Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas” — atribuída a Albert Einstein.

A arte de fazer perguntas

Lili Fonseca
InPeople
Published in
8 min readJun 10, 2021

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Além de respirar, fazer perguntas é uma prática diária em nossas vidas. Qualquer conversa casual terá perguntas, bons livros trazem e deixam perguntas, até mesmo quando estamos sozinhos e queremos ver um filme em um serviço qualquer de streaming nos perguntamos: “O que eu quero assistir hoje?” — e algumas vezes a pergunta certa aqui seria “Do que eu estou querendo fugir hoje?”, mas não quero enveredar para um lado tão psicológico da coisa.

Se fazer perguntas é algo tão presente, a conclusão lógica é que deveríamos saber fazer isso bem, certo? Mas não fazemos. Principalmente na comunicação ocidental, em que ouvimos para replicar e não para entender, esse problema tem um impacto enorme que perpassa nossa autoavaliação (nos perguntarmos corretamente o que sentimos ou queremos), discussões de relacionamento, relações profissionais indo até as sabatinas que estão atualmente sendo conduzidas por senadores na CPI da COVID-19 — que levam horas e horas já que perguntas ruins dão espaço para que o respondente enrole, minta ou diga algo completamente distante do que foi perguntado. Simples assim.

Olhando com cuidado é possível perceber o estrago que perguntas ruins podem causar.

E quando você trabalha com seleção de pessoas, o tema é ainda mais delicado. Fazer as perguntas certas é a ferramenta mais estratégica para um bom resultado, porém, se poucas pessoas sabem fazer isso temos um probleminha aqui, Houston.

Perguntas que derrubam

No meu dia a dia em processos seletivos, vejo os outros fazendo perguntas o tempo todo. É vital e estratégico que eu observe perguntas boas e ruins, ou melhor, perguntas que fazem sentido em seu contexto ou não. Perguntas que investigam o que precisa ser olhado e perguntas que simplesmente derrubam o candidato — na maior parte das vezes sem a intenção de que isso ocorresse. Vocês já viram isso acontecer? Vou dar um exemplo:

Ao olhar o currículo de um candidato, o entrevistador nota que sua última experiência foi há um ano e pergunta, displicente, ainda olhando o papel na sua frente: “Você não está trabalhando hoje não, né?”

A expectativa do entrevistador é simples: confirmar uma informação do currículo e continuar a conversa. Para o candidato, reforçar sua falta de ocupação atual — algo que possivelmente o envergonha — é como se um caminhão de insegurança fosse despejado na sua cabeça. Para o entrevistador, nada aconteceu. Para o candidato, a conversa tomou um rumo de derrota muitas vezes difícil de retornar.

E se o entrevistador tivesse a sensibilidade de perceber o impacto da pergunta e a fizesse de forma diferente? A informação ainda precisa ser confirmada (se a pessoa está atualmente desempregada), mas a abordagem pode levar o candidato para um lugar muito melhor com perguntas como: “Como você tem investido seu tempo livre atualmente?” ou ainda “Quais as principais atividades da sua rotina hoje em dia?”

São indagações que partem do mesmo lugar (“será que essa pessoa está trabalhando hoje?”), mas levam para caminhos completamente diferentes. No segundo formato, o candidato tem espaço para trazer novas informações e evidenciar fatos que talvez não estejam no currículo, sem se sentir diminuído ou envergonhado.

Saber fazer boas perguntas não é apenas uma questão de investigar a informação certa, mas também de dar espaço para que a pessoa mostre seu melhor.

Perguntas que enviesam as respostas

Como eu me sinto por dentro quando alguém faz uma pergunta enviesada para um candidato na minha frente.

Repitam comigo: perguntas enviesadas fazem o candidato responder o que você quer ouvir. E você perde tempo ouvindo o óbvio.

Além de sensibilidade, é preciso gastar neurônios para formular perguntas que não deixem o candidato perceber o que você está investigando. Quando trabalhei na Aennova com o desenvolvimento de conteúdo para jogos de negócio, aprendi que fazer perguntas sem viés é uma tarefa árdua.

Se você já trabalhou em uma empresa de médio ou grande porte provavelmente já respondeu algum tipo de teste ou formulário obrigatório sobre Código de Ética com perguntas similares a essa:

Se o Código de Conduta da tal empresa deixa claro que funcionários só podem receber presentes de até R$ 150 a pergunta é muito simples e qualquer pessoa com alguma experiência em empresas provavelmente será levada a escolher a terceira opção, mesmo sem ter lido o documento. Parece ser a mais equilibrada.

Nesse exemplo a pergunta foi boa? Não.

Qualquer pergunta que possui uma opção de resposta claramente melhor, mesmo que você não saiba o contexto, é uma pergunta ruim. Com ou sem conhecimento prévio tendemos a escolher melhor opção, mesmo que não reflita nosso comportamento na vida real.

Veja o exemplo abaixo, considerando que no Código de Ética há uma regra em que somente presentes abaixo de R$ 150 podem ser aceitos:

Nesse caso todas as opções são plausíveis e bastante próximas a comportamentos reais. Além disso, a opção certa (letra D — o presente teve valor alto e geralmente os fornecedores também se comprometem com o Código de Ética, tendo ciência de que a atitude foi errada) traz um fator de dúvida fazendo com que a pessoa pense: “Acho que advertir seria algo muito pesado, não deve ser a opção correta.”

Nem preciso dizer que escrever o segundo modelo deu muito mais trabalho do que o primeiro, mas esse é o formato correto para obtermos respostas mais verdadeiras.

Comecei com o exemplo de quiz, porque é mais fácil entender a questão do viés com opções de resposta, mas esse é um problema recorrente em perguntas abertas feitas em processos seletivos. Muitas vezes, a resposta esperada já vem na pergunta.

Vou trazer três exemplos muito simples:

“Porque você quer trabalhar aqui?”
Apesar da boa intenção de entender os pontos de identificação do candidato com a empresa, é provável que a resposta venha recheada de clichês.

Uma melhor opção seria: “Quais os três aspectos da empresa e/ou da vaga mais te atraem?” ou ainda “Que outras empresas você gostaria de trabalhar também e porquê?”.

“O que te faria não desistir dessa vaga?”
Além de mal formulada, nesse caso a pessoa sabe automaticamente que desistir da vaga é algo ruim e a resposta precisa ser o mais convincente possível para mostrar que ela jamais irá desistir.

Uma melhor opção seria: “Se você pudesse sair da empresa para realizar um projeto que você deseja muito, que projeto faria você abrir mão do seu emprego?” Ao focar no projeto e não na desistência temos muito mais oportunidade de observar o interesse genuíno do candidato na vaga.

Em uma vaga para programador backend:

“Se você tivesse que escolher entre trabalhar no backend ou no frontend, qual você escolheria?”
A não ser que o entrevistador tenha vaga nas duas áreas, qualquer pessoa com três neurônios e meio responderia a primeira opção.

Uma melhor opção para entender se a pessoa realmente se identifica com a área em questão seria: “Se você pudesse escolher um projeto da área de backend para liderar, você preferiria um com muita interface com a área de frontend, um focado somente em backend ou outro voltado para infraestrutura?” A ideia aqui é ter uma opção mais “correta”, uma opção que investigue nossa dúvida sem deixá-la óbvia e uma terceira opção que também seja plausível.

Esses exemplos só reforçam o que tento sempre conversar com os clientes: a necessidade de se formular perguntas com antecedência. Como a maior parte das pessoas não tem a habilidade de fazer boas perguntas no improviso, é preciso pensar, praticar e levar um roteiro-guia com algumas questões que não podem ficar de fora. E é claro, a prática leva à evolução.

O preparo de quem vai entrevistar ou avaliar é essencial não só em prol do resultado, mas também para evitar que se perca tempo do processo seletivo com perguntas que não levam a lugar nenhum e respostas que trazem menos informação ainda.

Perguntas Meu Deus

Eu, o candidato e o próprio entrevistador após uma pergunta Meu Deus.

Eu nem soube como nomear esse tipo de pergunta, mas vou tentar exemplificar:

“Me conta uma situação que você liderou uma equipe grande e teve algum problema. Ou algum projeto que você assumiu a liderança ou teve muitas responsabilidades e precisava se relacionar com muita gente. Teve algum problema, chegou no resultado? Como foi?”

É aquela pergunta que começa bem, aí a pessoa resolve colocar um rococó aqui, outro ali, explicar melhor o meio, reforçar o final e quando termina ninguém nem sabe o que precisa ser respondido. Nem quem perguntou.

É importante lembrar que a obrigação de conduzir a entrevista e fazer boas perguntas é, obviamente, de quem está entrevistando.

Se você se vir nessa situação — fazendo uma pergunta, tentando explicá-la no meio e se perdendo — pare e recomece. Nem todos os candidatos têm segurança e maturidade para pedir para que a pergunta seja feita novamente. A insegurança de dizer que não entendeu é tão grande que muitas pessoas preferem responder qualquer coisa do que demonstrar o não entendimento. O resultado é sabido: pergunta ruim, resposta pior ainda.

Existem outras abordagens que também devem ser evitadas, mas qualquer busca por “entrevista por competência” no Google vai te trazer bons resultados. Estou me referindo ao uso de perguntas fechadas (de sim e não), perguntas de longo prazo (onde você se vê em 5 anos?) e outros problemas comuns, mas que já fora muito debatidos.

Espero que esses exemplos tenham deixado claro que o ato de se fazer boas perguntas não é uma tarefa fácil, não é algo que se aprende do dia para a noite e é fundamental que as pessoas envolvidas em processos seletivos sejam desenvolvidas, treinadas e preparadas para pensar nas perguntas que fazem porque…

…perguntas fracas podem camuflar um candidato ruim e derrubar um excelente profissional.

Para fechar, vou colocar um resumo de alguns comportamentos a serem evitados e se você já esbarrou por alguma pergunta muito ruim em processo seletivo, comenta pra gente garantir que a palavra se espalhe e elas nunca mais sejam repetidas :D

Comportamentos a serem evitados ao se fazer perguntas em Seleção:

1) Perguntas que enviesem ou influenciem a resposta.
Ex: O que me prova que você não vai desistir dessa oportunidade? Nesse exemplo o candidato entende que desistir é algo negativo e não vai trazer a informação que precisamos saber, que seriam os motivos reais que poderiam levar à um pedido de demissão ou desistência.

2) Perguntas confusas, muito longas ou muitas perguntas juntas.
Os candidatos podem não entender, responder errado ou não trazer a informação procurada.

3) Perguntas de futuro distante.
Ex: Como você se vê daqui há 5 ou 10 anos? Mantenha um horizonte prático de no máximo um ano — é onde o candidato tem algum tipo de controle. Importante principalmente na incerteza de um mundo em pandemia 😊

4) Perguntas que desencorajem o candidato
Evite perguntas como “Seu Excel é básico, né?” para não desmotivar o candidato. Se for necessário, elabore a pergunta de forma positiva: “Qual seu conhecimento do Pacote Office?”

5) Perguntas comportamentais fechadas (sim ou não).
Ex: Você se considera determinado? Você gosta de programar? O ideal é sempre pedir uma situação de passado ou uma simulação de futuro em que a pessoa demonstre o comportamento buscado com evidências, como por exemplo “Conte uma situação em que você teve que se esforçar muito para alcançar um objetivo.” ou “O que você faria para resolver uma situação X?”.

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Lili Fonseca
InPeople

Questionando o modus operandi de Comunicação, Desenvolvimento e Gestão de Pessoas do jeito que são feitos até hoje.