Vamos redesenhar o Brasil? Ideias para uma nova organização do país

Hélio B. Barboza
Inovação Pública
4 min readJun 28, 2022

Criação de um quarto nível de governo, entre os municípios e os estados, poderia encaminhar soluções para conflitos e ineficiências que temos hoje.

Enquanto o (des)governo federal briga com os estados sobre a tributação dos combustíveis e as prefeituras tentam superar sua impotência diante dos efeitos da mudança climática, o federalismo brasileiro vai se mostrando cada vez mais anacrônico e disfuncional. Nossa organização político-administrativa é incapaz de produzir uma gestão eficaz do território, criar espaços de participação e responder às demandas dos cidadãos.

Os problemas começam com a unidade básica da federação, o município. Essa categoria abrange tanto a cidade de São Paulo, megalópole de mais de 12 milhões de habitantes, como qualquer pequeno município do interior do país. Em todos, a mesma estrutura de governo, formada por prefeitura e câmara municipal, mudando apenas o número de secretarias e vereadores.

Regiões metropolitanas são aglomerados sem autonomia administrativa nem poder político. Os estados, por sua vez, reproduzem o modelo centralizador e perdem oportunidades de melhorar a gestão e promover o desenvolvimento regional, a partir do fortalecimento das cidades médias.

A criação de um quarto nível de governo, entre os municípios e os estados, poderia encaminhar soluções para grande parte dos conflitos e ineficiências que temos hoje. Governos regionais poderiam absorver parte das atribuições que as prefeituras de pequenos municípios atualmente não conseguem cumprir e ao mesmo tempo descentralizar muitas ações dos governos estaduais e do governo federal.

Naturalmente, essa nova unidade político-administrativa deveria ter suas próprias estruturas executivas e legislativas, eleitas pelo voto direto. Toda a carreira política seria redesenhada, criando-se um filtro à chegada de interesses paroquiais ao Congresso Nacional. Sistemas de saúde, educação, segurança pública e saneamento básico poderiam se reorganizar em novas bases.

As regiões metropolitanas, também com governos eleitos e seus respectivos parlamentos, teriam de contar com fontes de recursos próprias, adequadas à complexidade de suas tarefas. Logo, uma profunda reforma tributária também seria exigida. Dentro das metrópoles, uma descentralização dos governos municipais daria mais poder às subprefeituras, que passariam a ser comandadas por pessoas eleitas (a prática atual é de apadrinhamento por vereadores).

Já os pequenos municípios, abaixo de determinado limite de tamanho ou população, poderiam contar com uma estrutura de governo mais simples, como conselhos gestores (substituindo prefeito, vereadores e secretários).

Nada disso precisaria ser fixo: municípios seriam criados ou extintos automaticamente, utilizando-se como critério seus dados demográficos e de arrecadação, atualizados periodicamente pelo IBGE. Teríamos uma divisão política e administrativa dinâmica, acompanhando o dinamismo da economia e da população.

Preço da reforma X custo da inércia

Tamanha reestruturação custaria caro? Aumentaria o peso do Estado? Não necessariamente: grande parte da nova estrutura poderia ser implementada com a redistribuição de recursos já existentes. A desorganização atual custa muito mais e funciona cada vez menos.

Outra objeção que pode ser levantada é que haveria mais eleições, com mais cargos eletivos a serem preenchidos. O morador de uma região metropolitana, por exemplo, teria de escolher o subprefeito, o prefeito, o titular do governo metropolitano, o governador e o presidente da República, com seus respectivos legisladores. Mas eleições oxigenam a democracia e a nossa, como se sabe, parece respirar por aparelhos.

A mudança seria radical, pois implicaria refazer o mapa do país. No entanto, é justamente o cenário de terra arrasada que nos pede mais imaginação e a disposição para construir inovações estruturais. Quem se habilita a iniciar esse debate?

Last but not least…

  • A divisão em três níveis de governo é a mais comum, principalmente em estados federais, como pode ser visto neste quadro. No entanto, há exemplos interessantes de países que adotam uma organização mais fracionada. Entre os estados federais (como o Brasil), podem ser destacados os casos da Alemanha e da Áustria e, entre os países unitários, os da França e da Inglaterra.

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  • Além do número de divisões administrativas, é importante analisar, entre outros aspectos: 1) o grau de autonomia política de cada unidade e 2) os mecanismos de coordenação das políticas públicas.

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  • As ideias apresentadas neste texto não são novas. Propostas parecidas foram defendidas já na década de 80 pelo professor Nestor Goulart Reis Filho, da FAU-USP. O professor Fernando Luiz Abrucio, da FGV-SP, também defendeu a criação de um nível intermediário de governo, entre o município e o estado, numa entrevista à extinta revista Cidades, em 1999:

“Se criarmos mais um nível administrativo, inclusive com um processo eletivo nas diversas regiões. teremos uma contraposição ao atual poder dos governadores. Eles têm poder em demasia, mas com reduzida capacidade gerencial.”

(Fernando Luiz Abrucio, da FGV-SP)

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