A medalha, a creche e o avião — ou como a OBMEP mudou a minha vida

Bruna Trajano
InspiraSonho
Published in
7 min readMar 15, 2020

A OBMEP — na época, Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (que de uns tempos pra cá aceita particulares também) é um fator comum na vida de todo estudante de escola pública, assim como foi para mim. É, de longe, a oportunidade extracurricular mais presente nas escolas brasileiras, de norte a sul, leste a oeste, abrangendo desde o 6º ano ao 3° ano do ensino médio.

Minha história com ela começa em 2009, ano em que eu estava no 7º ano (então 6ª série). meu deus eu to muito velha Na verdade, eu já havia participado da OBMEP no ano anterior, tinha ganhado menção honrosa inclusive, mas convenhamos que ninguém com 11 anos dá muita atenção a um pedaço de papel desse tipo. Mesmo assim, eu tinha gostado da experiência de fazer aquela prova: eu adorava desafios, e a prova era repleta deles. Era divertido. Então, em 2009, eu passei para a segunda fase (pra quem não sabe, a OBMEP tem duas fases: a primeira objetiva e a segunda dissertativa). O local da prova não era na minha escola; era em uma escola que eu nunca havia pisado na vida e o dia não era nada convidativo: uma tarde de sábado em que baldes de água caíam do céu. Muito apoiadores das minhas ideias malucas, meus pais me levaram até lá. Mal sabiam eles (e eu) que esse dia mudaria toda a minha história.

Sempre gostei de ficar quietinha pensando/estudar/ler em dias frios e chuvosos, então, não sei se foi influência da chuva ou se naquele dia eu estava realmente inspirada (ou ambos), mas fiz o máximo que consegui na prova. Uma vez terminada, vida que segue. Até o dia de divulgação dos resultados. Qual não foi a minha surpresa em ver que eu havia ganhado uma medalha de prata??? Saí pulando (literalmente) e berrando pela casa, feliz da vida. Por eu vir de uma cidade bem pequena, infelizmente existe uma mentalidade de “só quem é de cidade grande consegue”, e quebrar isso era muito bom. A aventura estava só começando.

Como se não bastasse, algum tempo depois chegou um envelope pelo correio; ele dizia que, por eu ser medalhista, estava sendo convidada a participar do PIC (Programa de Iniciação Científica, mas uma versão “júnior” se comparado às ICs de universidade e afins). Seriam dez aulas em um ano, teria que participar de um fórum de discussões e ganharia R$ 100 mensais por isso (imagine uma criança de 12 anos com cem reais na mão por mês!!! É felicidade demais), além de auxílio transporte e refeição (por auxílio, leia-se tudo pago) nos dias de aula, que eram uma manhã e uma tarde. Era perfeito.

Mais perfeito ainda foi quando o PIC de fato começou: éramos apenas eu, uma menina (outra Bruna!) e um menino da região inteira. Além de tudo, éramos mais ou menos da mesma idade, então viramos grandes amigos, e a professora tornava os encontros incríveis. O engraçado de tudo é que o PIC idealmente deve acontecer em uma universidade para os alunos conhecerem ambientes acadêmicos, se inspirarem e tal, mas o nosso acontecia em uma… Creche. Nunca entendi muito bem isso, mas pelo menos podíamos aproveitar o parquinho.

Acho que poucas pessoas podem dizer que aprenderam matemática formal numa creche…

Um dos materiais que recebemos no PIC é um “Manual do Aluno”, falando sobre o próprio PIC, dicas e tudo o mais. Num belo dia de tédio, estava folheando ele quando me deparei com uma página que falava sobre um tal “Encontro do Hotel de Hilbert”, um encontro que aconteceria no Rio de Janeiro com os melhores alunos do Programa. Empolgadíssima com a ideia, coloquei na cabeça que iria no evento; para isso, precisaria participar muito do fórum e ter boas notas nos encontros. Assim o fiz, e em 2011, já dois anos depois da surpresa maravilhosa da medalha, veio a notícia: eu havia sido selecionada! Aqui, lembre do fator “cidade pequena”. Eu nunca havia viajado a) de avião; b) para tão longe; c) sem meus pais, e eles ficaram muito apreensivos com isso, pensando em não me deixar ir. Muuuuuuitas lágrimas e telefonemas depois, lá estava eu no aeroporto de Florianópolis pronta para embarcar rumo ao Rio de Janeiro com outros dez alunos catarinenses e uma moça que nos acompanharia.

Tão estilosos quanto possível em um inverno de 2011

Embarcar em um avião pela primeira vez na vida aos 13 anos e com pessoas completamente desconhecidas deu medo, mas foi fantástico também. Além dessas pessoas encasacadas da foto, a viagem me rendeu inúmeros outros amigos maravilhosos, que fizeram a semana de palestras e minicursos parecer só um detalhe frente a tantos sotaques e novidades. Uma delas, inclusive, vocês conhecem: a pessoa à minha direita na foto (na foto, não do meu referencial), a sétima da esquerda pra direita, é ninguém menos que a atual diretora executiva do InspiraSonho — sim, Beatriz Koch, senhoras e senhores.

Todo mundo que estava lá (menos o fotógrafo)

Mais do que qualquer outra coisa, ir ao EHH e conviver com tantas pessoas inteligentíssimas e incríveis me mostrou que eu estava no nível delas e era capaz de realizar o que eu quisesse. Uma vez que você realmente internaliza isso, é algo muito poderoso. Graças a essas mesmas pessoas, consegui me motivar para estudar bastante para as edições seguintes da OBMEP e consegui mais três medalhas de bronze, indo também ao Encontro do Hotel de Hilbert de 2014 (onde conheci outra InspiraLinda, a Helô).

Graças também à OBMEP, participei de várias outras olimpíadas científicas e amadureci meu amor pela ciência, que antes era apenas uma curiosidade. Dentre estas olimpíadas, destaco a OCQ — Olimpíada Catarinense de Química, em que também ganhei medalha de prata (no 2º ano do ensino médio) e, como havia gostado muito de estudar para ela, comecei a cogitar estudar Química no ensino superior. De fato, em 2015, comecei o bacharelado em Química na UFSC.

Aí você pode pensar “ah, ela chegou no ensino superior, acabaram as influências da OBMEP por aí”. Ledo engano! Pra começar, minha colega de apartamento durante a graduação inteira foi aquela mesma Bruna que estudava comigo na creche naquele longínquo primeiro PIC, e nos demos maravilhosamente bem como roomates (na verdade ela também tinha ganhado mais umas medalhas aí e feito mais uns PICs comigo, então a amizade não estava tão enferrujada assim). Mas, além disso, eu havia me inscrito no PICME — que é uma iniciação científica da OBMEP para medalhistas, e a comecei no segundo semestre da graduação. Era um tema que tinha tudo a ver com química — matemática aplicada na modelagem de proteínas — e eu amei, tanto que fiquei estudando isso por dois anos. Por causa deste tema e do PICME eu também consegui uma bolsa de verão em um centro de pesquisa maravilhoso em Campinas (o CNPEM), mas isso é outra história que também envolve nerdices e sotaques (dessa vez, até em espanhol) e pode ficar para depois.

Para finalizar, dia 14/03/2019, recebi meu diploma de química das mãos de ninguém menos que o coordenador da OBMEP em SC. Ninguém teria sido tão simbólico, e eu aposto todas as minhas fichas que a OBMEP ainda vai me acompanhar por muito tempo — sendo que tudo começou mesmo naquela tarde de chuva.

Eu e o cara que me deu uns almoços pra aprender matemática

Se você ficou inspirado(a) e quer ir bem na OBMEP, eu recomendo fazer as questões de provas anteriores, porque a OBMEP tem um estilo bem marcado, com o mesmo tipo de questão caindo sempre. Além disso, também é legal praticar muito fazendo questões do Banco de Questões — todo ano sai uma edição nova. Treine também o tempo — para ser premiado, você precisa resolver um número razoável de questões, então não adianta ficar muito tempo empacado em uma e depois não dar tempo de fazer o resto. Note também que eu disse resolver e não acertar: como a segunda fase é dissertativa (e a premiação ignora a primeira fase, sendo só uma etapa classificatória), tudo o que você escrever será levado em conta e pode te render pontos. Em resumo, além de mudar a sua vida, as oportunidades mais “concretas” que a OBMEP oferece são:

  • ela mesma, com suas medalhas, menções honrosas, prêmios para escolas com muitos premiados e coisas do tipo;
  • o PIC, com seus encontros (hoje a logística está um pouco diferente e não necessariamente ocorrem encontros presenciais, podendo ser à distância) e o fórum;
  • o Encontro do Hotel de Hilbert (EHH para os íntimos), que apesar de não ter ocorrido durante 2016 e 2017, voltou em 2018 \o/;
  • o PICME, que além da iniciação científica na universidade, permite também aprofundar os seus estudos da IC em um mestrado;
  • a Cerimônia de Premiação nacional, exclusiva para os medalhistas de ouro — essa eu nunca tive o prazer de ir (/chora), mas a Helô pode dar detalhes sobre isso;
  • a bolsa TIM-OBMEP (bolsatim.obmep.org.br), que fornece auxílio financeiro durante toda a graduação de medalhistas;
  • entre outras oportunidades, que junto com as provas anteriores e banco de questões, podem ser encontradas em obmep.org.br.

Ah! E antes que eu esqueça, me candidatei a embaixadora do InspiraSonho graças à Bea e à Helô, então o Inspira também entra na lista de frutos da OBMEP na minha vida…

Bom, sem mais delongas, boa sorte, e espero que daqui a algum tempo você também tenha alguma história para contar sobre essa olimpíada maravilhosa! :)

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