o Laboratório decidiu usar duas ferramentas, o Hypothes.is e o Miro. O primeiro funciona como agregador de conteúdo mais denso, de jornais ou textos acadêmicos, com marcação, comentários e etiquetas. Deu um problema e teve que ir embora? Tranquilo, a sua pesquisa pode ser compreendida por outros, graças às marcações e anotações.

O segundo serve para criar um quadro visual (e virtual) colaborativo dessa pesquisa, incluindo as principais ideias e sacadas. Se contar as sete horas de trabalho dos nove participantes, foram 63 horas de pesquisa condensadas em um expediente.

23 minutos e 35 segundos para o Pomodoro acabar

“Mas eu quero prêmios”

Pesquisar cansa, ainda mais durante um dia inteiro. O time de Design decidiu investir na ideia de recompensas e competição (saudável). Por isso, participantes foram divididos em três equipes. Elas receberam pontos por pontualidade, respeito à técnica Pomodoro, coleta de informações únicas para o grupo, organização da parede de pesquisa, agrupamento das ideias gerais e sacadas mais votadas.

Parede de pesquisa das três equipes

Para estimular os participantes durante a Pesquisatona, tiveram premiações durante o dia. Os designers constituíram uma equipe julgadora que decidiu qual a parede de pesquisa estava mais organizada e premiou a equipe com um bóton. Além de um bom souvenir para lembrar-se do evento, o “prêmio” também serviu para estimular a continuidade da competição e dar o gás final para as atividades seguintes.

Equipe vencedora

A equipe de design também contabilizou os pontos em tempo real e de forma visível para todos os participantes que podiam acompanhar o avanço dos seus times. No final da maratona, o time com maior número de pontos ganhou uma caneca escrita “Pesquisatona ou Morte” para sempre se lembrarem da importância da pesquisa para os projetos de inovação.

Aprendizados

Como foi um primeiro experimento, foram muitos aprendizados importantes — e que abriram os olhos dos participantes sobre como a pesquisa é fundamental e como deve ser constante na vida do gestor público. Deu para perceber como existem iniciativas fascinantes para o acompanhamento de obras públicas no Brasil e no mundo. A questão é como divulgar esse conhecimento e se apropriar dele para construir soluções para os problemas locais.

Além disso, o resultado da pesquisa vai certamente refletir a área de especialidade e de interesse dos participantes. Por esse motivo, é extremamente importante reunir pessoas com conhecimentos e experiências distintas — isso enriquece a discussão e as possíveis soluções.

Por fim, como qualquer pesquisa séria, a Pesquisatona tem o mesmo problema: é difícil saber quando parar. Ter conhecimento gera insegurança de que há muito mais a ser descoberto, e sempre fica a sensação de que algo ficou de fora. Por isso, o método importa no estabelecimento de limites e de organização dessas ideias. E para saber o que pode ficar para o próximo Pomodoro…

“Também quero Pesquisatonas para os meus projetos”

Para o futuro, gostaria de ver Pesquisatonas em outros órgãos — e quem sabe para fora do Ministério Público do Rio de Janeiro. O método será um sucesso quando for replicado e aplicado em outros contextos, não apenas nos nossos projetos.

Em colaboração com a equipe do Inova_MPRJ: Bernardo Chrispim Baron, Beatriz Ferreira, Gabriel Delman, Breno Gouvea, Letícia Albrecht, Leonardo Santanna, Matheus Donato, Marcelo Coutinho e Daniel Lima Ribeiro.

Este artigo não representa a opinião institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de seus órgãos ou integrantes, sendo de iniciativa e responsabilidade exclusivamente pessoal da autora.

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Júlia Rosa
Inovação em governo e no controle

Atuando no Inova_MPRJ. Alumni do Vetor Brasil. Mestra em Estudos de China Contemporânea. Editora Sênior da 书面 (Shūmiàn), newsletter sobre China.