Inovando a Inovação Aberta

Um experimento para explorar pontos de possíveis aperfeiçoamentos em processos de inovação aberta, com a participação construtiva de Instituições de Controle

Daniel Lima Ribeiro
Inovação em governo e no controle
6 min readDec 27, 2019

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A inovação aberta chegou com força ao Brasil. Diversas instituições — públicas e privadas — têm experimentado iniciativas como hackathons, pitches, desafios e encomendas tecnológicas. Todos concordam que a inteligência coletiva tem alto potencial para gerar soluções para problemas complexos.

O movimento pode ser explicado por diferentes fatores. Dentre eles estão a ineficiência dos procedimentos tradicionais de compras públicas e a suposta incompatibilidade da sua regulamentação com a necessidade de contratar soluções inovadoras.

Também explica a atração pela inovação aberta a desvantagem técnica da Administração Pública frente a atores privados, startups e entidades de pesquisa em definirem soluções (que precisam ser prototipadas e experimentadas) para solucionar desafios da gestão pública.

O Laboratório de Inovação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Inova_MPRJ) está desenhando um programa de inovação aberta para a Instituição. Para isso, está pesquisando, aqui e fora do Brasil, e refletindo sobre o que tem sido feito — os bons e nem tão bons exemplos.

Em seu primeiro ciclo, o programa de inovação será, em si, um experimento. Partirá da seguinte lógica: quando o Ministério Público toma a iniciativa para inovar em seus próprios processos de compra está realizando uma uma ação com efeitos regulatórios. Pode gerar um bom exemplo para outras Instituições e quem sabe destravar qualquer “apagão de caneta”.

Com isso em mente, o Inova_MPRJ vai testar hipóteses ainda pouco exploradas. E, quem sabe, dar uma contribuição de ineditismo e efetividade para um modelo que continuará sendo aperfeiçoado pelo Laboratório e outros atores.

Desenvolveu e está validando com parceiros e interessados a versão beta de um fluxo que resume o primeiro passo conceitual, contendo o passo a passo do programa a ser criado. O Laboratório pretende publicar um relatório com o detalhamento de cada fase.

Versão beta do fluxo de inovação aberta do MPRJ

As principais hipóteses que quer testar ou tópicos que quer explorar são:

_cuidado para não enviesar o desafio

Definir o desafio para o ciclo de inovação aberta é parte ciência e parte arte. A definição não pode ser fechada demais para já indicar a solução, nem aberta demais a ponto de eliminar qualquer parâmetro do processo de criação e julgamento da melhor ideia.

_desafios devem ser informados por dados, que precisam desde cedo estar disponíveis

Tanto o desafio quanto sua solução precisam ser informados por dados. Faz sentido pensar que os primeiros desafios escolhidos para os ciclos de inovação aberta sejam relacionados a problemas de governo significativamente graves — e, de certa forma, com algum potencial de solução. A preocupação com os dados disponíveis deve se dar sempre no início do ciclo de inovação aberta, sob pena de limitação da efetividade das soluções.

_tecnologia da informação na medida certa

A solução inovadora para um desafio pode ser, muitas vezes, de processo — sem necessariamente envolver inovação em tecnologia da informação. Em outros casos, pode ter por elemento central e verdadeiramente inovador um modelo de aprendizado de máquina. Nesses casos, podemos aprender com o desenho de sucesso utilizado pela plataforma Kaggle.

_não reinventar a roda

Com a proliferação de ciclos de inovação, como garantir que desafios não sejam repetidos? E que o mercado já não tenha solução custo-efetiva? Seria interessante que o ciclo de inovação tivesse uma fase de pareamento — e por que não competição — entre provedores de soluções prontas e novos competidores (startups ou não), com suas apostas de fazer melhor e mais barato.

Pela mesma razão, por que restringir o processo de inovação aberta a startups? Qualquer instituição de governo precisa contribuir para o fomento de pequenas e médias empresas. Mas esse fomento precisa encontrar equilíbrio com outra agenda: de fato encontrar soluções custo-efetivas para os problemas sociais. Há formas de apoiar startups sem restringir a competição nem, em última análise, prejudicar as pequenas empresas com um assistencialismo excessivo — e inexistente como situação real do mundo pós-startup.

_aberto para incorporação segura da encomenda tecnológica

A encomenda tecnológica é uma das possibilidades de contratação de inovação que pede redobrada cautela. Além de constituir uma hipótese de dispensa de licitação, a caracterização de seu requisito legal — o risco tecnológico — nada tem de trivial. Por isso, o Inova_MPRJ está imaginando um processo de contratação de inovação que tenha uma saída específica para essa modalidade de contratação. E o melhor: a partir de uma caracterização segura e rigorosa do risco tecnológico.

_tirar “leite de pedra” da Lei n. 8.666

Até onde a Lei n. 8666/93 pode ir na contratação de inovação? Não é desejado abandoná-la de forma prematura. Há perguntas importantes para responder sobre sua aplicação, como em relação ao desenvolvimento de um produto minimamente viável. Pode ser considerado trabalho técnico, para fins de premiação em concurso (modalidade de licitação), ou já é serviço de desenvolvimento e precisa ser objeto de contrato e outras formas de licitação?

Ainda que admitida a segunda hipótese, seria possível contratar com base na Lei n. 8666/93 o desenvolvimento da soluções em ciclos de entregas rápidas e versões sucessivas, com opção de não seguir adiante? Será que todos os documentos técnicos exigidos pela Lei, assim como outras barreiras burocráticas e que assustam startups poderiam ser produzidos nas fases anteriores (elaboração e apresentação de protótipos conceituais, por exemplo) do próprio ciclo de inovação?

_atento aos incentivos econômicos

Há hipóteses interessantes a serem testadas com relação aos incentivos econômicos para a participação em ciclos de inovação aberta. Por exemplo, a questão do código aberto. Em que situações exigir a abertura do código da solução digital vencedora pode acabar com o incentivo de uma empresa em participar de um programa de inovação aberta?

_em parceria com mais de um ator

Em regra, os desafios de governo não são exclusivos a um único Poder. Por isso, como seria possível criar uma plataforma de inovação aberta em que diversos atores interessados na mesma solução participassem e compartilhassem dados, recursos, ideias e oportunidades de experimentação?

_aberto a envolver o gestor e corretamente adaptado ao papel do controle

A equipe do Inova_MPRJ está repensando o papel das Instituições de Controle (IC) na inovação aberta. Acredita que a defesa de direitos fundamentais como saúde, educação, segurança e meio-ambiente equilibrado não pode gerar uma substituição indevida de papéis em relação ao Executivo. Isso ocorre quando o controle acaba fazendo escolhas de gastos públicos ou assumindo tarefas que deveriam partir do primeiro responsável pelos resultados e custos de programas de governo — o gestor.

Para prevenir distorções do tipo, o programa ideal de inovação aberta desenvolvido por uma IC deve incluir, como parceiro, o gestor das políticas públicas relacionadas aos desafios. Se a parceria não for possível, a inovação aberta precisa assumir uma outra dinâmica. A solução desenvolvida passa a ser um insumo para a atuação do controle externo. Nesses casos, o critério de controle pode ser o dever de eficiência do Executivo. (Algo como: “justifique por que não implementar essa solução, ou outra tão custo-efetiva, para solucionar esse problema que atinge um direito fundamental”).

O Inova_MPRJ está muito animado para 2020 com esse projeto e publicará um relatório detalhado no primeiro trimestre. Desde já, o Laboratório convida todos os interessados a participarem da criação de seu programa de inovação aberta, que nasce com o desafio de ser inovador.

Este artigo não representa a opinião institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de seus órgãos ou integrantes, sendo de iniciativa e responsabilidade exclusivamente pessoal do autor.

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Daniel Lima Ribeiro
Inovação em governo e no controle

Ex-Coordenador e atual Fagulha do Laboratório de Inovação do MPRJ (Inova_MPRJ). Duke SJD. Curte correr e nadar. Curioso incurável.