Ouvidos na notícia: como tornar o jornalismo mais inclusivos para deficientes visuais?

Lara Moeller Nunes
Inovação em Jornalismo
8 min readDec 22, 2020

Por Amanda Gorziza, Felipe Conte, Júlia Pompeo e Lara Moeller

O trabalho “Ouvidos na notícia” foi realizado pelos estudantes de jornalismo Amanda Gorziza, Felipe Conte, Julia Pompeo e Lara Moeller para a disciplina de Inovação em Jornalismo da PUCRS, orientado pela Profa. Dra. Ana Cecília Nunes. O estudo foi realizado ao longo do semestre com o objetivo de propor uma intervenção inovadora no campo do jornalismo.

Ao longo da disciplina, o grupo analisou o cenário atual do jornalismo e os problemas de inovação envolvendo os deficientes visuais, público-alvo do projeto desenvolvido. De acordo com o Censo de 2010, esta é a deficiência com maior número de casos em brasileiros: 35,7 milhões de pessoas têm dificuldade para enxergar mesmo de óculos. A partir de uma pergunta delimitadora do problema, “como podemos tornar os conteúdos jornalísticos mais inclusivos para deficientes visuais?”, a equipe buscou contextualizar e definir o público a ser estudado. Para começar, foi realizado um infográfico que contém dados sobre a deficiência no país, a acessibilidade em sites brasileiros e as leis presentes na Constituição.

Design Thinking e jornalismo

O processo de Design Thinking envolve intensa observação e troca de aprendizado, tentando encontrar uma solução através da empatia e da criatividade. Ele permite que o público seja compreendido, definido e atendido de maneira mais certeira. Esse método é essencial quando estamos lidando com grupos que diferem da nossa realidade, pois nos permite enxergar suas necessidades a partir do ponto de vista de quem é, de fato, afetado por isso. Tim Brown exemplifica esse processo no livro “Design Thinking” ao mencionar os insights. “O que facilita a busca pelo insight — em oposição à busca por dados quantitativos — é que ele está em toda a parte e é de graça”, ressalta o autor.

No caso da nossa proposta de inovação, a qual envolve deficientes visuais, escutar os relatos foi essencial para construir a persona e identificar as dificuldades. No processo de construção dos mapas de empatia, entrevistamos primeiro quatro deficientes visuais para conseguir entender com detalhes seus desafios diários no que diz respeito ao consumo do jornalismo. Observamos a aparição de obstáculos em comum entre eles, como as publicidades no decorrer do texto, reforçando a importância de mudanças especificamente naquele quesito. As propagandas quebram a linearidade da leitura e atrapalham o entendimento da matéria. Além disso, eles também relatam encontrar dificuldades com a falta de audiodescrição nas imagens, gráficos e ilustrações presentes nas matérias jornalísticas, o que dificulta ainda mais a compreensão do conteúdo como um todo.

Muitas redações deixam de pensar nos conteúdos inclusivos e produzem apenas para a grande massa. Não podemos, enquanto jornalistas, apenas supor o que o público quer e precisa receber. “Primeiro traga evidências das necessidades da comunidade e depois, apenas depois, você deve imaginar como as ferramentas do jornalismo podem ajudá-las”, ressalta Jeff Jarvis no texto “Se eu tivesse um jornal…”. Ele afirma que é necessário estabelecer uma relação entre os profissionais e os usuários para entregar um serviço que seja, de fato, relevante e útil. Identificar e entender o público são fatores essenciais para realizar um trabalho inovador. Tendo isso em vista, também conversamos com jornalistas que estão inseridos em redações ou que já trabalharam nelas. Dessa forma, conseguimos entender como funciona a dinâmica de trabalho dentro desses ambientes e como são pensados os conteúdos inclusivos para esse público. Apesar da preocupação, muito pouco é feito na prática para mudar essa realidade dentro das plataformas de notícia. Professores universitários também entraram no nosso público-alvo. Acreditamos que a mudança deve vir desde o ambiente acadêmico, para assim ser implementada de maneira eficaz dentro do mercado de trabalho.

Processo de brainstorming

Durante a realização do projeto, o grupo foi se envolvendo e criando empatia com o público-alvo estudado. Foram realizadas entrevistas para compreender melhor o dia a dia dos deficientes visuais e dos grupos que se relacionam eles. Os estudantes procuraram compreender as principais dores e necessidades do cliente, como já foi mencionado anteriormente em alguns exemplos. Além disso, foram elencados outros públicos que se relacionam e que poderiam ajudar neste desafio, como desenvolvedores de tela, programadores e pesquisadores. Finalmente, foram analisados possíveis tecnologias, recursos e linguagens que auxiliariam no desenvolvimento do projeto, como áudio, descrição de imagem, bloqueio de publicidade, QR Code, jornal em braile, entre outros.

A partir dessas variadas ideias, o grupo refletiu sobre a melhor maneira de entregar um serviço inovador para os deficientes visuais. Com isso, chegou-se à solução de criação de um aplicativo que resolva algumas dores e necessidades do público. Se criássemos um bloqueador de publicidade apenas, todos os outros problemas relacionados com o leitor de tela e a descrição de imagens, por exemplo, continuariam existindo, o que continuaria gerando entraves.

Aplicativo Ouvidos na notícia

O aplicativo “Ouvidos na notíciaconsiste em um projeto que une diferentes veículos de comunicação de referência no Rio Grande do Sul de uma maneira inovadora e acessível para os deficientes visuais. Através de uma plataforma focada em conteúdos de áudio, o aplicativo faz uma curadoria de matérias provenientes da GaúchaZH, Diário Gaúcho, Correio do Povo e Jornal do Comércio. Os conteúdos serão adaptados e disponibilizados na plataforma com narração feita pela própria equipe, evitando assim leituras mecânicas como a do leitor de telas. O consumidor, ao abrir o aplicativo, poderá escolher de qual veículo deseja receber as informações e qual editoria deseja ter acesso. Dessa forma, ele escuta as manchetes do dia e opta pelo conteúdo que quer consumir na íntegra. Todos os comandos do aplicativo serão através de controle de voz e o usuário também poderá realizar pesquisas por assuntos específicos e palavras-chave.

A plataforma será de uso exclusivo para deficientes visuais, e para garantir isso o sistema do aplicativo será vinculado com o banco de dados do Cadastro Nacional de Inclusão de Pessoas com Deficiência. O usuário deverá fornecer informações de identificação pessoal (como CPF e RG) para que o cadastro possa ser concluído. O objetivo é garantir que esse modo de distribuição beneficie apenas quem precisa. Com a narração especial feita pela equipe, exclui-se a problemática das propagandas e da falta de audiodescrição de imagens e gráficos inseridos nas matérias, pois o conteúdo será todo adaptado. Assim, inova-se na forma de consumir o produto e nas maneiras de produção e distribuição do mesmo, que será consumido em formato de áudio a partir de um aplicativo exclusivo feito com a finalidade de auxiliar os deficientes visuais.

Modelo de lucro escolhido

O sistema de assinaturas (paywall) no jornalismo, cada vez mais, tem perdido seu espaço. O “assinante”, em muitos casos, torna-se um “contribuinte”. Nesse conceito, a pessoa interessada não precisa pagar para ter o acesso, sendo a contribuição financeira uma recompensa pelo conteúdo de qualidade produzido pelo portal. O financiamento para manter a plataforma nos primeiros meses do lançamento poderia ser a partir do programa de investimento em startups inovadoras do Governo Federal, por meio da Finep (caso o projeto seja selecionado/aprovado). O aplicativo — disponível para smartphones, PCs, tablets e iPads — não precisará ser pago. A partir disso, contribui financeiramente quem estiver satisfeito com a qualidade do serviço visando ajudar na manutenção e aprimoramento do mesmo. O modelo de sustentabilidade também funcionará através de um financiamento coletivo (crowdfunding), em que cada um contribui como pode e aproxima o associado do produtor de conteúdo.

Concorrência e diferenciais

A criação do aplicativo “Ouvidos na notícia” tem por objetivo suprir uma necessidade específica (levar conteúdo jornalístico acessível e adequado aos deficientes visuais) que outros dispositivos existentes não atendem. Portanto, a plataforma foi pensada após uma análise dos concorrentes mais próximos, extraindo deles aquilo que apresentam de positivo e combinando com as adaptações necessárias.

A “Press Reader” é uma empresa de tecnologia e distribuição de jornais que disponibiliza a versão digital de 7 mil jornais e revistas de diferentes países. O programa concede ao leitor — ou nesse caso, ouvinte — a possibilidade de ter o conteúdo em formato de áudio. No entanto, a leitura é robótica — se assemelha ao Google Tradutor — sem dar a devida entonação e apresentando erros de pronúncia por confundir os idiomas. O problema do sotaque também aparece no aplicativo “TalkBack”, software leitor de tela para celulares Android. O recurso auxilia as pessoas com deficiência visual a selecionarem as opções do menu do smartphone. O aplicativo restringe o serviço somente para quem possui esse sistema operacional, já o “Ouvidos na notícia” pretende ser disponibilizado para todos os sistemas operacionais. O que ambos têm em comum é o comando por voz, algo que falta para o sistema “Ubook”. Esse serviço disponibiliza audiolivros, podcasts, e-books, entrevistas, séries, cursos e notícias em áudio. Apesar de ter uma variedade de conteúdos, o “Ubook” tem como foco os livros, oferecendo mais 400 mil títulos de diferentes gêneros literários. Além disso, todo o conteúdo da plataforma é original, ou seja, publicado sem alterações e adaptações. Portanto, o que difere o “Ouvidos na notícia” é o teor jornalístico e a credibilidade da informação transmitida através da curadoria dos principais jornais do estado. Outro ponto a favor do aplicativo é o modo de pagamento, tendo apenas um valor único para download enquanto o outro requer mensalidades. O que os dois apresentam em comum é a qualidade da leitura, visto que a narração é feita por profissionais capacitados e cuidadosamente selecionados.

Aprendizado do grupo

Ao pensarmos no jornalismo, a primeira coisa que vem na nossa mente é o cenário tradicional dessa atividade: redações lotadas e sem nenhum tanta diversidade ou acessibilidade. Os tempos mudaram e, da mesma forma que o resto do mundo teve de se adaptar aos novos hábitos e formas de expressão, o jornalismo também precisou se reinventar para não perder seu espaço no mercado. Nesse semestre, aprendemos como a inovação pode acontecer no meio jornalístico e que, para fazer isso, temos de ter a capacidade de compreender a necessidade do público, exercitando assim a empatia. Precisamos nos colocar no lugar do outro para entender quais são suas reais necessidades. No nosso trabalho, por exemplo, para conseguirmos achar uma solução de como fazer o conteúdo jornalístico ser mais acessível aos deficientes visuais, conversamos, estudamos e buscamos entender como é o cotidiano dessas pessoas e quais são as dificuldades encontradas por eles diariamente. Identificamos um problema, pensamos em possíveis soluções e, assim, construímos um projeto de produto capaz de ajudá-los durante o consumo de notícias.

Protótipo do aplicativo

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