Como o “jornalismo de soluções”​ pode melhorar a cobertura do setor público

Hélio B. Barboza
Inovação Pública
5 min readMar 6, 2022

Mudança de foco pode ajudar a mobilizar as pessoas para a participação, em vez de imobilizá-las no sofá

Escrevi há alguns dias sobre a comunicação pública — isto é, a comunicação das organizações públicas governamentais e não-governamentais -– e agora venho falar do outro lado do balcão, ou seja, de como a mídia aborda o setor público.

Em meio à crise do jornalismo no mundo todo, com perda de credibilidade, concorrência com as fake news e derrocada financeira, tem sido detectado também certo cansaço das pessoas com o noticiário focado em denúncias, escândalos, disputas e polêmicas.

Nos EUA, uma pesquisa chamada Hidden Common Ground (Terreno Comum Oculto, em tradução livre) mostrou que a população considera o jornalismo como uma das causas da polarização política. No mesmo levantamento, porém, a maioria das pessoas disse que o jornalismo poderia ser parte da solução para esse problema. A pesquisa foi conduzida pela ONG Public Agenda, em parceria com o jornal USA Today e a empresa de pesquisas Ipsos.

O trabalho abrange uma série de enquetes realizadas desde 2019 e no ano passado apurou que apenas 17% dos estadunidenses acham que o jornalismo tem um papel construtivo no debate público.

Dois terços dos entrevistados, de todas as colorações políticas, disseram que a polarização poderia diminuir com um noticiário mais preciso, confiável e acessível. Destes, a maioria manifestou preferência por um jornalismo focado em soluções, apartidário, pluralista e com maior profundidade.

Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Gallup e pela Fundação Knight, mostrou que apenas 33% dos estadunidenses têm interesse nas notícias nacionais (a maioria delas sobre política), o menor percentual da série histórica. A mesma queda de interesse não se verificou no noticiário local nem no internacional.

Não é difícil imaginar que o fenômeno esteja acontecendo também no Brasil, agravado pelas dificuldades culturais e econômicas que o jornalismo sempre enfrentou por aqui: baixo índice de leitura, escolarização tardia, concentração da mídia, debilidade financeira da imprensa (principalmente da imprensa local), etc.

Quando se trata da gestão pública, o jornalismo praticado neste lado do Equador navega entre a superficialidade e o denuncismo, com honrosas exceções. Essas características podem até render alguma audiência no curto prazo, mas logo o público se afasta ou pede doses cada vez mais fortes de espetáculo.

O resultado fica bem visível nos anos eleitorais: a mídia até se esforça para produzir reportagens “especiais” sobre políticas públicas, aprofundando a análise dos problemas e mostrando projetos que deram bons resultados. Mas a momentânea mudança de tom é insuficiente para influenciar eleitores já intoxicados por polemismo raso e futilidade jornalística. Acabam sendo eleitos os candidatos que prometeram soluções fáceis e a mídia logo volta à rotina de críticas e acusações.

Para quem trabalha no setor público, fica a difícil missão de lidar com repórteres despreparados e explicar coisas básicas, a começar pelas diferenças entre o funcionamento do governo e o da iniciativa privada, as atribuições de cada órgão e de cada esfera de governo, o ciclo das políticas públicas, etc.

Existe, no entanto, um movimento para tornar o jornalismo mais construtivo, capaz de dar uma contribuição mais efetiva para os cidadãos. Chama-se “Jornalismo de Soluções” (ou SoJo, da sigla em inglês para Solutions Journalism), e promove o caráter educativo, pedagógico e de prestação de serviços do jornalismo, afastando a tendência ao espetáculo do “show de notícias”. Seus elementos principais são:

  • Resposta: foco na resposta a um problema social (e não no problema em si) e em como essa resposta funcionou ou por que não funcionou;
  • Insight: mostra o que pode ser aprendido a partir de uma dada resposta e por que isso é importante para a audiência;
  • Evidências: fornece dados ou resultados qualitativos que indicam efetividade ou falta de efetividade;
  • Limitações: contextualiza as soluções encontradas na apuração, sem esconder as falhas ou limites dessas soluções.

Se ampliada e bem conduzida, essa abordagem pode ajudar a mobilizar as pessoas para a participação, em vez de imobilizá-las no sofá. No longo prazo, também pode trazer de volta para o jornalismo uma audiência atualmente seduzida por sensacionalismo e demagogia.

O jornalismo deve continuar a fiscalizar autoridades e instituições, cobrar respostas e fazer denúncias. Mas, sem perder a visão crítica, o jornalismo de soluções pode abrir caminho para pautas mais criativas, reportagens mais profundas e um diálogo mais rico com os governos e a sociedade, mostrando que não existem respostas simplistas para os problemas públicos.

Last but not least…

Melhorar o jornalismo não depende só dos jornalistas ou dos empresários de comunicação. É preciso elevar o nível de exigência do público e isso começa pela educação. O Instituto Palavra Aberta criou o EducaMídia, um programa para capacitar professores e engajar a sociedade no processo de educação midiática dos jovens. Em parceria com o Instituto Porvir, o programa também mapeou experiências de professores para levar a educação midiática para suas aulas e criou este infográfico.

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Termina em 2 de março, ao meio-dia, o prazo de inscrições para o Programa de Incubação do Polo Digital de Mogi das Cruzes (SP), o primeiro programa municipal do Brasil voltado aos desafios da gestão pública. No ano passado, nove startups concluíram o ciclo de incubação do Programa.

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Foi lançada a 3ª edição do Programa de Inovação em Governo do IdeiaGov, o hub de inovação do governo do Estado de São Paulo. O foco deste ano são as áreas de educação e de análise de dados demográficos. O evento de lançamento pode ser visto neste vídeo.

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Vão até 6 de março as inscrições de artigos para o 1º Prêmio Orçamento Público, Garantia de Direitos e Combate às Desigualdades, promovido pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor) e pela Fundação Tide Setubal. Podem ser inscritos textos opinativos ou resultados de pesquisa.

O objetivo do Prêmio é “reconhecer trabalhos e pesquisas que abordam o tema das Finanças Públicas não somente a partir de uma perspectiva da sustentabilidade fiscal, mas também de forma comprometida com o desenvolvimento social do país, o combate às desigualdades de raça, gênero e renda e à garantia de direitos para a população brasileira”. Os prêmios vão de R$ 3 mil a R$ 20 mil e os resumos dos artigos vencedores serão publicados no site do Nexo Políticas Públicas.

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