OSINT: Clima no Brasil impacta na produção de café, milho, cana e feijão

Seca e inverno intenso podem aumentar o índice de fome no Brasil, que soma mais de 49 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar

Sara Magalhães
Insper Jor
16 min readDec 10, 2021

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Por Larissa Sayuri, Layane Serrano e Sara Magalhães

Clima impactou nas plantações de alimentos e preços devem subir para o consumidor. Foto: Twitter/ Rally da Safra

Neste mês em que é lembrado o Dia Mundial da Alimentação (16/10) o Brasil enfrenta uma série de fatores que o desafiam a diminuir o índice de fome no país. Mais de 800 milhões de pessoas são atingidas pela fome no mundo, segundo dados de 2020 do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (Food and Agriculture Organization of the United Nations — FAO)- só no Brasil, 49,6 milhões de pessoas vivem em estado de insegurança alimentar moderada ou severa, ou seja, não têm acesso a todas as refeições ou até mesmo convivem com a fome por um ou mais dias.

Além da questão da pandemia e do desemprego, que atinge mais de 14 milhões de brasileiros, de acordo com os dados do 2º trimestre de 2021 do IBGE, o Brasil encara neste ano uma das maiores crises climáticas e hídricas da história — as quais já impactam na produção de alguns alimentos que, consequentemente, irá impactar no acesso à alimentação.

Segundo Maciel Silva, coordenador de Produção Agrícola da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), quatro safras sofreram mais neste ano devido às mudanças climáticas: milho safrinha, café, cana-de-açúcar e feijão.

“A produção de alimentos foi impactada pelas questões climáticas como um todo. Secas no início de 2021, geadas no meio do ano e agora a questão da crise hídrica. De todas as safras, os dados do Conab mostram que o milho de segunda safra, café, feijão e cana-de-açúcar foram as principais culturas afetadas. A produção da laranja também apresentou déficit segundo os dados do Fundecitrus.”

Imagens de satélite mostram a diminuição da área ocupada pela água na represa de Itaí, no Paraná. É nítida a redução do volume da represa ao longo dos anos.

Fonte: Google Earth

Em relação ao preço, o economista especialista em agronegócio, Felipe Serigatti, comentou que é difícil prever o quanto o custo de cada alimento irá aumentar: “Em relação ao preço, acho arriscado qualquer projeção, pois há outros fatores que contribuem fortemente para o preço final, como dólar e combustíveis (e ambos têm passado por intensa volatilidade)”.

O inverno de 2021 foi histórico no Brasil. A serra gaúcha registrou as menores temperaturas desde 2007 e em São Paulo foi registrada a menor temperatura desde 1994: “No dia 29 de julho registramos 3°C no Mirante de Santana em São Paulo, e na região da serra gaúcha a sensação térmica foi de até -20 °C”, comentou Mamedes Luiz Melo, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia, INMET.

Comparação da temperatura na mesma data em anos diferentes

Ponta Grossa, RS
Data Temperatura
29 de junho de 2021 mínima 1°C | máxima 10°C | média 4°C
29 de junho de 2020 mínima 10°C | máxima 16°C | média 13°C
29 de junho de 2019 mínima 18°C | máxima 25°C | média 20°C
Fonte: WolframAlpha

Canela, RS
29 de junho de 2021 mínima -1°C | máxima 3°C | média 1°C
29 de junho de 2020 mínima 6°C | máxima 11°C | média 9°C
29 de junho de 2019 mínima 17°C | máxima 24°C | média 19°C
Fonte: WolframAlpha

Diferença entre a temperatura média observada e a média histórica para o mês de julho entre 2017 e 2021, segundo dados do INMET

Fonte: INMET

Nos últimos cinco anos, as temperaturas foram menores do que o usual. Em 2017, a queda de temperaturas foi percebida numa faixa territorial maior: do Sudeste ao Nordeste. Já em 2021 essa queda se deu majoritariamente do Sul ao Sudeste atingindo valores de até 3º C a menos da temperatura usual.

Ocorrência de geadas nos dias 01, 10 e 20 de Agosto entre 2017 e 2021. Fonte: INMET

Vemos que em Agosto de 2021 a ocorrência de geadas foi prolongada, com mais estações observando esse fenômeno por mais dias.

Impactos do clima no milho

Essa queda brusca de temperatura foi um dos motivos que causou prejuízo na safra de Sidney Mano, produtor de milho em Cambará, no Paraná. Sidney comenta que sua região chegou a registrar 0 ° C após dias seguidos sem chuva.

“Na época de seca, ficou em torno de 45 a 60 dias sem chuva. Quando veio a chuva, veio a geada junto. Na seca o milho não se desenvolve, então houve muita perda de pé (de milho). E no caso da geada, eles foram queimados.”

Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento — Conab de Setembro de 2021, a produção do milho safrinha do Brasil deste ano caiu 20% em comparação com 2020, uma queda de 75.054,5 para 59.471,5 mil toneladas. Os estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul que produzem essa cultura tiveram queda acentuada na produção, sobretudo considerando a crescente das safras 18/19 e 20/21. Minas Gerais e Paraná, por exemplo, produziram 35.1% e 48,1% das respectivas safras de 2018/2019.

Gráfico: Percentual produzido por ano e o máximo produzido pelo estado por Safra segundo dados da CONAB

No caso do produtor Sidney, a produção chegou a cair 60% e o aumento do preço do produto foi inevitável:

“A minha produção de milho safrinha, normalmente era de 80 a 100 sacos por hectares, neste ano ficou na casa dos 20 sacos por hectares. Nossa região teve mais de 60% de perda. Foi terrível! Tive que aumentar o valor do saco. Cheguei a vender a por R$ 100,00 um saco. Hoje o valor está na casa de R$ 85,00 a R$ 90,00. Normalmente, nesta época do ano seria uns R$ 50,00, se não fosse essa questão climática. O preço do milho provavelmente vai subir para o consumidor em torno de 10 a 15%. Granjeiro e pecuarista vão sentir muito também. Não tem como não repassar o custo.”

Publicações no Twitter mostram os estragos da geada na produção de milho

Sobre a expectativa de mercado, Sidney comentou que levará cerca de um ano para recuperar os prejuízos causados pelo clima, até porque os impactos continuam, como os incêndios causados pela seca:

“Precisamos de mais um ano para normalizar o estoque. Agora aqui está muito quente, sem chover e com vários incêndios, o que também impacta em nossa produção. A vantagem do nosso país é que colhe o ano todo. Tem outra região que vai começar a colher agora, como Maringá. Mas lá a geada foi mais severa e certamente a produção lá será pior.”

Se o custo do milho aumentar, em que ele pode prejudicar?

Impactos do clima na produção de café

O Brasil lidera o ranking global de produção e exportação de café, sendo responsável por cerca de 35% da produção mundial, segundo a Organização Internacional do Café.

De acordo com os dados do Conselho de Exportadores de Café do Brasil, o Brasil exportou o grão para cerca de 115 países diferentes na Safra 20–21, porém apresentou uma queda de 25,2% na exportação em agosto de 2021 em comparação ao mesmo período de 2020, principalmente devido às barreiras impostas pela pandemia ao sistema logístico marítimo.

Os episódios meteorológicos, por sua vez, foram os principais motivos que impactaram na produção do café deste ano e geram uma expectativa de baixa exportação para a próxima safra.

Segundo Maciel da CNA, a safra de café de 2021 já seria baixa dentro do ciclo de sazonalidade que foi intensificado com a questão do déficit hídrico. “No caso do café o problema maior foi a falta de chuva. Esse déficit hídrico começou na segunda metade do segundo semestre de 2020 (que é um período importante na questão fisiológica do café, porque ele começa a ter uma recuperação após a colheita) e se estendeu até o início de 2021, afetando o desenvolvimento das flores e frutos.”

Loris Ramos Heleno, produtora de café da cidade de Amparo, São Paulo, trabalha com 100% café arábica e café especial e confirma a informação de que a falta de chuva foi o que mais prejudicou a sua safra neste ano, apresentando uma quebra histórica:

“O clima vem impactando desde o ano passado, porque a seca vem se estendendo desde 2020. A geada impactou várias produções na minha região, mas no meu caso o que mais impactou foi a seca. A produção deste ano foi baixíssima, não tenho histórico de uma produção tão baixa como neste ano. A quebra foi muito maior do que o esperado. A expectativa era de 25% da queda de produção, mas chegamos a uma quebra de 50%. Devido as últimas chuvas a florada na minha área já começou, e promete gerar uma safra muito linda e boa para o próximo ano, mas para isso preciso que chova em um regime regular, porque sem chuva a planta não terá força para produzir o fruto.”

Produção de café em Amparo, SP

Foto: Arquivo Pessoal/ Loris Ramos Heleno

Além de São Paulo, outros estados como Minas Gerais, Espírito Santo, Rondônia, Rio de Janeiro e Bahia também possuem áreas de produção de café. Muitas plantações de Minas Gerais, por exemplo, também sofreram prejuízos com as mudanças climáticas. Leila do Carmo Lemes, cooperada da Minasul, segunda maior cooperativa de café do Brasil, comenta que tais prejuízos foram severos e a expectativa para a safra de 22/23 não são das melhores:

“Além dos problemas da geada, algumas propriedades tiveram chuva de pedra e a seca está se estendendo já para a próxima safra. Na minha propriedade a geada chegou a afetar severamente 27% da área produtiva. No nosso município, Cambuquira, que está na Mantiqueira de Minas, 15% da safra de café foi comprometida com a geada. Hoje o nosso campo não tem uma flor. A nossa expectativa é de que a safra de café de 22/23 apresentará uma perda de 70% da produtividade. Definitivamente não era o cenário que esperávamos”

Imagens comparativas da plantação de café antes e após a geada em Cambuquira, MG

Foto: Sítio da Serra Cafés Especiais

A produtora de café Ivanyse Bernardes, possui safra também em Cambuquira, MG, e disse que a experiência do pai de 85 anos a livrou de ter um grande prejuízo com a geada deste ano, diferentes de outros produtores locais:

“Devido à falta de chuva, tive uma quebra na safra de uns 10%. Já em relação às geadas, minha propriedade não foi muito prejudicada, pois meu pai, com 85 anos de idade, já passou por vários problemas com esse fenômeno e hoje só temos cafés em áreas de maior altitude. Porém, uma grande parte de lavouras na região foi prejudicada com as geadas deste ano, e por estes dias alguns produtores ainda tiveram problemas com granizo.”

Sobre o preço do café, a produtora ressalta que além da queda da produção do grão, o custo dos insumos vai pesar no preço final: “Com certeza os preços do café vão continuar mais altos devido a pequena oferta do produto por causa de problemas climáticos, mas temos outros problemas, como os valores exorbitantes dos insumos. O preço do café dobrou, mas o preço dos insumos, como o adubo, triplicou.”

Impactos do clima da produção da cana-de-açúcar

A safra de cana-de-açúcar também sofreu os impactos da seca e da geada neste ano. De acordo com os dados do CONAB, a produção foi 11,8% menor do que na safra passada. Segundo o relatório do IBGE divulgado em setembro deste ano, em 2020 houve uma redução de 0,9% da área cultivada de cana no Brasil, porém, nos últimos 25 anos a área de cultivo desta cultura dobrou por causa da exportação do açúcar e da procura por carros flex.

De acordo com o economista Serigatti, a queda da produção da cana deve impactar, certamente, no custo do etanol:

“A produtividade dos nossos canaviais será menor. Ou seja, com menor ATR (açúcar total recuperável) na cana disponível, menor será a matéria-prima disponível para produzir açúcar e/ou etanol. Além disso, os preços mais atraentes do açúcar no mercado internacional devem favorecer as exportações”.

Antônio de Pádua, diretor-técnico da UNICA (Associação Brasileira da Indústria da Cana-de-Açúcar), uma organização de lobby de produtores de cana-de-açúcar e etanol combustível, explica que as condições climáticas causaram um forte impacto na produção de cana-de-açúcar e prevê para este ano a menor safra em 10 anos: “Voltamos a uma safra inferior a de 2012/2013. De fato, foram vários os fatores que levaram a essa redução da oferta de cana, o mais impactante foi as condições climáticas, especialmente a seca, que foi muito forte. Tivemos três geadas muito severas em julho, uma no início do mês, no meio e no final do mês”

De acordo com de Pádua, a região centro-sul é a que mais produz cana no país e foi a mais afetada por conta das condições climáticas este ano. Além do clima, as queimadas que ocorreram em diversos pontos do estado de São Paulo, colaboraram para a diminuição da produção.

“Na região centro-sul, a geada pegou mais de 800 mil hectares de cana, estamos falando mais de 10% da área de cana na região. Esse efeito da geada tanto foi em áreas que ela já estava colhida e também em áreas onde a cana ainda seria colhida. Outro fator que influenciou na redução da oferta de cana foram os incêndios que aconteceram em agosto e setembro. O clima foi o que mais pesou, sem dúvidas.”

Segundo o representante da UNICA, o estado de SP é responsável pela produção de 50% de toda a cana-de-açúcar no país. Ele destaca que a região centro-sul, que contempla os estados do sul e sudeste, além de partes do MT, GO e MS, representa mais de 90% da produção de cana enquanto as regiões norte e nordeste produzem 10% da oferta.

“Na safra passada nós colhemos 605 milhões de toneladas de cana aqui na região centro sul. Desta vez, a expectativa é de 520 milhões de toneladas de cana, ou seja, uma redução de 85 milhões de toneladas. Isso representa aproximadamente 14% de redução da oferta de cana.”

Por conta das mudanças do clima na região que mais concentra a produção de cana-de-açúcar no país, espera-se uma redução considerável da oferta de produtos como açúcar e etanol, além da geração de energia que é produzida a partir do bagaço e da palha da cana. Ele explica que 45% da cana-de-açúcar é destinada para a produção de açúcar enquanto 55% para o etanol. Segundo de Pádua, espera-se um prejuízo de 6 milhões de toneladas de açúcar, que deixarão de ser produzidos por conta da queda na produção: “As indústrias priorizaram mais o etanol, apesar dos bons preços do açúcar, ou seja, o açúcar vai ter uma queda maior do que o etanol”.

Impactos do clima na produção de feijão

A produção de feijão do Brasil da safra 20/21 caiu pouco mais de 10% em relação à de 19/20 segundo dados da CONAB de setembro de 2021, mais precisamente de 3.222,1 para 2.856,1 mil toneladas. Na prática, o Brasil produziu a sua segunda menor safra de feijão perdendo apenas para a safra 15/16 considerando o histórico de safras divulgado no Boletim de Grãos da CONAB, com dados a partir de 2013.

Gráfico: Produção de feijão por região das Safras de 2013 a 2021 segundo dados da CONAB. Vemos que o Brasil produziu sua segunda menor safra considerando esses dados.

Esse decréscimo de produção pode potencializar o aumento de preços do feijão, já observado e quantificado no Índice de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA do IBGE de setembro de 2021. Segundo esses dados, o feijão teve aumento em três das quatro variedades consideradas no acumulado de 12 meses. O feijão carioca, ou rajado, foi o único que permaneceu praticamente sem mudanças de preço.

Segundo Marcelo Eduardo Lüders , Presidente do IBRAFE (Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses), as mudanças climáticas atingiram os dois estados que mais produzem feijão: Paraná e Minas: “São os estados que produzem 40% do feijão produzido e consumido no Brasil. Os dois estados foram impactados no período de março a maio e as perdas foram realmente grandes”

Marcelo ressalta que provavelmente os números de consumo de feijão em setembro vão fechar abaixo da média, e essa baixa é preocupante. Ele explica que em um cenário em que a proteína animal fica mais cara, é comum que a sociedade consuma mais proteína vegetal, como o feijão, porém o aumento do preço já está passando do produtor para o consumidor e essa queda de procura, de um alimento básico do país, já indica de que a fome está aumentando no Brasil:

“A queda de consumo de feijão no Brasil preocupa muito. Quando você tem aumento no preço no valor das proteínas animais, como o bovino, frango e suínos, as pessoas vão para os derivados, com a linguiça. Quando tudo isso sobe a população vai para o ovo, que é o que temos visto. O ovo é a última barreira da proteína animal. Quando o cidadão não está consumindo ovo ele obrigatoriamente aumenta o consumo de produtos básicos, como é o caso do feijão. Ora, se você já tem os outros produtos com preço alto e diminui o consumo do feijão, isso significa que tem uma parte da população que está passando fome”

A informação do presidente da IBRAFE de que o feijão tem papel fundamental na alimentação do brasileiro, incluindo aqueles mais vulneráveis à fome, se confirma com os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar, POF de 2017–2018 do IBGE. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste a aquisição de feijão por pessoas em insegurança alimentar grave por ano é maior do que a de pessoas em situação de segurança alimentar. Nas regiões Norte e Nordeste esse comportamento ocorre considerando pessoas em insegurança alimentar moderada. Logo, um aumento no preço do feijão tem implicações diretas na alimentação de pessoas com mais dificuldade de acesso e consumo a uma alimentação saudável.

Tabela: Consumo por pessoa e por ano das variedades de feijão mais comuns por região do Brasil segundo dados da POF 2017–2018.
Imagem: Aumento do feijão no Brasil em Setembro no acumulado de 12 meses segundo dados do IPCA de setembro de 2021.

O preço do grão aumentou este ano, mas poderia estar muito mais caro, segundo o Marcelo. Ele explica que o produtor ainda não está repassando o prejuízo que teve em sua safra este ano, ou seja, o preço do feijão poderá ficar mais caro:

“Os preços do feijão subiram pouco, considerando que temos custos em dólar e toda a questão climática deste ano. O preço médio pago pelo produtor durante o ano de 2021, subiu mais do que o preço pago pelo consumidor. Eu conversei com um empacotador de Curitiba e ele disse que vendeu um fardo de feijão de 30 kg para o supermercado por R$ 163,00, dividido por 30 chegamos em R$ 5,43 — foi o preço que ele vendeu para o supermercado. Era de se esperar que esse supermercado dentro da normalidade vende-se esse feijão a R$ 6,90 a R$ 7,00. Então o empacotador já entregou um feijão onde ele não estava ganhando só para poder atender o supermercado, porque as margens dos empacotadores desapareceram nos últimos 6 meses. Enquanto isso, fazia mais de um ano que não tínhamos anúncio na TV de promoção de feijão aqui no Paraná. O mercado também está perdendo a margem, porque o poder de compra do brasileiro diminuiu.”

Além da crise climática, o feijão sofre com pouco espaço para plantio e com falta de políticas públicas, segundo o presidente do IBRAFE. Ele comenta que se no próximo ano o Brasil sofrer com mais problemas climáticos, a sociedade viverá um caos:

“A chance de termos algum tipo de instabilidade social aumenta se você não tem comida. Temos os exemplos da Argentina, Bolívia, Venezuela em que as pessoas começaram a migrar quando a comida ficou tão cara que não estavam conseguindo se alimentar. O Brasil não vai migrar, o Brasil vai ter que resolver aqui dentro.”

O presidente do IBRAFE ressalta que existem algumas soluções para melhor a produção do feijão no Brasil: investimento em políticas públicas de produção de feijões diferenciados e plantio de variedades de grãos que sejam mais atrativos para o mercado externo: “Precisamos de mais investimento em pesquisa de plantas ou sementes de feijões que pudessem ter uma produtividade maior e estudos que investissem mais em carne vegetal com base no feijão, isso porque a produção vai aumentar muito no Brasil de proteína vegetal, seja por causa dos vegetarianos e veganos, seja pelo preço da carne. Outro caminho é estimular o plantio de variedades de feijão que sejam mais exportáveis, como o feijão mungo, consumido muito na culinária asiática.Um dos problemas que a gente vê no Brasil é que o governo dificilmente se envolve em políticas de abastecimento de feijão porque ele termina em 4 anos. E muitas vezes esses investimentos dão resultado em 5, 6 ou 7 anos. É um beco sem saída que já estamos avisando há mais de 10 anos.”

Além de ser um marcador social, o feijão também é um marcador de saúde, segundo Marcelo:

“O Ministério da Agricultura e o Ministério da Saúde têm uma preocupação quanto ao consumo do feijão, isso porque este grão é um dos marcadores de saúde. Os médicos costumam perguntar quantas vezes na semana você consome feijão. Cada vez que baixa esse consumo da proteína vegetal mais acessível no país, consequentemente aumentam os problemas de saúde, porque aumenta-se o consumo de alimentos ultraprocessados.”

Fome no Brasil

No Brasil, segundo dados de 2018 do Índice Global de Fome, GHI em inglês, da organização Our World in Data, o Brasil era o 17º país no ranking da fome entre 104 países.

Tabela: Índice de Fome Global (GHI) em 2018 para alguns países da América Latina

Em comparação com países da América Latina, por exemplo, o Brasil tem situação semelhante à do Paraguai e pior que a Argentina, México e Colômbia
Esses dados também permitem observar o retrocesso do Brasil no combate à fome. Ele aparece como um dos 51 países cujo cenário da fome piorou entre 2016 e 2018, em um cenário semelhante a países africanos e a Coréia do Norte.

Gráfico: Índice Global da Fome (GHI) do Brasil por ano segundo dados da organização ourworldindata.

Insegurança alimentar

A fome corresponde ao nível mais severo na escala da SAN, sigla para Segurança Alimentar e Nutricional. Esse é o termo adotado para descrever as dimensões que correspondem ao amplo acesso a uma alimentação de qualidade: disponibilidade, acesso físico e econômico e aproveitamento dos nutrientes pelas pessoas. Além de observar o nível da fome, tem se tornado comum observar a evolução dos demais níveis dessa escala. No Brasil adotamos quatro níveis, segundo metodologia da Pesquisa de Orçamento Familiar- POF — do IBGE:

Imagem descritiva sobre os graus de insegurança alimentar, segundo o IBGE

Segundo o levantamento da POF de 2018, vemos os diferentes perfis de Insegurança Alimentar das Unidades da Federação do Brasil. Os estados Maranhão (MA), Amazonas (AM), Pará (PA), Amapá (AM), Acre (AC), Alagoas (AL), Rio Grande do Norte (RN) e Paraíba (PB) têm mais da metade dos seus domicílios em situação de insegurança alimentar. Sendo Amazonas (AM), Acre (AC), Maranhão (MA), Pará (PA) e Amapá (AM) os estados cujo percentual de domicílios com insegurança alimentar grave passa de 10%.

Gráfico: Percentual de domicílios por nível de insegurança alimentar e Unidades da Federação segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE de 2018.

Esta reportagem foi produzida como trabalho final da disciplina Open Source Intelligence, ministrada pelos professores Guilherme Felitti e Bárbara Marcolini, no Master em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling do Insper.

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Sara Magalhães
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