Uma faísca de esperança para os (tantos) problemas públicos

A perspectiva de um aluno de Ensino Médio em meio a um projeto de inovação dentro do MPRJ

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Durante a pandemia, tive bastante tempo para reflexão sobre o meu futuro. Estava cursando o 9° ano e, em meio a esse caos todo, pensar sobre faculdades, cursos e empregos que poderia ocupar no futuro me causava constante ansiedade.

As áreas de astrofísica e astronáutica apelaram para um lado curioso da minha personalidade, sempre intrigado sobre as estrelas e os planetas. Música também era uma possibilidade, apesar de meu lado artístico ter perdido força como foco profissionalizante ao longo do tempo. Nenhum dos dois, entretanto, parecia me satisfazer completamente.

O que faltava, na minha percepção, era alguma área de estudo que me providenciasse ferramentas de impacto significativo nas pessoas. Claro que músicos e astrofísicos podem fazer isso, mas não parecia que o fizessem do jeito que eu buscava.

Em outras palavras, meu questionamento principal era o seguinte: quando tiver 70 anos, por qual tipo de trabalho quero que as pessoas lembrem de mim?

Em 2020, as eleições para prefeito foram grande tópico de discussão e me fizeram refletir mais do que antes sobre os problemas do meu município. Tinha curiosidade sobre política desde muito novo, mas nunca tinha realmente me debruçado para estudá-la mais a fundo.

Vendo que tinha encontrado uma paixão, procurei formas de me envolver nessa área. Junto com alguns amigos criei projetos de educação política na minha escola, me disponibilizei para fazer parte de campanhas de candidatos que acredito e, por fim, ouvi falar do Inova_MPRJ.

Ao descobrir a possibilidade de se trabalhar com políticas públicas dentro de um órgão de controle, busquei a equipe e me contaram mais sobre o Inova, um laboratório de inovação voltado para melhorias no Ministério Público e nos governos — o que me encantou logo de cara.

Li bastante sobre os métodos usados e os projetos que estavam sendo tocados e acabei decidindo que gostaria aprender mais sobre um deles: o Mosaico. Seu objetivo é provocar um impacto positivo na prevenção e no combate à corrupção, um tópico que sempre me interessou desde pequeno, por meio de uma otimização da atuação das promotorias responsáveis sobre esses temas.

Tive a sorte de ser aceito no programa Fagulha, do Inova_MPRJ, que oferece a alunos do ensino médio (com especial dedicação e performance) uma vivência imersiva na realidade do laboratório.

No resto desse post, procuro contar como é a experiência de um aluno de Ensino Médio acompanhando um projeto de inovação em governo: as minhas expectativas, surpresas, desafios, entre outros.

Perspectiva de um aluno de ensino médio sobre o Estado

Minha perspectiva antes de conhecer o Inova_MPRJ era, certamente, similar à de muitos dos meus colegas. A noção de que a corrupção do funcionalismo público é algo insolucionável — assim como a má qualidade de serviços públicos essenciais sendo algo extremamente comum.

É certo que existe também a ideia de que existem sim pessoas competentes tentando fazer a diferença dentro das instituições; mas que, quando existem, são rapidamente reprimidas pela escuridão do sistema político. Em outras palavras, pessoas que são comprometidas com o futuro do país se corrompem ou saem do sistema público.

Todos esses achismos vêm sumariamente das notícias na televisão retratando filas enormes nas entradas de hospitais públicos, insegurança em várias partes da cidade e poluição da Baía de Guanabara, por exemplo. Nossas famílias, muitas vezes, nosso principal ponto de referência na formação de opinião, vocalizam uma desesperança mediante à essas notícias, o que cultiva ainda mais uma visão pessimista.

Um filtro ideológico também é, frequentemente, utilizado na análise do funcionamento de instituições estatais como o Ministério Público, por exemplo. Não se olha para o estudo de políticas públicas de forma científica, baseada em evidência.

A opinião de pessoas da minha idade (muitas vezes me incluindo) em relação à resolução de problemas como filas enormes em hospitais públicos, é determinista demais. As discussões acerca deste tema, por exemplo, giram em torno de simplificações excessivas, expressas em questões articuladas como “vamos privatizar o SUS” ou “o SUS é muito bom para o Brasil”.

A análise focada em um problema específico, com base em dados e a partir de testes de hipóteses por experimentos com diferentes desenhos é rara. Mas não no Inova_MPRJ.

Quebras de expectativa

Recursos tecnológicos são algo que eu nunca imaginaria em uma instituição pública como o MP. O uso de ferramentas como machine learning e softwares como o Basecamp para divisão de tarefas e otimização de trabalho nunca teriam passado pela minha cabeça.

A ciência de dados é um dos aspectos mais importantes do projeto Mosaico, garantindo visão clara e inquestionável sobre a existência dos problemas que procura enfrentar, assim como sobre possíveis soluções.

Também é importante ressaltar que a equipe do Mosaico é extremamente competente e bem-intencionada. Ao contrário do que eu pensava, as pessoas que realmente querem impactar positivamente o país não estão sozinhas em meio à escuridão do sistema, mas sim trabalhando juntas.

Apesar da formação variar, desde bacharelado em Geografia, passando pelo óbvio bacharelado em Direito, até especialização em Políticas Públicas, essa interdisciplinaridade dialoga muito bem com o propósito do projeto.

Junto a isso, pode-se ressaltar o fato de que grande parte da equipe também tem uma boa noção sobre novas ferramentas tecnológicas disponíveis, para diferentes usos. Por exemplo, vou começar a trabalhar na classificação de documentos do projeto num software chamado Atlas.ti e as duas pessoas que vão me ajudar nesse processo não possuem diploma em ciências exatas.

O método adotado pelo projeto também me surpreendeu muito. O chamado Fluxo de Transformação, desenvolvido pelo Inova_MPRJ, segue veementemente o método científico e desmistificou a minha percepção inicial de que o campo das políticas públicas era ideológico.

A busca por soluções no Mosaico passa muito mais por escutar promotores, coletar dados, prospectar outras instituições com problemas parecidos e realizar experimentos, do que pela confirmação de vieses ideológicos.

Mas é claro que nem tudo são flores. Existem dificuldades e atrasos dentro do MP que parecem impedir, por vezes, o progresso de boas iniciativas.

Desafios

É fácil demais para uma pessoa de 16 anos se tornar idealista e sonhador acompanhando e contribuindo para um projeto como o Mosaico. Toda a tecnologia, o esforço e os progressos podem seduzir e fazer crer que é fácil mudar o Rio de Janeiro, o estado, ou até mesmo o Brasil todo. Mas não é

No enfrentamento de um problema, é comum que sua solução esteja escondida atrás de outros problemas estruturantes. Na busca pela otimização e priorização do trabalho dos promotores, por exemplo, o problema de falta de digitalização de documentos e as dificuldades acesso a dados da própria Instituição atrapalham um resultado positivo para o primeiro objetivo.

Além disso, existem desafios internos que me atingem especificamente. As soluções muitas vezes passam por diferentes áreas do conhecimento como direito, ciência de dados e, em outros projetos até ciências ambientais e biológicas. Não é incomum o desespero bater, principalmente para quem não é especializado em nada e não tem nem o Ensino Médio completo.

Aprender sobre as diferentes atribuições nas promotorias e depois lidar pela primeira vez com pesquisa qualitativa e ciência de dados é sem dúvida uma experiência que te torna mais humilde. Estar de cara com total ignorância sobre um tema é frustrante, mas traz progressos. Primeiramente, abre a mente para qualquer feedback, opinião contrária ou revisão de aprendizado. Quando se está em um ambiente onde todos sabem mais do que você, a postura claramente mais adequada é se manter aberto, o que facilita a obtenção de conhecimento e aperfeiçoa o trabalho.

Conclusão

Dito tudo isso, gostaria de mencionar que poder acompanhar de perto e contribuir para um projeto como esse acende uma faísca de esperança em um adolescente idealista, como a maioria, e joga luz na procura por minhas ambições profissionais

Claro que os desafios são grandes e a mudança não vem fácil. Mas isso não quer dizer que mudar não seja possível, ainda mais com os recursos disponíveis atualmente. Também é importante mencionar que outros países e instituições já enfrentaram desafios parecidos com os nossos e não precisamos reinventar a roda (um dos mantras mais importantes do Inova_MPRJ).

Falar sobre como os problemas são insolucionáveis e como a situação atual é ruim não faz dela melhor. O caminho para evitar a estagnação passa sempre por um pouco de esperança e vontade de mudar as coisas que nos deixam revoltados. O Inova_MPRJ me ensina isso muito claramente, além de ser um grande exemplo dos resultados que podem ser atingidos junto à essa mentalidade.

Se encaramos os problemas sociais substituindo os preconceitos com o sistema público por uma abordagem científica, utilizando diferentes disciplinas, sempre mantendo a humildade de olhar para soluções em outros lugares e escutando diferentes setores da sociedade, quem sabe podemos chegar ao ponto de solucioná-los?

Comente nesta publicação sugestões ou pensamentos sobre o texto, para colaborar na construção de um Ministério Público mais efetivo.

Este artigo não representa a opinião institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de seus órgãos ou integrantes, sendo de iniciativa e responsabilidade exclusivamente pessoal do autor.

Com: Daniel Lima Ribeiro, Breno Gouvea, Juliana Bossardi e Leonardo Santanna.

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