Ensino ou Pesquisa ou Extensão

A realidade das atribuições de um professor universitário

Inoversidade
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7 min readOct 13, 2016

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A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é prevista constitucionalmente. Apesar disso, no dia-a-dia das universidades, não só são raros os casos em que há uma integração efetiva entre essas atividades, como também não se observam incentivos na mesma escala.

A fim de entendermos melhor a realidade dos professores universitários e sua visão sobre esse assunto, conversamos com o Prof. Dr. Renato Aquino Záchia, docente do curso de Biologia da Universidade Federal de Santa Maria há 20 anos.

A entrevista abaixo foi editada e condensada para fins de clareza.

Qual foi a sua motivação para se tornar professor?

Eu gosto de compartilhar aquilo que aprendo, aprender junto e construir novos conhecimentos com as pessoas. Além disso, esse convívio com os estudantes nos faz crescer muito como profissionais e como pessoas.

Quando o senhor ingressou no curso de biologia, a sua ideia inicial já era ser professor?

A ideia que eu tinha, como a de muitos alunos da biologia, era de ser um pesquisador, de trabalhar em laboratório. Mas, depois de um tempo, você começa a pensar diferente. O profissional, no nosso caso o Biólogo, deve ser uma pessoa que se preocupa com a pesquisa e ao mesmo tempo com a importância do resultado dessa pesquisa para as pessoas, trabalhando esta questão através do ensino e da extensão.

Considerando que o professor precisa se dividir entre pesquisa, ensino e extensão, o senhor acha que essa divisão afeta o ensino?

Na verdade, a ideia de pesquisa, ensino e extensão é de que essas áreas se complementem. Que a pesquisa possa retroalimentar o ensino e o próprio ensino e a extensão possam retroalimentar a pesquisa. É essa busca que deve acontecer.

Na sua opinião, como a existente cobrança por produção afeta o professor?

Na verdade, a produção é uma coisa natural: se você está trabalhando, você está produzindo. Então, tem-se a ideia de qualificar esta produção em vários níveis. A partir do momento que existe essa qualificação, nem todos conseguem chegar no mesmo patamar, até mesmo porque, essa produção pode manifestar-se de formas diferentes. Não existe uma forma padrão de produção. O problema é qualificar de uma forma restrita só um tipo de produção como válida por ser quantitativamente mais objetiva ao ser avaliada.

Na sua visão, como são os pesos que a universidade atribui a cada uma dessas atividades (pesquisa, ensino e extensão)? Será que, atualmente, essas atividades têm mesmo peso ou há disparidade?

Hoje busca-se uma qualificação priorizando a pesquisa, o que desequilibra um pouco a “balança” entre ensino, pesquisa e extensão. O mais correto seria ter uma balança um pouco mais equilibrada, em que essas atividades interagissem, cada uma respondendo e contrabalanceando a outra.

Você acha que pra essa “balança” se tornar mais equilibrada, a iniciativa teria que partir dos professores, dos alunos, ou das coordenações? Que atitudes poderiam ser tomadas?

Os critérios do que é considerado qualidade talvez pudessem ser melhor pensados, porque hoje se utiliza um critério de quantidade, horas de aula ou número de artigos publicados, por exemplo. De uma certa forma, entende-se aí porque a extensão não é muito valorizada, isto é, há elementos subjetivos, de difícil avaliação sob ponto de vista quantitativo. A pesquisa pode ser quantificada em termos de números de artigos que ela gerou; as aulas, em função do número de horas na sala de aula. Já a extensão é difícil quantificar e determinar quantas pessoas foram atingidas com um projeto de extensão, ou em que nível o impacto das ações irá repercutir numa determinada comunidade.

Às vezes, também, se atingem poucas pessoas, mas a qualidade do trabalho é muito boa, porque as pessoas têm uma boa receptividade e o projeto afeta a vida dos envolvidos naquele grupo, com várias mudanças significativas nas atividades do dia-a-dia delas, ou gerando alternativas de renda, por exemplo. Mas então, há a dificuldade de colocar parâmetros quando se tenta quantificar.

Considerando a pesquisa, pode-se, por exemplo, produzir uma grande quantidade de artigos, mas que não trazem muitas coisas novas, pois as exigências de quantidade de publicações ganha prioridade em prejuízo da criatividade ou da relevância daqueles resultados para as pessoas. Dessa forma, acaba não se gerando muita novidade, mas só se repetindo um padrão que já existe, o que é uma tendência quando se insiste em trabalhar a necessidade de produzir mais, mas não se pensa muito na relevância do que se produz, em especial para as comunidades locais.

Como você disse, talvez seja mais fácil avaliar o que é mais quantitativo, como a Pesquisa. O senhor acha que isso pode ter causado uma desvalorização da qualidade das aulas, por se conseguir só quantificar as horas-aulas dos professores? A opinião dos alunos é algo valorizado?

Mesmo que se utilizem questionários para avaliação de aulas ou professores, a objetividade dessa avaliação, dificulta que transpareçam itens do contexto do dia-a-dia da sala de aula, que pareceriam mais caso houvesse um processo prático de avaliação conjunta com professores e alunos, não através de questionários, mas construindo na prática novas formas de trabalhar o conhecimento. Essa avaliação acaba sendo objetiva.

Na sua opinião, como a falta de entrosamento entre ensino, pesquisa e extensão afeta o estudante?

Há um estímulo inicial para que os estudantes entrem, já no início dos cursos, para um laboratório para fazer pesquisa. Como o próprio nome já diz, fala-se em grupos de pesquisa, raramente são grupos de extensão ou de ensino. O estudante dificilmente irá fazer parte de um grupo extensão, pois a pesquisa é que oferece mais bolsas e melhores resultados em termos de currículo. Mesmo porque a quantificação dos resultados da pesquisa fornece mais elementos para competir em editais para recursos.

Considerando a extensão, na sua opinião, ela não acaba possuindo um período curto, sendo mais pontual e menos duradoura do que a pesquisa e o ensino?

Sim, e isso caracteriza, muitas vezes, a extensão como um projeto de pesquisa, o que é um erro. A extensão realmente como extensão significa que desde o início a instituição está envolvida com a comunidade, sendo que a instituição teria um compromisso com aquela comunidade, de construir algo com o grupo social com a qual ela está trabalhando. O que se faz muitas vezes é pesquisa em extensão. A atividade de extensão irá apresentar resultados, por exemplo, sobre como foi o comportamento daquela população em relação a extensão, se foram atingidos os objetivos, quais fluxos geraram certos resultados, e esses resultados são avaliados e transformados em uma pesquisa sobre a extensão. Realiza-se a extensão começando com um diagnóstico e depois coletando dados. Na verdade se estará fazendo uma pesquisa, justamente porque facilita a quantificação e permite a publicação.

Se for considerar realmente a extensão, pode-se também obter resultados, mas é diferente, pois o mais correto seria instrumentalizar a comunidade para que ela participasse da formulação do artigo, refletindo as experiências dela. Mas isso é muito mais difícil, envolve um comprometimento com a comunidade e não tanto uma preocupação com o acúmulo de dados, mas sim com os resultados que a comunidade irá atingir.

De outra forma, poderia-se elaborar um artigo conjunto relatando o que aconteceu, mas daí não seria restrito a um conjunto de dados, mas na forma de um relato do crescimento do trabalho concreto com a comunidade, o que é difícil de quantificar. Mesmo assim, isso também pode ser transformado em artigos, publicações, ou livros, mas depende de uma visão de extensão diferenciada, que constrói um trabalho a partir de referenciais da própria comunidade e de seus interesses.

Você possui alguma sugestão do que poderia ser feito para melhorar o equilíbrio entre ensino, pesquisa e extensão?

Acredito que exista uma pressão muito grande pra se adequar aos moldes normais e ao padrão, o que acaba sendo uma tendência, e fica muito difícil de inovar dessa maneira. Quanto a questão de inovação, é preciso inovar em relação a uma necessidade. Não é inovar em qualquer sentido, mas sim no sentido de solucionar os problemas existentes. Deve-se avaliar questões como “Por que introduzir uma ou outra tecnologia?”, “Ela vai ser vantajosa?”, “Os alunos vão aprender melhor?”, ou “Que recursos podem ser obtidos disso?”. Então, entra muito a questão do receio em sair do padrão normal. Mas antes é muito mais importante saber o por quê se quer criar algo novo.

Agora, a grande questão é que, nessa corrida por publicação, cada um tem que fazer seus trabalhos, suas pesquisas, e publicá-las. Mas o mais importante é que isso pode gerar competição entre as pessoas, no momento em que para produzir alguma novidade ou algo profícuo para a universidade, elas deveriam trabalhar em grupo, cada uma com suas capacidades diferenciadas complementando as demais. E isso é o mais difícil de se obter no momento em que a busca de quem é mais produtivo leva a uma competição, quando o necessário no momento seria aprender a ser cooperativo e solidário. Se for necessário inovar, que seja em questões de interesse coletivo e problemas reais.

Utilizando uma analogia, cada um fica no seu barco, navegando em uma corrida no meio do oceano. Se alguém, por exemplo, não está conseguindo remar direito, o barco dele afunda e ninguém ajuda. Isso por que cada um que afundar e ficar para trás deixa os outros mais na frente, e essa visão é que é o problema. Enquanto que, se todos se unissem e juntassem seus barcos para atingir um objetivo maior, seria possível chegar a um local mais distante e difícil mais facilmente, e essa é a questão central. Nós teremos que nos unir para ver realmente qual é o melhor caminho a seguir, quais tecnologias deveremos adotar em sala de aula, ou se o problema são as tecnologias. Essa cooperação conjunta parte de um trabalho cooperativo, e não de um trabalho competitivo.

Esta matéria foi produzida pelo Núcleo Rio Grande do Sul da Inoversidade.

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