“Se você soubesse o poder do lado sombrio…”

Júlia Rosa
Inovação em governo e no controle
6 min readMar 18, 2020

No último capítulo de descrição do método de trabalho do Inova_MPRJ, o Fluxo de Transformação, o tema era a Pesquisatona. O objetivo com essa maratona foi reunir a inteligência coletiva para pesquisar soluções e projetos interessantes para o monitoramento das obras de despoluição da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara.

Depois de aprofundar a pesquisa de algumas questões levantadas, chegou um momento muito esperado do Fluxo: o Lado Sombrio, a hora de pensar os piores cenários para decidir o que monitorar primeiro.

Inspirado na técnica (“dark side”), elaborada pela Design Society School da Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã, a primeira versão feita pelo Inova_MPRJ foi adaptada para a atuação dos órgãos de controle e rodada em julho de 2019.

Nos últimos seis meses, a equipe pensou muito na importância da priorização dos nossos desafios. A ideia do projeto Bússola é oferecer um norte para os promotores e procuradores fazerem seu trabalho com base em evidências. Quem tenta enxergar tudo, acaba não enxergando nada. Por isso, saber definir os indicadores que se pretende monitorar é momento-chave do projeto.

O Mau Gestor Contra-Ataca

A atividade do Lado Sombrio convoca a imaginação dos participantes para o que, como gestores hipotéticos, poderia ser feito de pior. Como causar mais danos? Permitir e incentivar a corrupção? Como alcançar o resultado oposto ao esperado para aquele serviço público? Como ter o maior desperdício possível de recursos públicos?

Na análise de riscos, a produção de um pior cenário possível é extremamente útil para a gestão da situação e planejamento para o futuro. O Lado Sombrio não é diferente. Para saber onde apontar a luz, é preciso saber onde há escuridão.

A atividade contou com parceiros do MPRJ, da sociedade civil organizada, da academia e do setor privado para essa jornada. Foram 2h30 de atividade, separadas em três momentos. Primeiramente, tem que começar com um toró de ideias do Lado Sombrio. Coloca a fantasia de Darth Vader e entra no clima.

Uma vez mapeado um bom número de coisas que podem ser feitas para dar tudo errado, é mais fácil focar em como evitar que elas aconteçam. Fácil? Talvez um pouco desesperador. Agora saiu uma lista de 150 post-its de cenários variando entre o ruim e o horrível.

Hora de virar a chave. Quais são as soluções que existem — e que não existem — para detectar e evitar essas 150 possibilidades? Mais um tempo para o toró de ideias e o grupo percebeu que pensar na maldade é bem mais fácil do que pensar em como evitá-la com garantia e eficiência.

Os participantes analisam as ideias depositadas no lado sombrio de cada critério: técnico, financeiro e gestão.

A Vingança dos Post-its

Agora, o grupo transportou as suas ideias do lado da luz para uma matriz de custo e impacto de realizar o monitoramento dessas soluções. Aqui, custo não é apenas de valor financeiro, mas também de obter os dados e desenvolver ou implementar uma tecnologia nova. O impacto é socioeconômico e julga o que é de valor social para a população brasileira.

A dificuldade em abrir mão das suas próprias ideias como prioritárias acabou aumentando o número de post-its/ideias no quadrante de alto impacto e baixo custo — que era o que iria para a mesa discussão. O grande grupo foi separado em três com 4–5 pessoas, que receberam o trabalho de analisar cada ideia prioritária e pensar como ela poderia ser mensurada em até seis outros post-its.

O resultado final da atividade foi encontrar indicadores — então, por onde começar? Quais dados podem medir essa ou aquela ação? Já existem? Como se dá o acesso aos dados para construí-los? Se não, quão fácil será conseguir o acesso (considerando, inclusive, a possível via judicial)? Foi a vez dos especialistas darem detalhes sobre as suas práticas e pesquisas.

Chega a hora do grupo se dividir e mensurar as ideias prioritárias do lado da luz.

A equipe encerrou o dia com algumas reflexões:

  • quantidade nem sempre é qualidade. É preciso limitar o número de participantes — e se temos muitos interessados, cogitar realizar duas atividades;
  • como foi possível perceber na Pesquisatona, a inteligência coletiva se beneficia da diversidade de especialistas e experiências;
  • é preciso vir com a mente aberta e enfrentar o hábito do “mas isso não tem como fazer”;
  • é uma atividade cansativa e poderia render mais se fosse realizada em dois momentos diferentes (com o mesmo grupo ou não? A ver);
  • o foco foram três níveis de análise de cenários (técnico, financeiro e gestão), mas ficou claro que dois (operacional e financeiro) seria o ideal para otimizar a geração de ideias e o escopo de atuação;
  • não basta colocar pessoas com diferentes experiências e conhecimentos na mesma sala. Para evitar a tendência de que se agrupem entre os pares, é preciso garantir momentos estratégicos para que elas discutam entre todos, da melhor maneira possível.

Mas não parou aí.

Uma Nova Esperança

O passo seguinte foi analisar e sintetizar todo o conteúdo produzido e refletir (“descarrego”) sobre o próprio método da atividade. Hora de reler e agrupar em categorias os post-its produzios no Lado Sombrio que tratavam de questões iguais ou bastante similares, dessa vez em dois cenários (financeiro e operacional). Os novos post-its com as categorias foram colocados numa “matriz do mal” simplificada: gravidade do problema x probabilidade de acontecer.

Os post-its são alocados em uma matriz em 25 quadrantes (gravidade de muito baixa até muito alta, em cinco níveis, bem como probabilidade). Para a discussão, o foco eram os que estavam nos três quadrantes mais sérios (com nove post-its cada), de probabilidade e gravidade alta x muito alta ou muito alta x muito alta.

Assim, em cima desses 27 post-its foi o momento para pensar, num toró de ideias, o Lado da Luz de cada um deles e comparar com o que foi produzido pelo grande grupo. Ao final, o resultado é uma tabela com quais bases de dados e a identificação de suas fontes, que podem ser usadas para enxergar cada indicador a ser monitorado.

Ainda há muito para aprender e refinar nométodo, mas foi um crescimento interessante da primeira versão para essa.

Os participantes construindo a primeira versão da matriz custo x impacto.

Tem alguma ideia de como podemos fazer melhor? Quer levar algo parecido para a sua instituição? Deixa um comentário!

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Júlia Rosa
Inovação em governo e no controle

Atuando no Inova_MPRJ. Alumni do Vetor Brasil. Mestra em Estudos de China Contemporânea. Editora Sênior da 书面 (Shūmiàn), newsletter sobre China.