Gerenciando gerentes, o caminho para se tornar liderança sênior em tecnologia

Jose Urbano Duarte Junior
Inside PicPay
6 min readJun 7, 2022

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Muito se fala sobre a transição de desenvolvedores para o primeiro cargo de gestão em tecnologia (Tech manager, coordenador, Tech lead). Entretanto, um tema bem menos abordado é a transição do primeiro cargo de liderança técnica para a posição de gestão de gerentes. Neste post, vamos conversar um pouco sobre os desafios para aqueles que estão fazendo essa transição ou buscam fazê-la em um futuro breve.

Nesse sentido talvez a primeira coisa a se compreender seja: "Qual a diferença entre gerenciar desenvolvedores e gerenciar gerentes?"

Sua grande mudança será na rotina. Como liderança de desenvolvedores, a maioria dos Tech Managers (TM) acabam ocupando a maior parte do seu tempo com dailys, refinamentos, sprint reviews e demais ritos ágeis. Muitos ainda fazem code review, codificam pequenas coisas, se envolvem em suporte técnico ao seus times ou apoiam em observabilidade de seus sistemas. O foco é sempre nas entregas de software.

Já como liderança de gerentes, tais atividades não mais estarão em sua rotina. Serão seus TM's que estarão nos ritos ágeis e é provável que você sinta um vazio nos primeiros dias. A primeira reação de muitos será preencher esse vazio tentando se manter na sua antiga rotina. Mas, não faça isso, pois poderá levar os seus gerentes a se sentirem diminuídos, considerando que existe uma grande chance de que sua presença iniba o protagonismo deles.

Em vez de focar na rotina dos times, preencha teu tempo lendo e compreendendo sua área de tecnologia, seu produto e sua empresa. Busque compreender como o planejamento dos outros afetam você, como você pode se beneficiar dos planos de outras lideranças e como você influencia as demais áreas.

Fica claro que o olhar para dentro do TM é acrescido de um olhar para fora. Você estará garantindo a entrega da sua área não executando ou coordenando a execução, mas se atentando a outros aspectos como:

  • A visão da sua área é compartilhada e compreendida pelas demais?
  • A solução desenhada é eficiente e conversa com toda da empresa?
  • Você construiu relacionamentos que lhe permitam remover empecilhos?

Isso não quer dizer que você não possa apoiar seus gerentes ou se envolver na execução das tarefas. Como exemplo: se você é muito experiente em conciliação financeira, discuta o tema com os gerentes e os times. Outra opção seria criar playbooks de atividades que domina que possam auxiliar suas lideranças novatas.

Principais aspectos da gestão

Após compreender a principal diferença entre as duas lideranças, precisamos refletir um pouco sobre o que seria um bom líder de gerentes. Será que os critérios de sucesso e o que é esperado de cada um deles é o mesmo?

Sabemos que é bastante difícil definir algo definitivo que valha para qualquer empresa ou cenário, mas acredito que alguns aspectos sejam comuns a maioria dos casos.

Um diretor ou head deve conseguir trazer claro sua visão, transmiti-la e conectar o seu time com o resto da organização. Ele deve ser capaz de provocar mudanças estruturais. Deve saber definir expectativas, distinguindo um trabalho bom de um trabalho medíocre ou ruim.

O que impede um time de entregar um bom trabalho é, primeiramente, a não compreensão do que deve ser feito. Depois, é possível que as pessoas não saibam fazê-lo, não estejam motivadas ou, por fim, não tenham as competências para isso.

Um bom líder, seja Tech Manager ou diretor, deve estar sempre atento a três dimensões: pessoas, processos e motivação. Por sua vez, uma liderança de líderes, com o olhar mais amplo como citamos, tem bem mais espaço para trabalhar aspectos estruturais. Como, por exemplo, as cinco condições básicas de times de sucesso:

  • Times bem definidos (escopo claro e estável)
  • Direção motivadora com metas claras (SMART)
  • Estrutura que facilite o trabalho do time
  • Suporte organizacional
  • Coaching

Comportamento e influência

Depois de compreender que os critérios de sucesso mudam de uma função para outra, podemos explorar uma área em que muitos líderes, que tem seu escopo acrescido, acabam errando. Como líder de líderes seu comportamento e influência mudam e você precisa gerenciar esses atributos.

Muitos líderes novos, que até então estava focados no desenvolvimento técnico do seu time, esperam que as condições sejam estabelecidas para que eles possam agir, enquanto a posição demanda que eles sejam os grandes criadores dessas condições.

Não pergunte a sua empresa o que deveria fazer, mas diga a ela o que você irá fazer.

Como eles sempre receberam visões do que deveria ser feito, eles tendem a seguir fluxo enquanto deveriam estar criando as visões e apresentando-as para a empresa e buscando patrocínio para suas iniciativas.

Mas o problema não para no comportamento, o novo cargo costuma trazer uma nova esfera de influência. Normalmente, a influência e o relacionamento do primeiro cargo de liderança técnica é muito próxima dos desenvolvedores. Cria-se uma relação de proximidade positiva, mas que alguns acabam confundindo com amizade. Se essa confusão pode causar problemas para Tech Manager, o cenário é ainda mais complexo para lideranças seniores. O líder de líderes com toda sua influência não deve inflamar seus times como se tivesse falando em um bar.

"O líder não deve, em público ou fóruns amplos, criticar as novas políticas de RH, por exemplo. Por mais que ele não concorde com tal ação, e deva defender seu ponto de vista para o RH, criticar tais ações para seus Tech Managers e desenvolvedores não é a postura de uma liderança sênior."

Por fim, toda liderança por mais influência que possua sempre terá pessoas para quem se reportará. Em especial, líder de líderes tendem a ter que fazer isso com mais frequência e em fóruns mais amplos. Clarifique, eduque, influencie ou convença as demais lideranças para que elas lhe deem os meios para que possa contornar obstáculos. Esse é o trabalho de uma liderança sênior.

Cultura

A melhor compreensão sobre o novo escopo de comportamento e influência para um líder de líderes abre espaço para reflexão sobre seu impacto na cultura da empresa. Aqui entendendo que a verdadeira cultura são as ações do dia-a-dia, e não aquela “pregada na parede”.

Uma liderança sênior tem papel fundamental para reforçar essa cultura. Enquanto no nível de coordenação você trabalha na execução das estratégias, no outro nível você aponta os caminhos para alcançar esses objetivos e isso dirá muito sobre seu alinhamento com a cultura da empresa e como você estará a influenciando. As posturas e comportamentos que são elogiados por você dirá mais que qualquer documento que você tenha escrito.

Você é o guardião da cultura e não deve fugir de conflitos para resguardá-la.

Imagine que você diga que a qualidade nas entregas ao cliente faz parte da sua cultura, entretanto você questiona e pergunta pouco sobre testes. Você cria indicadores de entregas, mas não tem nada sobre a qualidade dessas entregas. Sua pseudocultura de desenvolvimento não será levada a sério e você terá falhado em efetivamente transmitir sua visão. Falando em indicadores, esse talvez seja um tema que mude bastante entre as posições de gestão.

Indicadores

Assim como discutimos sobre a mudança de rotina, como Tech Manager (TMs), IT Coordinator ou Tech Lead (TL) a maioria dos seus indicadores estão voltados exclusivamente para seu time. A maioria dos TMs nunca criou um indicador, seguindo basicamente o que a empresa impôs.

Como diretor ou head de engenharia isso precisa se alterar. Você deve criar seus indicadores. Sem eles, você necessitaria entrar muito no operacional dos seus times, gerando microgerenciamento e frustrações.

Assim, compreenda os processos que são de sua responsabilidade, entenda quais são as alavancas para acelerar os resultados e quais são normalmente os fatores-chave para times de sucesso e entregas de sucesso no seu contexto.

Dentro da engenheira de desenvolvimento de software talvez o Livro Accelerate: The Science of Lean Software and DevOps: Building and Scaling High Performing Technology Organizations seja um dos mais famosos e utilizados para se inspirar.

Entretanto, a criação dos melhores indicadores passam pela estratégia que você quer realizar, pela visão que você tem para a empresa, pela cultura. Lembre-se, existem dois tipos de indicadores (Leading e Lagging ou Direção e Histórico). Faça um dos usos desses e delegue sem medo.

Conclusão

A transição para um novo cargo é sempre desafiadora, mas a compreensão da diferença entres papéis ajuda muito nessa transição. Por fim, caso você entenda que o novo papel não é pra você, a construção de uma saída honrosa é uma característica de um bom líder, assim peça ajuda ao seu executivo nesse sentido. Ele sempre deve deixar um porta aberta para esses casos.

Comentem aqui quais desafios vocês acreditam ser mais importantes nessa transição e o que vocês gostariam de explorar mais?

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Jose Urbano Duarte Junior
Inside PicPay

Mestre em "Computação — Mobility" na Carnegie Mellon University, especialista em Gestão Estratégica de TI pela FGV e entusiasta por empreendedorismo