O fator instagramável

Quais são os impactos de se viver uma vida “Instagram-worthy”?

Beatriz Bulhões
#culturalcast
12 min readMar 9, 2019

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crédito: Luke van Zyl on Unsplash

Este artigo é uma adaptação da transcrição do terceiro episódio do podcast InovAgora, criado, produzido e editado por mim, Beatriz Bulhões.

É quarta-feira e você já está pensando no que vai fazer no final de semana. Conhecer um restaurante novo? Passear por um parque que ainda não conhece? Curtir uma praia com os amigos? Ir naquela balada que abriu há pouco tempo?

São muitas opções, então para acelerar o processo de decisão, você busca uma ajudinha no Instagram. Entra no perfil ou na localização, dá uma olhada nas fotos publicadas no lugar, confere rapidamente o seu próprio feed pra ver se eventuais fotos que você tirar lá vai combinar com o seu grid. Se o foco for achar um restaurante ou um café, você também analisa os pratos pra ver se são bonitos, porque sendo bem sincera, às vezes o sabor importa menos que a beleza, né?

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É sábado e você está planejando o roteiro da viagem de férias. Caçando lugares fora da rota turística, você descobre que o seu destino abriga diversas experiências instagramáveis: um museu de sorvete, um basement com diversas salas desenhadas milimetricamente pra proporcionar fotos incríveis e até um café que só serve comidas tão coloridas quanto o arco-íris.

Você termina o roteiro feliz, sabendo que vai conhecer lugares legais e ainda garantir imagens muito fofas pra alimentar seu feed por um tempo, mesmo depois da viagem acabar.

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Esses cenários soam familiares?

Deve ser porque você, ou alguém próximo de você, já agiu assim diversas vezes. Eu mesma faço isso tudo com uma frequência e naturalidade que nem sei explicar, e parece impensável que até poucos anos atrás esses comportamentos não existiam —eles são uma resposta direta ao tema deste artigo, o fator instagramável.

Se isso tudo soa como algo muito estranho, talvez você faça parte da parcela de pessoas que não ligam muito para o Instagram ou redes sociais em geral. Mas posso te garantir que são situações muito mais comuns do que você imagina.

Em 2019, com mais de 1 bilhão de usuários ao redor do mundo, o Instagram não é só mais um aplicativo, mas sim uma lente que está moldando e mudando a forma como a gente interage com os espaços físicos ao nosso redor.

Se você começar a scrollar seu feed agora, aposto que vai encontrar ao menos uma imagem em um lugar que parece ter sido feito especialmente para ser publicado. Uma parede com um neon gigante e uma frase divertida. Ou talvez uma parede com tantas plantas que ela parece viva. Lojas que parecem mais sets de foto do que espaços pra comprar algo. Mesmo que você não seja a pessoa que precisa tirar a foto antes de comer aquele risoto delicioso, você sabe que essa é uma cena familiar na era das redes sociais.

créditos: BBC Arts

É tão real que, no ano passado, o Insta replicou um feito que o Google conquistou 12 anos atrás: a palavra Instagram é oficialmente um verbo, de acordo com o Dicionário Merriam-Webster, significando postar uma foto no serviço de compartilhamento de imagens Instagram, e instagramável virou um adjetivo, explorando a ideia de espaço, momento ou experiência instagramável.

Mas daí você pode me questionar o que exatamente é isso, como as marcas estão aproveitando esse fenômeno, e qual o impacto que isso tem na vida das pessoas. E a minha resposta é dividida em algumas partes…

A verbalização do Instagram me faz pensar no que o Manuel Castells, um sociólogo espanhol amplamente respeitado no campo da teoria da comunicação, chama de VIRTUALIDADE REAL.

O intangível do online vai se tornando cada vez mais palpável, fazendo com que a linha entre real e virtual seja cada vez mais tênue.

Querem um exemplo prático disso?

Segundo dados do Facebook, o atributo mais buscado pelos usuários brasileiros no feed do Instagram é a beleza visual, enquanto que no Stories é algo que eles chamam de conteúdo estimulante, significando imagens e vídeos com citações ou cenas inspiradoras. De toda forma, fica claro que beleza e identificação são elementos chave para cativar a audiência através do conteúdo. Isso fica bem na cara quando vemos como as marcas estão respondendo à esse novo modo de viver, quando grande parcela da população trabalha para criar uma grande curadoria da sua vida.

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Em 2017, quando a Starbucks US lançou o Frappuccino® Unicórnio, tenho certeza que era isso que eles tinham em mente.

Uma bebida super colorida, que mudava de cor conforme você ia tomando, que estava em loja por tempo limitado e levava no nome um dos símbolos mais amados pelos millennials tinha tudo para ser um sucesso, e foi.

Segundo o Business Insider, em apenas uma semana os usuários postaram mais ou menos 180.000 fotos da bebida no Insta. O mais interessante é que se você fizer uma busca rápida pela hashtag ou só der um google, vai ver que muita gente não curtiu o sabor, mas postou a foto mesmo assim.

Olha aí o virtual se confundindo com o real: aqui vemos que o produto ser visualmente apelativo era muito mais importante do que o sabor dele de fato. Logo depois, as comidas instagramáveis tomaram conta do mercado. Vimos surgir o queijo quente de arco-íris, o burrito de algodão doce e uma variedade de alimentos pretos, utilizando carvão ativado pra chegar num look digno de ser postado.

Quantos likes essas delícias merecem?

Uma pesquisa da consultoria Zizzi descobriu que jovens de 18 a 35 anos passam um total de cinco dias por ano pesquisando e olhando imagens de comida no Instagram, e 30% deles evitariam ir a um local se a presença na rede fosse muito fraca.

Mas, dentro da categoria de restaurantes, o fator já está indo além da escolha do que comer, e entrando no mérito do design do local, também. Agora, algumas marcas estão projetando seus espaços físicos na esperança de inspirar o número máximo de fotos. Elas estão encomendando placas de neon com frases engraçadinhas, pintando murais elaborados de vida selvagem tropical e fazendo photobooths improvisados, tudo na esperança de tornar o local mais convidativo para uma foto.

Mas esse comportamento vai muito além de comida.

Lá fora, a marca de maquiagem Glossier, que nasceu na internet e depois abriu espaços físicos, representa bem isso que estamos falando. As lojas são cor de rosa, com frases divertidas coladas nos espelhos e paredes fofas que parecem implorar pra que você tire uma foto.

Millennial pink + frase fofinha = a foto perfeita. Créditos: The Cut

Aqui no Brasil, no fim do ano passado, O Boticário criou um espaço chamado Beauty Factory, onde os visitantes encontravam doze ambientes temáticos que revelavam segredos dos produtos da marca através de efeitos especiais, arte, projeções 3D e até piscina de bolinhas.

Beauty Factory de O Boticário (São Paulo, 2018)

No âmbito de viagens, um estudo feito no Reino Unido ano passado descobriu que para 40% dos millennials o fator número 1 para decidir o próximo destino das férias era o potencial instagramável do local. Uma respondente da pesquisa disse algo que acho que resume bem tudo isso:

Se um lugar é bonito, eu vou gostar de estar lá e ao mesmo tempo posso aproveitar para melhorar o meu Insta — é uma situação que não tem erro! O Instagram também é um ótimo lugar para encontrar inspiração para as férias.

É claro que é vantajoso explorar esse comportamento enquanto marca — hoje, o fator instagramável está sempre na mente de quem tem um evento pra fazer, uma loja para inaugurar ou um produto pra lançar.

É natural que a nossa percepção de beleza e atratividade tenha sido alterada pelo que é ditado no Instagram como legal. Se você trabalha com marketing ou comunicação, tenho certeza que fazendo um cross entre o que é visualmente atraente para o seu consumidor e o que é importante para a marca passar a mensagem desejada, dá pra criar experiências muito legais, como foi o caso de O Boticário que citei antes.

O maior problema que eu vejo, nesse caso, e um cuidado que sempre fico pensando na hora de explorar essas ideias, é na uniformidade que acaba sendo gerada como resultado.

Se a gente cria um espaço instagramável, uma estética única que faz sucesso com boa parte do público que queremos atingir, não acabamos por diminuir a originalidade e a criatividade das expressões pessoais?

Claro, tudo bem gostar de rosa millennial, torrada de abacate e neons divertidos, mas quando a gente insiste em explorar somente essas vertentes popularizadas pela estética social media, acho que acabamos deixando tudo muito plastificado. E acredito que a ideia inicial de criar e compartilhar momentos no Instagram era expressar nossa individualidade — se agora nos comportamos, nos vestimos e comemos como um grupo, ao invés de indivíduos, perdemos um pouco do senso de nós mesmos.

Um exemplo claro disso pra mim foi a invasão do escandinavo nos perfis voltados para reforma e decoração de apartamentos no Instagram. Uma grande influenciadora começou a compartilhar detalhes da sua primeira casa, com esse estilo, e de repente não só vimos essa comunidade de perfis de casa crescerem, como todos pareciam ter o mesmo estilos, os mesmos móveis e os mesmos objetos de decoração. Claro, o que importa é você ser feliz na sua casa, mas confesso que toda vez que via imagens assim no meu feed, sempre ficava pensando que era o mesmo apartamento, e não 10 @’s diferentes. :P

Talvez não seja o papel das marcas dar um respiro nesse fator, até porque a intenção por trás de cada ativação é gerar buzz e atrair mais pessoas para a conversa, resultando em algo valioso para a empresa. Eu, particularmente, gosto desse tipo de marketing de experiência, mas acho que em 2019, após alguns anos de observação desse comportamento, podemos começar a pensar em como deixar esses momentos instagramáveis menos uniformizados e mais personalizáveis.

Se vai ter um cantinho pensado pra tirar foto no seu evento, por que não fazer com que ele seja adaptável? Se a marca vai abrir uma pop-up shop toda linda e diferentona, por que não deixar cenários customizáveis ao invés de apenas setados? Eu ainda acredito que dá pra explorar um pouco mais a individualidade dentro da tendência, especialmente porque depois desses anos de explosão de experiências e lugares feitos para serem postados, estamos vendo nascer um movimento mais introspectivo no consumidor, mais voltado para o eu e menos para o eu que sou igual a você, digamos assim.

É que nem sempre esse efeito da geração Instagram é inocente.

É muito divertido conhecer um lugar novo, tirar uma foto e compartilhar com nossos amigos e família? É. Mas e quando isso vira uma obrigação, quase num nível de obsessão, e a gente esquece de curtir o lugar, o momento e quem está com a gente, tudo em nome de conseguir a foto perfeita pro nosso Stories ou nosso feed?

Eu certamente sou culpada desse comportamento. Tenho até que pedir desculpas pro meu marido pelo número de vezes que eu não prestei atenção em alguma coisa porque estava muito concentrada tentando fazer a tal foto perfeita. Ou o tanto que fiquei estressada em uma viagem porque tinha um monte de turistas na frente do local que eu queria fotografar, como se eu não fosse uma dessas turistas também.

E aparentemente eu não estou sozinha nessa, porque redes sociais são mais viciantes que álcool e cigarro — é o que diz uma pesquisa realizada pela instituição de saúde pública do Reino Unido em parceria com o Movimento de Saúde Jovem. E, dentre elas, o Instagram foi avaliado como a mais prejudicial à mente dos jovens. 90% das pessoas entre 14 e 24 anos usam redes sociaismais do que qualquer outro grupo etário, o que os torna ainda mais vulneráveis a seus efeitos colaterais.

Ao mesmo tempo, as taxas de ansiedade e depressão nessa parcela da população aumentaram 70% nos últimos 25 anos. Os jovens avaliados estão ansiosos, deprimidos, com a autoestima baixa, sem sono, e a razão disso tudo pode estar na palma das mãos deles: nas redes sociais, justamente.

O estudo mostrou que o compartilhamento de fotos pelo Instagram impacta negativamente o sono, a autoimagem e a aumenta o medo dos jovens de ficar por fora dos acontecimentos e tendências — o famoso FOMO, fear of missing out.

O próprio Instagram sacou que o negócio tava tomando umas proporções negativas e disponibilizou na plataforma uma ferramenta pra você monitorar e controlar o tempo que passa por lá. Foi só recentemente que eu comecei a me dar conta que isso não era muito legal ou saudável. Eu ainda gosto de ir em lugares bonitos, curtir espaços fofinhos montados por marcas e fotografar momentos especiais, mas acho que melhorei bastante no aspecto quase obsessivo do compartilhamento.

E acredito que é isso é um reflexo de duas tendências comportamentais que estamos vendo florescer em 2019.

Tem uma newsletter que eu gosto muito, escrita por minha xará do planejamento Beatriz Guarezi, chamada Bits to Brands.

Na primeira edição do ano, a Bia fez uma análise massa sobre um apanhando de tendências, parecida com o primeiro post aqui do InovAgora, e uma delas me chamou muito a atenção: o tal Detox Digital. Nas palavras da própria Bia:

“Após dez anos de convivência com smartphones, é difícil ignorar os impactos negativos que eles têm causado no nosso comportamento e saúde. Do vício em jogos à ansiedade e à depressão agravadas por redes sociais, é unânime que precisamos de uma relação mais saudável e consciente com a tecnologia.”

O YPulse, que é uma consultoria de pesquisa especializada em jovens, apontou a mesma coisa com outro nomeUnplugged, pra eles, é o mindset de quem que está começando a questionar os efeitos que esse uso desenfreado das redes está causando, à medida que mais usuários jovens impõem limites ao uso de seus próprios dispositivos e plataformas, adotando o detox digital.

Sua ânsia por experiências reais e interações sociais também faz parte, e empresas que oferecem experiências que lhes pedem para deixar seus celulares de lado estão ganhando força. Enquanto isso, startups e grandes marcas de tecnologia estão criando formas inovadoras de fornecer momentos desconectados.

Ligado à isso está o antônimo de FOMO, o JOMO, ou joy of missing out. Ao invés de medo de perder alguma coisa, está crescendo o movimento de prazer em perder alguma coisa. O fato de se sentir bem e relaxado com nossas escolhas, a satisfação de se desconectar e não precisar se preocupar com o que está acontecendo online, encontrando felicidade no momento vivido ao invés de também compartilhado.

A Multilaser tem uma campanha recente, que ainda está nas ruas, e que fez um uso muito bacana dessas duas tendências. O mote é Guarde Seu Multi, e a marca, que é uma das líderes nacionais nos setores de telefonia e informática, está estimulando os consumidores a guardarem seus aparelhos e criarem conexões reais ao invés de apenas virtuais.

Um quote do CEO da empresa sobre a campanha me chamou a atenção:

“Somos uma empresa movida por inovação e tecnologia. Fabricamos e vendemos produtos que fazem parte do dia a dia das pessoas e facilitam suas vidas, por isso entendemos que também é nossa responsabilidade alertar para o uso consciente desses produtos, de forma que possamos colaborar com o bem-estar dos nossos clientes de forma completa.”

Eu acredito que ainda podemos apreciar experiências bonitas, comidas maravilhosas e fotos incríveis para o Instagram, claro.

Queria fechar o texto com esse case porque a reflexão pra mim é que essa mudança de comportamento não significa que não queremos mais fazer ou postar coisas legais, ou interagir de maneira coletiva.

Mas está se tornando cada vez mais essencial entender e explorar os nossos momentos individuais dentro desse coletivo virtual, e acho que a principal lição sobre o crescimento do papel do Instagram nas nossas vidas é que tanto enquanto marcas e enquanto indivíduos, precisamos sempre buscar um equilíbrio saudável entre o estímulo para compartilhar online e a vontade de apenas aproveitar o momento offline.

Se você se interessou pelo conteúdo, não deixe de ouvir o podcast na sua plataforma de streaming favorita: anchor.fm/inovagora

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Beatriz Bulhões
#culturalcast

Curiosa. Estrategista. Podcaster. Escute meu podcast sobre comportamento, cultura digital e marcas aqui: https://anchor.fm/culturalcast