Como conduzir a transformação digital do emprego público?

Hélio B. Barboza
Inovação Pública
3 min readApr 6, 2022

É preciso realocar a mão de obra empregada em funções que se tornam obsoletas e atrair profissionais de tecnologia

Foto: rawpixel.com

Você já deve ter lido em algum lugar que o mundo do trabalho não será o mesmo depois da pandemia — muitas reportagens e artigos de especialistas apontam as transformações em curso. Menos discutido é o impacto sobre o emprego público e, indiretamente, sobre o modo como o Estado entrega serviços à população.

Assim como na iniciativa privada, é esperada a intensificação do uso da tecnologia e do trabalho remoto. Mas as peculiaridades do setor público criam outros desafios para essa transição. Basta pensar no binômio “concurso público — estabilidade” e projetar a rápida obsolescência de diversas funções que hoje fazem parte da administração direta e indireta, do Legislativo e do Judiciário. O que fazer com a mão de obra empregada nessas funções?

Empresas privadas não têm muitas dificuldades para extinguir departamentos inteiros e colocar na rua os funcionários que se tornaram dispensáveis pelo avanço tecnológico. As empresas com alguma responsabilidade social criam programas de requalificação ou oferecem ajuda financeira para que essas pessoas tenham tempo de se recolocar no mercado.

Já no setor público os contratos de trabalho são mais rígidos, a mobilidade entre áreas é mais difícil e a incorporação de novas funções tende a ser mais lenta. Existe ainda a dificuldade de disputar com o setor privado os cobiçados profissionais de tecnologia. “Boa parte do talento digital valoriza a capacidade de mobilidade no trabalho”, diz um artigo publicado em 2020 na revista Forbes.

O artigo é citado no livro “Transformação digital e emprego público: o futuro do trabalho do governo”, lançado no ano passado pelo BID. Estudos produzidos por bancos multilaterais costumam ser prescritivos e às vezes distanciam-se da realidade, mas nem por isso perdem relevância. O livro do BID faz um inventário dos desafios que cercam a transição tecnológica do emprego público e mapeia as soluções disponíveis.

Em relação à dificuldade de atrair para o setor público os talentos tecnológicos (considerando que a estabilidade não seduz esses profissionais), o livro sugere empregos temporários ou por projeto. “Para esses especialistas, é útil contar com um esquema que lhes permita ingressar no governo, trabalhar por um prazo determinado e, depois, regressar ao setor privado”, escreveram os autores. Segundo a publicação, os empregados temporários podem deixar o conhecimento tecnológico como legado à equipe permanente. Esse foi o caminho trilhado pelos Estados Unidos.

Outra opção é criar uma função específica para o profissional de tecnologia dentro do setor público, com possibilidade de ingresso em qualquer nível, mobilidade entre órgãos, formação contínua e remuneração competitiva. Assim fez o Reino Unido.

Last but not least…

  • Para todos os demais servidores públicos, o BID recomenda uma política de ampla capacitação tecnológica. “A capacitação oferecida pelos governos da América Latina e Caribe aos servidores públicos, especialmente no que diz respeito aos temas de tecnologia, tende a ser insuficiente e, por vezes, pouco relevante e de baixa qualidade.”

***

  • O estudo sugere ainda que o setor público se antecipe à extinção ou mudança de funções causadas pela digitalização e implemente medidas de adaptação, cuidando também de oferecer opções de remanejamento para o funcionário. Para isso, porém, é preciso “superar a gestão compartimentalizada, de modo que a alocação de recursos humanos seja estratégica em toda a administração pública”.

***

  • O livro salienta a importância da transparência e da participação dos trabalhadores, principalmente dos que serão mais afetados pela transformação digital. Há um capítulo dedicado ao exemplo da Superintendência de Seguridade Social do Chile. “Antes de implementar a mudança tecnológica, a Superintendência identificou as funções que seriam afetadas e a maneira como isso ocorreria e determinou o grau de participação, capacitação e mobilidade interna mais adequado para cada caso.”

--

--