Resenha sobre a obra “Conhecimento e Liberdade”, de Alberto Oliva.

Luccas Bergami
Insper Liber
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8 min readApr 11, 2019

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Síntese filosófica sobre holismo e individualismo que busca reforçar as razões ontológicas, epistemológicas e ético-políticas sobre a noção de Ser Social e indivíduo.

O livro “Conhecimento e Liberdade” de Alberto Oliva, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz em sua essência as razões ontológicas, epistemológicas e ético-políticas para o conflito entre as visões individualista e holista de entendimento do Ser Social. Durante o texto são apresentados vários argumentos que embasam e refutam as ideias, promovendo bastante versatilidade argumentativa e reflexões acerca do tema. Segundo Oliva (1999, p.17), “a tese defendida em nosso livro é a de que tem predominado a tendência a substancializar o social em alguma entidade supra-individual como forma de defender a singularidade dos enfoques desenvolvidos pelas ciências sociais.”

A obra é dividida em 3 capítulos (Ontologia — Os descaminhos na busca da substância social; Epistemologia — Os descaminhos das teorias substacializadoras; Ética e Política — Os descaminhos da busca por ordem social coletivista.) e uma conclusão final, que busca reiterar e conectar todos os argumentos já apresentados.

Ontologia e Espinoza

Conhecimento e Liberdade traz reflexões analíticas sobre as noções conflitantes do individualismo e do holismo e, para nos mostrar os argumentos que embasam essas ideias, nos leva a hipostasiar sobre as duas teorias, citando diversos autores — Platão, Weber, Durkheim etc — e suas noções acerca delas. A obra traz uma excelente argumentação ontológica sobre o tema, pois mostra como a ontologia é um campo de reflexão crucial para as ciências sociais e fundamenta muito bem a existência do Ser Social. Neste momento a principal dúvida é: Que tipo de existência podemos dotar um coletivo sem entrar em hipostasiação?

Na formulação da resposta, Oliva amarra a existência social com explicações epistemológicas que buscam derrubar a noção da metafísica holista que embasa o coletivismo. Dentre os argumentos, encontramos noções de Durkheim que atribuem à existência individual dependência com a coletiva e que ignoram a consciência individual frente aos fatos sociais.

“A natureza do indivíduo deriva diretamente do ser coletivo que é, por si mesmo, uma natureza sui generis.

(…) o quanto o ser social é mais rico, mais complexo, mais durável que o ser individual.

A causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais antecedentes e não entre os estados da consciência individual.”

(Durkheim, 1949. p. 122 e p. 109)

Com isso, Durkheim começa a se apresentar como pensador holista que defende um naturalismo ontológico e que atribui o social como tendo mais ser que o indivíduo. Nas palavras de Oliva (1999, p.26), “As ontologias adotadas como se fossem “fatos naturais” subordinam causalmente o que tem menos ser ao que tem mais. Nesse caso, a explicatividade deixa de ser o requisito fundamental para a concessão justificada de existência.”

Tal noção de ter mais ser pode ser representada como inconsistente se analisarmos a filosofia de Baruch Espinoza, filósofo materialista do século XVlll, e seu conceito de substância [1]que é representado como uma característica de algo que é em si mesmo e que pode ser concebido a partir de si mesmo, não necessitando da existência de outra coisa para definir ela mesma. Com esse jogo de palavras ontológico — que pode lembrar Kant -, Espinosa da base para a soberania individual, pois se o indivíduo existe em si mesmo e, portanto, tem essência, não há a possibilidade de algo que é abstrato como o conceito holista todos ter mais essência que o indivíduo. Além disso, para ele a antropomorfização de entes coletivos é extremamente equivocada e descabida, pois uma vez que apenas indivíduos — logo, seres que possuem substância — são dotados de vontades, impulsos e conatus[2], tais características não podem estar presentes em generalização de pessoas com impulsos e psiques singulares. Dessa maneira, Espinosa pode ser visto como um percursor do individualismo e do pensamento moderno presente em diversos filósofos como Nietzsche, Deleuze e Bergson.

“Durkheim (1968, p. 23) propõe que reconheçamos a existência de dois tipos de vida no homem — a do ser individual e a do ser social. Ora, se há dois seres coexistindo de uma tal maneira que o social, por força de sua superioridade ôntica e causal, acaba por modelar o pensar e o agir do indivíduo e o caráter moral de sua ação, então o social não é apenas o que emerge de novidade quando os homens contraem relações definidas de associação institucional. Metafisicamente falando, não há como falar propriamente de dois seres, o que há, em realidade, é o ser social e os entes individuais.” (OLIVA,1999. p.81)

Epistemologia e Hayek

No segundo capítulo, entramos em contato com os conflitos epistemológico da existência de coletivos, já saindo da natureza dos fenômenos e entrando no limite do conhecimento do que determinamos. Nesse momento, há um grande foco na filosofia individualista e em sua soberania frente à personificação do todo. Friedrich Von Hayek, economista austríaco e ganhador do Prêmio Nobel de 1974, foi essencial na distinção de Individualismo metodológico — ou verdadeiro — e individualismo atomista — ou falso. Hayek defende que o Individualismo Metodológico é aquele que o indivíduo pauta suas escolhas e toma suas decisões de forma singular, considerando não só a razão mas também seus impulsos para fazer suas escolhas. Este conceito é usado como forma de contrapor o holismo e toda a forma coletivista de pensamento, pois põe o indivíduo como senhor de si mesmo e como autor de suas próprias ações, sem legitimar um aparato repressivo contra o indivíduo ou atribuir a um ente abstrato superioridade moral. Já o Individualismo Atomista está muito relacionado à ideia de egoísmo e se perde no inconsciente coletivo como sendo a forma com que a pessoa utiliza apenas a maximização de suas vontades para realizar seus objetivos, ignorando toda a consequência não intencionada de sua ação e o possível impacto que isso gerará para o fim previamente determinado.

“A verdade é que o falso individualismo, como bem o batizou Hayek, acaba também por legitimar, de forma oblíqua e dissimulada, a metafísica holista e suas derivações político-ideológicas coletivistas. Afinal, diluir toda a vida grupal em átomos, que não têm coesão alguma além das regulações e regulamentações emanadas do Estado, é continuar conferindo a essa ficção inútil, à sociedade hipostasiada, poder especial e ascendência normativa sobre os indivíduos”. (OLIVA, 1999. p.75)

Oliva consegue sintetizar de forma excelente a distinção das noções de individualismo e contrapor com maestria o argumento coletivista presente nas provocações do autor no texto. Com isso, ele se aventura em contrapor ideias marxistas, que são evidentemente holistas, visto que as classes sociais são só uma síntese do papel generalizador e deturpado de atribuir noções humanas aos coletivos.

Ética, Política e os reflexos do coletivismo

No último capítulo do livro, Alberto Oliva termina por mostrar os desdobramentos do holismo e suas consequências éticas que terminam por legitimar o utilitarismo. Ao trazer toda a excelente análise ontológica e epistemológica sobre o tema apresentado, o autor evidencia que toda a noção estudada anteriormente de conferir mais ser aos entes coletivos acaba, inevitavelmente, resultando na utopia do bem comum como algo buscado pela noção de todos. Sendo um grupo detentor de mais substância — retomando o debate espinozano -, o alinhamento de ideias proveniente da coletivização determinada pelo grupo acaba por dar base a um discurso de supremacia frente ao indivíduo. Tal teoria legitima consequências como o contrato social e fere direitos individuais por submeter um ser — detentor de impulsos, vontades e consciência — à tirania de uma maioria abstrata de moralidade.

“Ao todo credita-se superioridade ética quando se lhe confere a prerrogativa de perseguir finalidades que, concernindo ao bem comum, podem manifestamente se distinguir e se opor aos interesses de grupos e indivíduos.” (OLIVA, 1999. p.168)

Assim, as consequências do holismo no entendimento individual deixam apenas o campo da ética e partem para um determinismo absoluto em que o grupo, além de delimitar as regras do convívio social, se instaura como estrutura de determinação individual, assumindo um papel de moldar o superego[3] do indivíduo.

“As versões mais radicais de holismo não se limitam a reivindicar a existência de todos. Defendem também inventários ontológicos rigidamente hierarquizados no interior dos quais o indivíduo aparece totalmente determinado — no que é, pensa e faz — por estruturas e processos subsistentes em coletivos ou todos.” (OLIVA, 1999. p.173)

Conclusão

Dessa forma, fica evidente as problemáticas derivadas da reivindicação forçada dos direitos individuais e toda a contradição decorrida de tratar o ser social como algo que possui mais ser que o indivíduo. O holismo falha em delimitar o objeto de estudo para fomentação do conhecimento em diversos campos, nos levando a hipostasiar sobre a existência e legitimidade de coletivos e tem como consequência principal a limitação do exercício do indivíduo, dessarte é rigidamente oposto ao individualismo. Sendo assim, os desdobramentos da aceitação e perpetuação desse ideal camuflado no inconsciente coletivo se mostram danosos para o livre exercício da liberdade e instaura uma tirania irracional de conceitos abstratos e antropomorfizados. Logo, o pensamento individualista se mostra como efetivo no entendimento das dinâmicas sociais pois nos permite analisar o ser social como indivíduos autônomos detentores de vontades e impulsos se relacionando entre si e construindo relações que direcionam o convívio entre as partes.

“A sociologia interpretativa considera o indivíduo e sua ação a unidade básica, seu átomo (…) Com base nesse enfoque, o indivíduo desponta também como limite superior e o único veículo de conduta significativa (…) Em geral, para a sociologia, conceitos como os de Estado, associação, feudalismo e similares designam certas categorias de interação humana. Assim sendo, é tarefa da sociologia reduzir esses conceitos à ação compreensível (…) às ações dos indivíduos participantes.” Weber (1922, p.415)

Autor

Alberto Oliva é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com mestrado em Comunicação e doutorado em filosofia pela mesma instituição com pós-doutorado na Universidade de Siena (Itália). Atualmente é Professor Titular do Depto. de Filosofia da mesma universidade em que se graduou e coordenador do Centro de Epistemologia e História da Ciência vinculado ao PPGLM (Programa de Pós-graduação Lógica e Metafísica). Oliva é uma referência na produção acadêmica no Brasil e traz enorme contribuições para a literatura libertária e para a propagação das noções de filosofia e economia austríacas.

Luccas Bergami é estudante de economia pelo Insper, escritor e membro do Insper Liber.

Referências

OLIVA, Alberto. Conhecimento e Liberdade: Individualismo X Coletivismo. 2. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 1999. 239 p.

DURKHEIM, David Émile. De La Division Du Travail Social. Paris: Presses Universitaires de France, 1930. 269 p.

DURKHEIM, Émile. O suicídio: Estudo Sociológico. 7. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2001. Título Original: Le Suicide.

ESPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Autêntica, 2018. 240 p

VON HAYEK, Friedrich August. Individualism and Economic Order. Chicago: The University Of Chicago, 1947. 282 p.

1. [1] Conceito utilizado por Baruch Espinoza (1632–1677) que fundamenta o termo utilizado como algo intrínseco ao ser que existe por si.

[2] Para Espinoza, tal conceito é identificado como ganho e perda de potência de agir, que baliza o indivíduo nas decisões tomadas.

[3] Conceito desenvolvido por Freud em sua divisão do inconsciente que tem como objetivo ilustrar a moralidade individual e as manifestações irracionais dela.

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Luccas Bergami
Insper Liber

Economista que ama filosofia, música e cinema. Twitter/IG: @luccasbergami